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Onça parda atropelada em estrada na área metropolitana de Belo Horizonte recupera-se e em breve voltará à natureza. O acidente mostra que os felinos da região vão bem.

Márcia Lopes ·
19 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

A onça parda atropelada na última terça-feira, 17 de outubro, numa estrada a cerca de 60 km de Belo Horizonte, foi examinada e está bem. Mas ficará sob observação por mais dois ou três dias e só então os técnicos do Ibama de Minas, que receberam a custódia do animal das mãos da Polícia Militar de Meio Ambiente do estado, vão planejar sua reintrodução na natureza. A onça é uma fêmea ainda filhote. Tem no máximo dois anos de idade e 20 quilos de peso. Livre na natureza, alcança longevidade de 10 a 12 anos e pode atingir até 50 quilos.

O biólogo e analista ambiental do Ibama, Junio Augusto dos Santos Silva, especula que o animal, que tem hábitos noturnos, foi atropelado quando atravessava a estrada de madrugada. A fêmea foi encontrada pela manhã por policiais militares e levada até um quartel próximo. O acidente ocorreu no distrito de São José de Almeida, em Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na rodovia MG-010, estrada que dá acesso ao Aeroporto Internacional de Confins e que é tida como o portal de entrada para o Parque Nacional da Serra do Cipó.

O biólogo acredita que a onça use a área do parque, a cerca de 30 km de onde foi encontrada. “Esse tipo de animal pode usar para viver áreas entre 20 e 150 km2, dependendo dos recursos de abrigo e da disponibilidade de alimento que a área ofereça”, explica ele. Mas o processo de urbanização da região está provocando a fragmentação das áreas de mata, obrigando os animais silvestres a se adaptarem a um mosaico de ecossistemas, que além de florestas nativas, incluem terrenos agropastoris, chácaras e até condomínios utilizados pela população da capital para passar o fim de semana.

Não chega a ser uma situação animadora, mas o fato é que a ocorrência de animais como a fêmea que foi atropelada, de pouca idade, indicam que a população de pardas que habita a região está conseguindo se adaptar e, o que é melhor, se reproduzir. Não há estimativa sobre o número de onças pardas (Puma concolor) ou pintadas (Panthera onça) que frequentam a área do Parque – de 34 mil hectares – e o seu entorno. No ano passado, uma equipe de estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) iniciou um levantamento da situação desse animais em função de constantes ataques ao gado de fazendas da região. Como biólogo, Silva, do Ibama, acompanhou de 1992 a 2002, em projeto de pesquisa, o conflito com fazendeiros.

Bichos nas cidades

No período, foram registrados 41 ataques de onça pintada e 48 de onça parda contra rebanhos. Segundo Junio, é um índice relativamente alto. A maior parte dos registros vêm da região leste do Estado, área onde a cobertura florestal que resta é dominada pela Mata Atlântica. Lá, a maioria dos ataques é de pintadas. Na região central – onde está o Parque Nacional da Serra do Cipó e onde um dia predominavam os campos rupestres e o cerrado – o terror dos fazendeiros são as pardas.

Silva lembra que é crime ambiental abater animais silvestres e que os proprietários que perderem reses para as oncas, ao invés de saírem dando tiros nos bichos, devem procurar o Ibama, que pelo menos em teoria enviará uma equipe ao local para avaliar a carcassa e definir se é caso para indenização. Outubro, por sinal, foi um mês onde a bicharada deu as caras em áreas mais urbanizadas em Minas Gerais. Um lobo-guará apareceu em plena rua da Zona Leste de Belo Horizonte e uma Jaguatirica foi encontrada no quintal de uma casa em Sabará. Ambos foram resgatados pela Polícia Militar e devolvidos às matas.

Tiveram melhor sorte que outro lobo-guará que foi achado, envenenado, na zona rural de Bom Despacho, no Centro-Oeste mineiro. Era uma fêmea, presume-se que com cinco anos de idade. Ela foi medicada, passou por uma lavagem estomacal, mas não resistiu e morreu no último domingo. Aparentemente, ingeriu veneno de rato. “Com o desmatamento, o animal é forçado a buscar comida em fazendas ou lugarejos próximos à cidade. Por isso, deve-se ter muito cuidado com o manejo de produtos tóxicos e defensivos agrícolas”, diz o comandante da 7ª Cia. Da PM de Meio Ambiente, tenente Écio Antônio Belo.

* Marcia Lopes é jornalista.

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