As obras do gasoduto Coari Manaus estão suspensas, por uma liminar do juiz substituto da Segunda Vara da Justiça Federal do Amazonas, Ricardo Augusto Sales. Na decisão, tomada na quarta-feira, 25 de outubro ele atende a um pedido do Ministério Público Federal, que considera inválida a licença ambiental concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e obriga a Petrobras a obter uma nova licença para a construção, que deve ser analisada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O gasoduto Coari-Manaus vai cortar 400 quilômetros da Floresta Amazônica, para levar o gás natural de Urucu, interior do Amazonas, até a capital do estado. Até junho deste ano, já tinham sido investidos R$ 500 milhões nos preparativos da obra, que foi dividida em três trechos. O primeiro já está em operação e leva o gás de Urucu a Coari. O segundo vai até o município de Anamã (156 quilômetros em linha reta de Manaus). O terceiro trecho, até Manaus, já começou a ser construído e deve custar R$ 428 milhões.
A previsão inicial era concluir a obra inteira até dezembro deste ano, mas devido a seguidos adiamentos, este prazo foi revisto para 2008. Com a decisão do juiz, a obra pode demorar ainda mais para ficar pronta. Ele vai transportar 5,5 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, o suficiente para produzir 800 Mwatts de energia.
Na decisão, o juiz aceita a argumentação do Ministério Público de que os gasodutos Coari-Manaus e Urucu-Porto Velho são o mesmo empreendimento e afeta dois estados brasileiros (Amazonas e Rondônia), áreas indígenas e onde existem índios não contactados, propriedades e um rio da União, o Rio Negro.
O juiz recorreu a Consituição, que reserva ao Ibama o licenciamento em casos de impacto ambiental nacional. Ele entendeu que, além de passar por dois estados, os impactos ambientais diretos passam os limites territoriais do Amazonas. Para o juiz, apenas o fato de o gasoduto cruzar o Rio Negro, um rio sob domínio da União, já justificaria a licençar ser dada pelo Ibama, e não pelo órgão estadual. Ele aponta também um relatório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artítico Nacional (Iphan), sobre sítios arqueológicos na região cortada pelo gasoduto.
Ele utilizou também os princípios da prevenção e da precaucção, que prevêm a adoção de medidas para evitar danos ambientais graves ou irreversíveis ou quando existe apenas o risco deste dano. “(…) são estes dois princípios que fundamentam a exigibilidade do EIA/Rima, bem como do próprio processo de licenciamento ambiental para atividades potencial ou efetivamente causadoras de danos ambientais significativos, princípios esses aos quais se deve dar efetiva concreção, em atendimento ao que dispõe a Carta Magna e o ordenamento jurídico infraconstitucional”, conforme a decisão.
Repercussão
“Esta discussão aconteceu durante o licenciamento, de que era apenas um empreendimento. Mas a argumentação da Petrobras era a de que eram empreendimentos distintos”, recorda o professor Carlos Edwar Freitas, da Universidade Federal do Amazonas, que preparou o Eia/Rima a pedido do Ipaam, em 2004.
As duas obras servem para o transporte do gás natural produzido no rio Urucu, município de Coari, a 363 quilômetros em linha reta a oeste de Manaus. Já existe um trecho pronto de 270 quilômetros, que leva o gás até o Terminal Solimões, onde hoje é embarcado o petróleo e gás produzido nos poços da Petrobras. O gasoduto Coari-Manaus é um prolongamento deste trecho, que vai cortar dez municípios e chegar à capital do estado.
O trecho Urucu-Porto Velho começa na província mineral e segue para o Sul, cortando 540 quilômetros de floresta Amazônica. Ele vai abastecer termelétricas da capital de Rondônia, que hoje, assim como em Manaus, queimam óleo diesel. “Não são o mesmo empreendimento”, afirma o professor, que critica a decisão do juiz: “Neste caso particular, um atraso porque isto já foi discutido a exaustão”.
O Secretário Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Virgílio Viana, também criticou a decisão. “Esta argumentação do Ministério Público não parece razoável. Se fosse assim, a BR-174, que vai para Boa Vista, e a AM-010, que vai para Itacoatiara, são a mesma estrada, porque têm origem comum, Manaus”, protesta. “Esta matéria já tinha sido analisada pela Justiça Federal. A decisão é uma violência contra o setor empresarial. A Petrobras está investindo R$ 2 bilhões da obra”, completa o secretário.
O secretário também discorda que o Rio Negro seja um rio federal. “Se for esta a justificativa, todos os rios da Amazônia são federais, qualquer igaparé de Manaus é federal, porque as águas vão acabar no rio Amazonas e vão parar lá em Belém”, provoca.
Os estudos de impacto ambiental do gasoduto foram apresentados em novembro de 2004 e preparados por uma equipe da Universidade Federal do Amazonas, que já realiza estudos na região por onde deve passar o gasoduto. “Já fazíamos pesquisas lá desde 2001. Aí realizamos estudos complementares e consolidamos o texto nos moldes do Eia/Rima.
“Mais de 80 pesquisadores trabalharam no Eia-Rima, depois os estudos foram analisados por 40 pesquisadores, na maioria mestres e doutores, e foram feitas audiências públicas, com participação, no mínimo, de 3 mil pessoas. E depois disto, foram aplicadas 43 condicionantes”. ”, afirma Virgíli Viana.
Após a notícia se espalhar em Manaus, nem o juiz Ricardo Augusto de Sales nem o procurador da República responsável pelas ações ambientais no Amazonas , Júlio de Castilhos, falaram sobre o assunto. O procurador está em viagem, para participar de um encontro em Pernambuco. E o juiz estava em audiência, segundo a assessoria de imprensa, mas o entendimento dele já está publicado na decisão.
* Vandré Fonseca é jornalista formado em São Paulo, há oito anos vivendo na Amazônia. Atualmente, é repórter da TV Amazonas.
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