Reportagens

Duas rodas, muitos destinos

Praticantes de cicloturismo revelam que sair pelo mundo sobre duas rodas não é idéia de maluco. É tudo uma questão de planejamento e espírito de aventura.

Juliana Tinoco ·
14 de junho de 2006 · 18 anos atrás

O custo é a preocupação principal do turista convencional antes de programar seu passeio ou viagem. Mas há uma modalidade de turista que não se esquenta se o dinheiro está curto para a aventura. Tudo que ele precisa é tempo, disposição e boas pernas. O cicloturismo, tipo de viagem feita de bicicleta, é um esporte e um lazer que vem ganhando adeptos e já conta com histórias de dar água na boca. Nem o oceano é obstáculo para esses ciclistas.

Muitos países da Europa, como França, Alemanha, Holanda e Áustria, possuem tradição na prática de viagens à bicicleta. Lá, isso é considerado normal. Famílias inteiras se preparam nas férias para rodar por seus países, e até fora deles, apenas com a força das pernas. Um estilo de viagem barata e saudável. No Brasil, a idéia ainda não é tão disseminada e a infra-estrutura, segundo os praticantes, está para lá de insuficiente. Mas quem gosta mesmo do negócio só tem história boa para contar.

Eliana Brito Garcia fez sua primeira viagem, a Estrada Rio-Santos, em 1988. Hoje tem a modalidade como profissão. É fundadora do Clube de Cicloturismo do Brasil e se tornou dona de uma fábrica de alforjes, nome dado às malas que se encaixam nos lados da bicicleta. Adepta das aventuras radicais, Eliana recomenda locais como Pantanal, Serra da Canastra, Chapada Diamantina e dos Veadeiros como bons roteiros de viagens de bicicleta. “Comecei a viajar pensando em ter maior contato com a natureza e acabei descobrindo que, além disso, a bicicleta abre portas para o contato com as pessoas também”, conta Eliana.

Os conselhos da ciclista para quem está começando é sempre fazer um bom planejamento da viagem. “Se num treino a pessoa é capaz de rodar 80 quilômetros em um dia, ela deve calcular para a viagem uns 40, 50 quilômetros. Não é preciso estabelecer metas, mas é importante conhecer a sua própria capacidade. Outra dica importante é saber como é o caminho, onde estão as áreas de subida e descida e, principalmente, onde estão as estradas de terra. O Brasil não oferece estrutura para que a gente rode no asfalto por muito tempo”, explica a viajante. Para tanto, mapas e cartas topográficas do site do IBGE não saem da mão dos ciclo-viajantes. O site organizado por ela divulga sete roteiros já testados.

Em sua primeira aventura, Eliana conta que errou em muitos detalhes. Colocou todas as malas no bagageiro (o que desequilibra a bicicleta), andou pelo acostamento (o que resultava em pneu furado o tempo todo) e ainda por cima saiu de casa a bordo de uma Caloi que não tinha as marchas corretas. Tudo serviu de aprendizado que hoje ela passa adiante. “De preferência leve sua barraca de acampar, para ter mais liberdade. Sempre pode acontecer um imprevisto e é bom ter onde dormir. Atente para o peso da sua bagagem, eu viajo geralmente com 35 quilos. Além disso, tenha sempre à mão um hodômetro, que é o computador que marca a quilometragem”, aconselha.

Equipamentos e Roteiros

Zélia Cascardo, dona da loja de bicicletas All Track, no Rio de Janeiro, enumera os ítens que são necessários para uma boa clicloviagem. Suporte para bagageiro, alforjes, farol, hodômetro, mochila de hidratação (para beber pedalando), computador com marcador de tempo, distância percorrida e velocidades, capa de chuva, calça de tactel, capacete, luva, bomba de ar, câmara reserva e kits de reparo e remendo de pneus. O investimento inicial com esses assessórios não sai por menos de R$500, estima Zélia. “Os tipos de bicicleta adequados são dois: Bicicletas de asfalto, que são as de ciclismo, ou híbridas e de terra, que é a de mountain bike. As híbridas são iguais as de ciclismo, só que possuem um guidon reto, para que o viajante não fique com a postura abaixada, que nem o esportista”, explica Zélia.

Walter Magalhães fez sua primeira viagem em 1991 para a França, na época em que todos esses equipamentos só existiam na Europa. Hoje, ele que é analista de sistemas, já considera a bicicleta como sendo sua segunda profissão. Ele dá palestras sobre cicloturismo para incentivar as pessoas a tirarem a bicicleta da garagem. “Minhas dicas são usar roupas claras para sempre ser visto, não pedalar durante a noite e nunca insistir em pedalar mais do que a sua capacidade. Eu, por exemplo, fui parar no hospital no Chile por que fui teimoso e acabei ficando doente”, conta Walter.

Quem está começando agora, pode optar por roteiros mais simples. Walter recomenda o caminho da Estrada Real, que sai de Diamantina(MG) e vai até Parati (RJ), com mil quilômetros e dificuldade média a leve. O Caminho do Sol segue de Tambaú(SP) até Aparecida(SP), tem 450 quilômetros e exige um pouco mais de preparo físico por causa das subidas. O Caminho das Missões percorre o litoral baiano, mas vai costeando a praia, o que pode ser mais difícil para quem não é acotumado a pedalar na areia. Jorge Blanquer é membro do Clube de Cicloturista e escreve colunas sobre o assunto. Ele recomenda o sul do Brasil para bonitas viagens. “De Curitiba até Florianópolis, o Caminho de Lagamar, que é o litoral de São Paulo e a Serra Gaúcha, de Urubici, em Santa Catarina, à Gramado, no Rio Grande do Sul”, sugere.

Um Zé pelo mundo

Conhecido como Zé do Pedal, o mineiro José Geraldo de Souza Castro morava no Rio de Janeiro, na favela da Perereca, em Bonsucesso, quando revelou ao irmão Vicente seu sonho de ir a Europa. “Mas eu ganhava dois salários mínimos”, conta. Foi o irmão que deu a idéia: Por que você não vai de bicicleta? José topou e em 1981 partiu em direção à Espanha, para assistir à Copa do Mundo. Atravessou a América Latina e Central, o México e chegou aos Estados Unidos. De avião, alcançou Londres, percorreu a passeio mais alguns paises europeus, assistiu aos jogos e retornou de barco. A experiência foi apenas o começo de uma vida dedicada à modalidade.

Em 1983 deu a volta ao mundo. Foram 56 países em quatro anos. Por onde passava, Zé vendia fotos, ou pedia patrocínio em lojas de bicicleta, de equipamentos, de refrigerante, de tênis, o que aparecesse. Depois, corria atrás dos meios de imprensa para divulgar sua aventura. Na bagagem, o item principal era a camisa do Brasil. “É o meu cartão de visita. Quando cheguei em Bangkok, na Tailândia, passei um mês morando com um taxista com quem fiz amizade. Ele abriu as portas da casa dele assim que viu que eu era brasileiro e carregava comigo uma foto com o Pelé”.

Zé do Pedal encontrou nessa viagem até uma causa para lutar. “Quando estive na Etiópia, descobri que crianças percorriam 20 quilômetros a pé para encontrar água. Resolvi então que lutar por esse recurso natural seria minha bandeira”, revela. Como acreditava que as crianças eram as únicas que ainda estariam abertas a mudanças de comportamento, Zé optou por chamar a atenção do público infantil. Primeiro cruzou a Ilha de Honshu, no Japão, e mais tarde, percorreu mais de 3 mil quilômetros, do Chuí à Brasília, de velocípede. Por onde passava, dava palestras.

Seus equipamentos básicos eram faróis para pedalar a noite, máquina fotográfica e muito jornal. “Quando o frio apertava, eu recheava minha roupa com jornal para aquecer. Quando comecei, tudo era mais difícil, só a barraca pesava 6 a 7 quilos. Eu aconselho a todos que partirem em viagens como essas, a planejarem sempre pontos de apoio nas cidades por onde vão passar”, conta. “Fora isso, ter sempre muita humildade para lidar com as pessoas”.

Nas águas

Sua primeira investida aquática veio em 2002, quando desceu num barco a pedal o Rio São Francisco. “Saí no dia 22 de março, que é o Dia da Água. Queria chamar atenção para a importância natural e histórica do rio e para o problema da água no Nordeste. A viagem rendeu mais de mil fotos. “Fui chamado de doido, apanhei até de policial”, relembra Zé.

A sintonia com o barco funcionou e em 2004, também no dia 22 de março, a uma temperatura de 2 graus negativos, Zé partiu com uma pequena embarcação de 4 metros e apenas um assento, de Nova Iorque em direção ao Brasil. Há 120 quilômetros de Cancún, depois de 1 ano e 6 meses de viagem, Zé do Pedal foi atingido pelo furacão Rita e teve seu barco destruído. “Quando liguei para o meu irmão contando do barco ele me disse: Você estava mesmo precisando de um descanso. É o que estou fazendo. Vou recomeçar minha viagem em breve, partindo do México”, revela.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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