Reportagens

Peixe na praia

No inverno, as praias de Florianópolis são invadidas por tainhas, que vão parar cada vez mais nas redes de pescadores. Os impactos ambientais são desconhecidos.

Fernanda Martorano Menegotto ·
2 de junho de 2006 · 19 anos atrás

Em busca de águas mais quentes, as tainhas migram do extremo sul do continente para a costa do Paraná e de Santa Catarina. Trata-se de um processo migratório sazonal que é avistado com maior facilidade nas praias de Florianópolis. “A cidade tem um recorte geográfico que favorece a pesca. A região fica bem no meio do caminho que os cardumes fazem e, como esses transitam na área costeira, ficam mais acessíveis aos pescadores”, explica o biólogo João de Deus, professor da Universidade Federal da Ilha de Santa Catarina. O processo de migração coincide ainda com o período de gestação dos peixes. Muitas das fêmeas pescadas costumam estar “ovadas”, como dizem os pescadores. A ova da tainha é uma iguaria bastante apreciada e sempre vem em pouca quantidade, já que o peixe não passa de um quilo.

“Até pouco tempo atrás, essa era uma atividade tipicamente comunitária, e tudo era dividido em quantidades iguais entre as pessoas que participavam do arrastão – sempre ficando um pouquinho a mais, claro, para o dono da rede e do barco”, assinala João de Deus, que chama atenção para a mudança nos hábitos de distribuição. Atualmente, com o crescimento das comunidades pesqueiras e de esquemas empresariais de distribuição, muitos dos que puxam a rede não levam nada. “Vai tudo para o caminhão refrigerado do dono da peixaria”, conta. Hoje, para negociar peixes fresquinhos e já limpos na beira da praia é preciso acordar muito cedo.

Tainha na areia. Foto: Divulgação.

Surfe com tainha

Nas últimas décadas, outros fatores determinaram mudanças na pesca de tainhas. Antes do advento do surfe, na década de 70, os pescadores nativos eram os “senhores da praia”. Mas a disputa pelo mar nesta época do ano, que se revela justamente o mais adequado para os surfistas, incitou uma briga que aos poucos está sendo aplacada. De um lado, os pescadores reclamam que as pranchas afugentam os cardumes e inviabilizam o cerco. De outro, os surfistas negam veementemente essa premissa. “Nós sustentamos que não, porque invariavelmente estamos surfando no meio de diversos cardumes”, afirma o presidente da Fecasurf (Federação Catarinense de Surfe), Alexandre Fontes.

A iniciativa vem mostrando bons resultados e já conta com algumas adaptações dois anos depois do termo de compromisso ter sido firmado. Fontes afirma que em muitas praias apenas uma boa conversa entre pescador e surfista tem resolvido. “Neste ano ainda não foi registrada nenhuma ocorrência policial. Nosso único alerta é com as pessoas que vêm de fora para surfar, que não conhecem essas regras. Mas aos poucos vamos nos ajustando”. Por conta do mar sempre agitado, algumas praias do norte da Ilha de Santa Catarina foram liberadas integralmente para o surfe. Já na parte sul, no contorno que corresponde às praias da Armação e do Campeche, por exemplo, o que se vê no horizonte são os grupos de pescadores entusiasmados com a safra surpreendente deste ano.

Impactos desconhecidos

Foto: Divulgação.

Até agora, foram capturadas quase 80 toneladas de tainha – quando o normal oscila entre 60 e 70. Boa parte dos ambientalistas sustenta que a forma artesanal como a atividade é conduzida ainda não prejudica o equilíbrio da espécie. Mas, entre uma safra e outra, a questão suscita polêmica. “Como biólogo é impossível dizer que esta prática não gera impacto ambiental. Há muitos anos a pesca da tainha realiza-se em grande volume e cada vez mais aumenta o número de comunidades de pesca artesanal. Mas não existe, ainda, um estudo sobre o grau de comprometimento da espécie”, salienta João de Deus.

O perigo, segundo ele, é se a pesca industrial entrar em cena. O presidente da Fepesc, Ivo da Silva, ressalta que as atenções se voltam para os proprietários dos barcos de pesca profissionais. Para regulamentar esse trânsito, um acordo foi assinado em abril entre a Abrapesca (Associação Brasileira dos Armadores da Pesca de Atum), o Ibama e Seap (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca). As embarcações atuneiras devem suspender a captura de iscas vivas durante a época da pesca da tainha até que seja confirmada a ausência desses cardumes.

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