Reportagens

O adubo das minhocas

  É possível transformar quase todo o lixo orgânico doméstico em adubo e biofertilizante naturais de forma simples e organizada. Veja como, onde e por quanto adquirir um kit.

Felipe Lobo ·
4 de janeiro de 2010 · 14 anos atrás

Um dos maiores problemas ambientais registrados no Brasil é a destinação incorreta do lixo. Além do consumo excessivo que gera enorme quantidade de rejeitos, a maior parte dos municípios nacionais não tem um aterro sanitário adequado para tratar corretamente dos resíduos. As conseqüências já são conhecidas: poluição do lençol freático através do chorume, vetores de doenças e emissão do metano (o gás mais nocivo para o aquecimento global) após a decomposição ao ar livre. Há, no entanto, uma forma simples e limpa de reduzir o material orgânico das cozinhas e jardins sem qualquer impacto na natureza. Trata-se da vermicompostagem, um sistema que transforma o que antes seria jogado fora em adubo 100% natural.

Direto da Austrália, Clarissa Cassab Danna trouxe um método capaz de transformar praticamente todos os resíduos orgânicos da cozinha e jardim em húmus (sólido) e biofertilizantes (líquido). Ele é simples, limpo e conta com a eficiência das minhocas. Basicamente, o kit necessário para o processo é composto por três gavetas. A história começa na do meio. É nela que os pequenos bichos, em geral da espécie vermelhas da Califórnia, devem ser colocados em parceria com um punhado de terra, que servirá de cama. Aos poucos, os proprietários desta curiosa engenharia devem depositar ali os restos de matéria orgânica.

Veja aqui como funciona a compostagem com minhocas

Isto feito, as minhocas começam o trabalho. A labuta, neste caso, pode ser traduzida como refeição. Elas se alimentam dos resíduos e os transformam em adubo orgânico. Uma vez que esta gaveta central estiver cheia, deve-se começar a despejar o que antes iria para o lixo convencional na caixa de cima. As duas, aliás, possuem furos, o que permite as passagens do ar, do biofertilizante e, é claro, das próprias “operárias”, que migram atraídas pela comida. Isto feito, a gaveta do meio estará pronta para ser esvaziada nas hortas pessoais ou vasos de plantas. O resultado é uma terra rica em nutrientes sem qualquer auxílio de pesticidas artificiais. Depois disso, ela vira a caixa de cima e o ciclo recomeça.

Neste meio tempo, por entre os furos que existem também na caixa inferior, cai o adubo liquido, retirado através de uma pequena torneira acoplada. Ele também terá grande valor para a vida útil das plantas que crescem dentro de casa ou nas hortas dispostas ao ar livre. “Sugerimos que a família fique atenta com os cítricos, as carnes e as gorduras. O grande segredo de manejo é balancear o que é colorido (rico em nitrogênio) com o que é marrom (rico em carbono)”, explica Cassab.

Para um sistema fechado de tratamento de resíduos orgânicos, comum em apartamentos, a indicação é mesmo as minhocas detritívoras – as tais vermelhas da Califórnia. Mas, em ambientes abertos e amplos, pode-se optar pelas gigantes africanas. Quem não deseja ter o trabalho de montar a sua própria estrutura, o Minhocasa vende kits prontos, com manual de instrução, matrizes de minhocas e garfo para manejo. São dois tamanhos: o G (60x45x60cm), ideal para uma residência com até quatro adultos, e o P (40x35x40cm), feito na medida para casas com dois adultos.

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Em média, as minhocas demoram cerca de 50 dias para fornecer o primeiro conjunto de terras férteis, pois elas podem se alimentar de, no máximo, o equivalente ao seu peso a cada 24 horas. E, dentro das caixas, vale colocar quase de tudo: cascas e sementes de frutos e legumes, casca de ovo, borra de café com o filtro, guardanapo de papel, embalagens de papelão, folhas secas de árvores, gravetos, saquinhos de chá, sobras de alimentos cozidos e até fios de cabelo.

“Além do kit, oferecemos cursos, ministrados no espaço-escola do Minhocasa, no Distrito Federal, e oficinas, realizadas em condomínios, escolas, assentamentos, empresas, ong’s ou outros locais” diz Cassab. Ela lembra que, na sede, há a exposição do sistema em pleno funcionamento, fora a horta orgânica, uma espiral de ervas medicinais e barracões de produção. “É um espaço educativo e produtivo no qual oferecemos visitas guiadas às quintas-feiras, gratuitas, mediante agendamento prévio”, completa.

Qualquer pessoa pode adquirir o kit, mesmo quem não vive na capital federal. Basta enviar um e-mail para [email protected] e fazer o pedido. A resposta vem com o frete calculado e o prazo de espera (veja mais detalhes abaixo, em serviço). Após 16 anos de estudos e cinco de trabalho, a entidade já distribuiu cerca de 5 mil exemplares por todo o Brasil e tem representantes em quatro estados, além do DF. São eles que mostram o método para eventuais interessados e passam as encomendas para a equipe de Brasília.

É o caso, por exemplo, do Ponto Org, um centro cultural temático situado em Niterói (RJ) e coordenado pela bióloga Kátia Alves Duarte. “Nós colocamos o produto em exposição e pego todos os contatos das pessoas que desejam comprar”, confirma. No local, há a proposta de promover iniciativas sociais com eventos (a feira orgânica, promovida todos os sábados, é um deles) e visitas orientadas, sempre com grande foco em conservação da natureza.

Questionada sobre a possibilidade de superpopulação das gavetas, já que as minhocas são hermafroditas (embora, para a reprodução, sejam necessários dois indivíduos), Clarissa tem a resposta na ponta da língua. “O casulo fica no sistema por 21 dias em média e então eclode, gerando de 8 a 12 filhotes. Eles estarão adultos em 90 dias e viverão 16 anos. Mas as minhocas são inteligentes e regulam o número de indivíduos de acordo com a quantidade de espaço e comida. Porém, para evitar qualquer problema, a família também fará o manejo a cada 50 dias, quando levará o humus ao vaso de plantas, por exemplo. Ali estarão alguns indivíduos, pois nem todos subirão ao terceiro andar em busca de comida”, afirma.

Sem as minhocas, também é possível

Bernhardt, da Recicloteca: “É possível
cortar 25% do lixo levado aos aterros”
Foto: Felipe Lobo

Para reduzir consideravelmente o volume do lixo doméstico encaminhado aos aterros brasileiros, no entanto, não é preciso depender das simpáticas minhocas. A Recicloteca, centro de informações sobre meio ambiente e reciclagem no Rio de Janeiro, ensina, há muitos anos, como cuidar dos resíduos orgânicos com apenas uma caixa organizadora (ou algo semelhante). Em geral, para uma família pequena, apenas uma de 8 litros é suficiente. O esquema é simples: uma camada de terra velha, já cansada; outra de vegetais crus (como talos, cascas e folhas), bem cortados, e outra de terra preta. É esta que traz os microorganismos responsáveis pela decomposição. Pode também colocar borra de café por cima, sempre na mesma proporção dos demais.

Alguns cuidados são necessários, como manter a estrutura longe do sol. Furos devem ser feitos na tampa e na parte inferior, para os equilíbrios de temperatura e umidade. Além disso, é importante misturar todos os elementos com certa freqüência a fim de homogeneizar a compostagem, além de regar, caso o aspecto esteja muito seco. Colocar ferragem por cima de tudo também ajuda, assim como cascas de ovo ou cebola trituradas no liquidificador. Após dois meses, mais ou menos, um adubo fértil e 100% natural poderá ser usado nas plantas.

“Em torno de 40% a 50% do lixo de uma casa tradicional é formado por material orgânico. Ao usar este sistema, que ocupa espaço mínimo e cabe em qualquer lugar (além de poder ser empilhado, no caso de se ter várias caixas ao mesmo tempo), pode-se reduzir em até metade deste total. Ou seja, sendo pessimista, é possível cortar 25% do lixo completo levado aos aterros”, garante Eduardo Bernhardt, consultor ambiental da organização sem fins lucrativos.

Como na técnica com minhocas, o uso de cítricos (em virtude da acidez) não é recomendado e, quanto maior a harmonia entre cores, melhor. As diferenças entre os dois métodos, porém, não são poucas. Além de mais barato, a compostagem sem o auxílio de bichos só aceita folhas, cascas e talos. Nada de papel, cabelo ou sobras de alimentos. “Preferimos este tipo porque não serve como atenuante da consciência. Ou seja, não adianta desperdiçar alimento no prato e se sentir melhor porque ele se transformará em adubo depois. Temos duas dicas que se complementam: 50% de aproveitamento integral de alimentos, e 50% de compostagem simples”, finaliza.

Serviço

Vermicompostagem
Minhocasa: www.minhocasa.com
Para comprar (por e-mail – [email protected])

– Kit Minhocasa G (cor café):
Capacidade: transformação de lixo de até 4 adultos (consome até 1 litro de resíduo ao dia)
Valor: R$ 305,00
Medidas: 60x45x60cm.

– Kit P (cor café):
Capacidade: transformação de lixo de até 2 adultos (consome até 1/2 litro de resíduo ao dia)
Valor: R$ 215,00
Medidas: 40x35x40cm. 

– Valor do frete:
Via Sedex, entre R$ 70,00 e R$ 130,00, dependendo do local;
Via PAC (forma econômica dos Correios), aproximadamente R$ 70,00. Até 7 dias úteis para chegar.
*Caso queira calcular os valores com maior precisão, envie o seu CPF e o tamanho do Kit desejado por e-mail.

Cursos no Distrito federal em 2010 (R$90,00)
27 de fevereiro
27 de março
24 de abril
29 de maio
26 de junho
28 de agosto
25 de setembro
30 de outubro
27 de novembro

*Para grupos fechados em outros estados, ligar para 11. 26314915 ou visitar www.saborfazenda.com.br

Representantes
– São Paulo
Sabor da Fazenda (11 2631.4915)
Caminhos da Roça (11 2733.6727)
Condomínio Alphaville – Edson Pinto ([email protected])

– Distrito Federal
Livraria da Terra (61 3340.9806)

– Rio Grande do Sul
Lorena Manique (51 3207.8287)

– Minas Gerais
Poços de Caldas – Naturalmente Empório (35 3721.4727)
Ethos Ambiental ([email protected])

– Rio de Janeiro
Niterói – Associação Ponto Org (21 2611 6859)

Compostagem Tradicional
Recicloteca: www.recicloteca.org.br ou (21) 2551-6215 / 2552-6393

Faça você mesmo
– Uma caixa organizadora de oito litros (para família pequena): entre 25 e 30 reais.
– Um saco de terra fértil: cerca de 6 reais
– Total: R$36,00

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Minhocas em casa: uma solução para o lixo orgânico

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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