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Brasil na Cúpula do Clima: retrocesso e oportunidade perdida

Especialistas criticam decisão do governo brasileiro em não assinar acordo em Nova York que prevê zerar desmatamento líquido até 2030.

Daniele Bragança ·
26 de setembro de 2014 · 9 anos atrás

Retrocesso, incoerência, perda de oportunidade, falta de liderança. Essas foram opiniões dadas por ambientalistas que acompanham negociações climáticas ouvidos pelo ((o))eco para descrever a postura do Brasil em não assinar o acordo da Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que previa a meta de reduzir o desmatamento pela metade até 2020 e a zero até 2030.

A Cúpula do Clima terminou com compromisso assumido por 150 países. O Brasil não assinou.

Conversamos com Sérgio Abranches, cientista político e autor do livro Copenhague, antes e depois, sobre a Conferência das Partes do Clima em Copenhague (COP 15), realizada em 2009. Abranches ressaltou que as emissões brasileiras têm aumentado e que as grandes obras do governo estão estimulando o desmatamento. Para Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, estamos assistindo a um dos retrocessos mais absurdos da história da política ambiental brasileira, em que o Brasil volta a abraçar um discurso “anos 70” de que é direito dos países em desenvolvimento poluir até se igualarem ao ricos. Carlos Rittl,  secretário executivo do Observatório do Clima, enfatizou que o governo brasileiro já havia se comprometido com a sociedade brasileira a zerar o desmatamento líquido em todos os biomas do país. A meta era para que essa realidade começasse a valer já em 2015.

Veja a posição de cada especialista

Sérgio Abranches: “o governo Dilma não tem nenhum compromisso ambiental, nem climático”

O Brasil já havia superado essas discussões,  já tinha feito o debate da questão florestal no debate climático. E agora, quando ele se recusa a participar do compromisso de diminuir pela metade o desmatamento até 2020 e a zero até 2030, recusa-se a ter uma liderança no processo na política florestal global.

E essa recusa é ruim, pois o Brasil deveria ter essa liderança por duas razões, uma positiva e uma negativa. A razão positiva é que nós somos uma potência florestal. Temos a maior reserva florestal do mundo. A segunda, porque nós continuamos sendo o maior desmatador do mundo. Então, em ambos os aspectos, nós temos um capital florestal significativo, e existe um dever de casa importante pra fazer na questão do desmatamento. A gente tinha que participar, era nossa obrigação.

Então, foi mal casada a atitude que o Brasil teve lá em Nova York. O discurso da Dilma foi um discurso muito fraco. Ela fez algo que tem repetido com certa frequência, que esconde as fragilidades do governo dela, principalmente na área ambiental: falar do passado sem admitir os problemas do presente.

Caíram as emissões florestais, mas o fato é que as emissões do setor de transporte, energia e agricultura estão aumentando muito. E o governo não faz absolutamente nada para diminuir as emissões, pelo contrário, ele incentiva, seja sujando a matriz elétrica, seja subsidiando a gasolina e o óleo diesel. O governo tem um papel ativo no aumento das emissões. E na questão das florestas, ele também tem um papel ativo. Porque as obras de infraestrutura do governo são os maiores vetores de desmatamento. O governo não exige o cumprimento de nenhuma das condicionantes ambientais dos licenciamento das obras de infraestrutura, faz vista grossa para a área ambiental e social e continua tocando obras. E isso, evidentemente, estimula o desmatamento. É um reflexo, uma demonstração, de que o governo Dilma não tem nenhum compromisso ambiental, nem climático.  

Mario Mantovani: “Foi um tiro no pé. Contra o Brasil, contra o meio ambiente e contra a humanidade”

O Brasil ficou na cadeira de um processo em que estava indo muito bem, graças a Deus, e que não dependia desse governo. E agora a gente está assistindo um dos retrocessos mais absurdos da história.

Além [do governo] ter destruído o Ministério do Meio Ambiente e a gestão das Unidades de Conservação, ter deixado prosperar a PEC 215, não regularizar a PEC do Cerrado, entre tantas oportunidades que o Brasil está perdendo, essa agora foi um tiro no pé. Contra o Brasil, contra o meio ambiente e contra a humanidade.

A gente tinha mudado essa postura. Em vários fóruns, o Brasil tinha tomado a liderança. O que acabou de acontecer foi um golpe contra todo esse processo. O Brasil estava saindo desse discurso dos anos 70 [de defender que os países pobres mantenham a prerrogativa de se desenvolver, mesmo à custa do meio ambiente, como fizeram os países ricos no passado. Esse papo não cola mais. A Dilma está ressuscitando esse papo.

Sobre a Izabella, para quem fez a escadinha de APP, não tem moral para falar que o Brasil não sabia. Sabia muito bem, sim senhor, porque foi consultada. Ela usou essa mesma conversa pra aliviar na Rio+20. Aquele documento pífio, esdrúxulo, que apresentou lá e onde usou essa mesma justificativa: o Brasil precisa amadurecer e tal, isso é coisa de quem não tem o que falar e é melhor ficar quieto do que falar besteira.

Carlos Rittl: “Nós mesmos tínhamos uma meta melhor”

Foi uma grande oportunidade perdida. Precisamos lembrar que o Brasil, em 2008, incluiu no seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas o objetivo de reduzir a zero o desmatamento líquido em todos os biomas até 2015. Esse compromisso proposto por essa coalizão de países e instituições, ele é pra 2030. Nós mesmos já assumimos esse compromisso internamente.

Se o Brasil estava falando sério sobre esse compromisso assumido pelo governo perante a sociedade brasileira, isso já teria sido suficiente para deixar o país em plenas condições de assinar um compromisso similar assumido pelos outros países, porque a nossa meta seria de antecipar o que se pretende chegar em 2030. É de lamentar, então, o discurso da ministra Izabella e o fato do Brasil ter ficado de fora desse acordo.

O Brasil é um grande emissor, talvez o 7º maior emissor mundial. Está entre os 5 responsáveis pelo aquecimento global acumulado, de acordo com estudos recentes.

A impressão é que o governo está confortável em relação ao que já fez e não tem grandes obrigações daqui pra frente. Não dá mais para ficar olhando pelo retrovisor apenas. Precisamos entender que, em algum momento, o Brasil será cobrado a assumir compromissos obrigatórios de redução de suas emissões nas negociações sobre clima da Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas. 

O país repete esse discurso [de não se comprometer] como se fosse contraditório reduzir as emissões e reduzir os riscos dos impactos das mudanças climáticas. Como se fosse contraditório você investir em medidas de mitigação e adaptação. Como se não fosse muito mais caro não fazer, não assumir compromissos,  não preparar nossa economia para esse momento em que todos serão cobrados pelas emissões que provocam.  

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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