Reportagens

O primeiro passo

Ongs ambientais e empresas concordam em buscar juntas uma avaliação estratégica sobre os impactos ambientais no Pantanal do pólo econômico que começa a nascer em Corumbá.

Manoel Francisco Brito ·
11 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

Quando ouviu a idéia há pouco menos de um ano, o engenheiro Miguel Milano, representante da Avina no Brasil e membro do Conselho de Administração de O Eco, achou que ela tinha tudo para dar errado. Primeiro, ela implicava em conseguir que dois velhos adversários, Ongs ambientais e empresariado, topassem conversar. Depois, seria necessário persuadir as partes a trabalhar em conjunto para proteger os 490 mil quilômetros quadrados do Pantanal, no Centro-Oeste do país. Para tanto, traçou-se um objetivo comum, mas ousado: encampar um estudo de impacto ambiental que jamais foi feito no Brasil. Chama-se Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e envolve a análise de todas as atividades que compõem um pólo de atividade econômica e suas possíveis conseqüências ambientais para uma região.

Havia um problema com essa parte da proposta. O pólo que se pretendia analisar, o de Corumbá, um ano atrás ainda estava entre a promessa e a realidade. Há pelo menos três décadas, grandes empresas se instalaram no entorno do município. A Votorantim opera duas cimenteiras na região. A Rio Tinto e a Vale do Rio Doce mineram ferro. Nenhuma delas, entretanto, tinha planos de expansão. A TBG, subsidiária da Petrobras, embalada pela lua de mel com o gás boliviano, até tinha. A MMX, do empresário Eike Batista, com um projeto de mineração e siderurgia, também. Mas naquele momento, do ponto de vista financeiro, parecia mais promissor desenvolver projeto semelhante na Bolívia. E aí o tempo passou e essa situação mudou.

Evo Morales virou presidente, invadiu as dependências da Petrobras no país e fez murchar o entusiasmo da estatal com o gás. Em compensação, ao botar a MMX porta afora, a empresa concentrou seus investimentos na direção de Corumbá. A Rio Tinto, embalada pelo aumento das exportações, decidiu ampliar a exploração de ferro e agregar a ela uma siderúrgica. A Vale, provavelmente, seguirá o mesmo caminho. O pólo minero-industrial de Corumbá voltou a surgir no horizonte e Milano, devagarinho, foi costurando a aproximação entre Ongs e empresas. Em 10 de agosto, em Campo Grande, as duas partes se encontraram pela primeira vez para discutir o assunto. Depois de cinco horas de conversa, deixaram a sala com um entendimento que, se for adiante, tem tudo para fazer história.

“Por enquanto, foi só um passinho”, diz Milano. As Ongs – uma turma de peso como a Fundação Boticário, o WWF, a Conservation International e a Neotrópica – e as empresas concordaram que a idéia da AAE era boa. Concordaram também que o estudo, se for de fato encomendado, será focado na região de Corumbá. Mas avaliará os impactos que um futuro pólo terá em toda a Bacia do Alto Paraguai. Finalmente, ele terá que ser concluído em prazo curto, seis meses, a tempo de servir de guia ambiental para os investimentos na região. Para tanto, serão utilizadas fontes secundárias de informação já existentes e incorporados dados levantados pelas Ongs e as empresas sobre o assunto.

Em princípio, bom para todos

O dinheiro para o AAE, que será feito pela Coppe da UFRJ e deve ficar entre 1, 5 milhão e 2 milhões de reais, sairá dos cofres das empresas, que também arcarão com o financiamento das reuniões futuras do grupo envolvido no projeto. Num novo encontro marcado para 12 de setembro, os orçamentos serão examinados antes da decisão final. “Se formos adiante, as vantagens são óbvias para todos os lados”, diz Milano. Para as empresas, o envolvimento das Ongs no AAE pode livrá-las pelo menos de uma parte das habituais dores de cabeça legais que acompanham o licenciamento ambiental de seus investimentos. “Essas disputas têm um custo às vezes alto e atravancam os projetos”, diz Paulo Monteiro, da MMX. O estudo servirá também para adequar seus planos a uma visão macro ambiental, aumentando a possibilidade de prever passivos futuros.

Para as Ongs, além do acesso a um estudo que lhes permitirá avaliar as futuras pegadas do crescimento econômico na região em conjunto, e não a partir de projetos individuais como acontece atualmente, o acordo pode reduzir o seu grau de atrito com as empresas. O meio ambiente na área de Corumbá e na região também terá muito a ganhar. O AAE pode ajudar a planejar a expansão industrial a longo prazo. Nenhum dos presentes à reunião discordou que a situação ambiental do Pantanal é potencialmente grave e demanda soluções pelo menos mais criativas. A Bacia do Alto Paraguai já perdeu 45% de sua cobertura vegetal original e, no ritmo atual de desmatamento, cerca de 2 a 3% ao ano de sua área total, o Pantanal vai sumir em míseros 45 anos.

Nesse processo, desaparecerão também 650 espécies de aves, 124 de mamíferos, 260 de peixes e mais de 300 de répteis e anfíbios. E o pólo de Corumbá, evidentemente, vai aumentar essa pressão. A Rio Tinto, por exemplo, pretende ampliar a sua produção de ferro de 2 milhões para 15 milhões de toneladas por ano e construir uma siderúrgica para agregar valor ao minério. A mina da MMX começou a funcionar em dezembro do ano passado e em 2008 estará produzindo 4,9 milhões de toneladas por ano. Os planos da empresa também incluem a construção de uma siderúrgica que deverá estar funcionando em setembro do ano que vem, produzindo 375 mil toneladas de ferro-gusa por ano. Para fazer essas indústrias funcionarem, será preciso aumentar a geração de energia e, portanto, há planos de se erigir termoelétricas no entorno de Corumbá.

As siderúrgicas terão necessidade de empregar grande quantidade de carvão vegetal, coisa que deixa as Ongs de cabelos em pé. A MMX tem planos de fazer grandes projetos de reflorestamento com eucalipto em áreas do estado distantes do Pantanal e de preferência já degradadas. Mas eles só terão condições de responder à demanda num espaço entre sete e dez anos. Até lá, o carvão terá que ser produzido a partir de mata nativa. Para minorar esse impacto, o Procurador Alexandre Raslan, do Ministério Público Estadual, negocia com a empresa a assinatura de um Termo de Compromisso de Conduta (TCC), para comprometê-la a produzir os impactos ambientais dessa atividade o mais longe possível do Pantanal. Ele será obtido junto a produtores distantes da região, que estejam em conformidade com a legislação trabalhista, tenham certidão negativa de débito junto aos órgãos federais e estaduais e operem em conformidade com regras estabelecidas pelo MP.

Silêncio

Não é o ideal, mas o possível. Diante desse quadro, o pequeno passo dado na quinta-feira em Campo Grande faz todo o sentido. E pode virar um modelo para avaliar e prevenir eventuais estragos ao meio ambiente de qualquer pólo de desenvolvimento que venha a ser implantado no futuro no país. Ainda falta muito para essa iniciativa pioneira começar a andar. Na verdade, ainda é cedo para dizer se ela vai realmente decolar. Mas se a proposta deixar o chão e ajudar a conservar o Pantanal, o país vai ter muito o que agradecer a um oficial aposentado da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, o coronel Ângelo Rabelo. Ele é quem teve a idéia de colocar Ongs e empresas para conversar sobre o futuro da região. Rabelo é um veterano da luta pelo meio ambiente na região e no seu caso, isso tem um significado literal.

Fez parte, no início dos anos 80, do grupo de policiais que se embrenhou no mato para combater as quadrilhas de coureiros – caçadores de jacarés – que agiam na região. Era um trabalho extremamente violento e os confrontos a tiros normais. Ele foi ferido em ação em 1982, recuperou-se e retornou à linha de frente em 85, combatendo o tráfico de animais silvestres. Ajudou a fundar a Polícia Florestal do estado, foi seu comandante e saiu da tropa em 1996. No ano seguinte, assumiu a Secretaria de Meio Ambiente de Corumbá, onde ficou até 2004. Hoje, é assessor do candidato ao governo do Mato Grosso do Sul pelo PT, senador Delcídio Amaral. Rabelo procurou Milano com a proposta de que ele coordenasse essa aproximação entre as Ongs e as empresas. E pediu a Delcídio que usasse sua influência para contatar os empresários. “As Ongs resistiram mais, fizeram muita exigência para entrar no barco, mas acabaram cedendo”, conta Milano.

Rabelo não esperava muito mais do que aconteceu na reunião em Campo Grande. “Era o que dava para conseguir neste momento”, diz. Mas confessa que ficou um pouco decepcionado com o silêncio dos representantes das Ongs no encontro. Ao contrário dos diretores de empresas, que mostraram seus projetos e tentaram vender o peixe de que suas práticas são ambientalmente corretas, os ambientalistas passaram praticamente o tempo todo calados. “Poxa, ninguém fez uma pergunta, não tentou estabelecer um debate”, diz Rabelo. Só acordaram no final, quando a discussão se centrou sobre o orçamento inicial de toda a operação. “Tomara que a falta de eloqüência das Ongs não seja um sinal de desinteresse”, desabafou Rabelo.

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