Reportagens

Não tem óleo na lagoa

Passam bem os peixes da lagoa do Armazém, no Rio Grande do Sul. Ao contrário do que se pensava, a Petrobras não polui aquelas águas. Mas existem outras ameaças.

Renan Antunes de Oliveira ·
4 de janeiro de 2005 · 19 anos atrás

De vez em quando o planeta água tem boas notícias: para quem não sabe, está dando muito peixe, camarão e siri na Lagoa do Armazém, integrante da Bacia do rio Tramandaí, no litoral norte do Rio Grande do Sul.

O local esteve por quase duas décadas na lista negra dos ambientalistas gaúchos por suspeita de contaminação. Quando sumiram os jacarés de papo-amarelo, as lontras e as capivaras, lá nos anos 80, os ecovigilantes deram o grito de alerta de que alguma coisa estava errada. Quando começaram a escassear bagres, tainhas e camarões, no início dos 90, os pescadores pensaram ter achado o culpado no Terminal de Dutos (Tedut) da Petrobras. De lá para cá, cada vez que uma tarrafa volta vazia da água a culpa é da Petrobras.

A voz do povo associava a escassez ao despejo de resíduos tóxicos da estatal na água da lagoa e, por conseqüência, na bacia do Tramandaí. Eis uma história de pescador recolhida com “seu” Jovino, 64 anos, 54 deles vivendo à beira da lagoa do Armazém: “Antes da Petrobrás aqui tinha muito peixe”. O testemunho insinuando a relação de causa e efeito é dado enquanto Jovino bebe uma cachacinha no Bar do Maneco, perto da peixaria do Laureano.

Peixaria do Laureano? O que faz uma peixaria num lugar que, em tese, não tem peixes? “Quem disse que não tem?”, pergunta Iolita, dona do negócio, apontando freezers cheios de pescado.

Como um vigilante do ambiente sempre suspeita de tudo e todos, o próximo entrevistado é o biólogo Renê Wollman, da Prefeitura de Imbé, cidade banhada pelas mesmas águas da lagoa. A pergunta que não quer calar é se o Tedut suja ou não suja. “Se alguém derramar petróleo, óbvio que suja, mas isso não acontece aqui”, responde Wollman.

Wollmam tem uma tese de mestrado sobre a bacia do Tramandaí. “O sumiço dos peixes em algumas épocas e pontos é causado pela conjunção de três fatores: ocupação desordenada das margens, despejo de esgotos e excesso de nutrientes. Destes, a Petrobras é inocente”, garante o biólogo. “Os leigos confundiram o achado de resíduos de gasolina na água, há dois anos, como sendo coisa da Petrobras, mas foi pura coincidência. Ocorre que o achado, feito numa pesquisa da Universidade Federal (UFRGS), refere-se a despejos de postos de gasolina da BR-101 que lavavam seus tanques na lagoa da Pinguela, ao norte da do Armazém”, explica. E, mesmo assim, “não havia quantidade suficiente para um prejuízo ecológico de monta”.

Fato 1: os postos da BR-101 foram multados pelas autoridades em 2002 e suspenderam a prática. Fato 2: o Tedut pode perder óleo por um rompimento de dutos – mas isso ainda não aconteceu e seria imediatamente detectado – e pode perder óleo no solo de suas instalações. Caso vazasse no solo, o óleo seria recolhido por um canal de coleta fluvial e aí sim levado pela correnteza do coletor até a lagoa – para prevenir isso existe um sistema de diques.

Mais Wollman: “Nós (ele e ambientalistas que integram o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí) fotografamos toda a lagoa e tivemos acesso às instalações da Petrobras. A versão dos pescadores não tem fundamento”.

Morta a dúvida? Não, sempre tem quem não confie em fontes da Petrobras ou em ambientalistas ligados a órgãos públicos, compreensivelmente passíveis de pressões “de cima”.

Então aqui vai outra opinião, totalmente independente. É a de Maria Lúcia da Rosa, presidente da ONG Farol da Terra – que monitora há seis anos as águas da bacia do Tramandaí: “Nós investigamos a Petrobrás por dentro e por fora e nada encontramos. Nunca fizemos nenhuma denúncia porque ali não há o que denunciar. Eu mesma percorri a lagoa de barco, várias vezes, em busca de qualquer indício de poluição provocada por eles. Os pescadores falam porque não sabem direito o que acontece”.

“A culpa é dos homens que vivem na beira da lagoa”, resume Wollman. “As margens estão encolhendo nas encostas dos morros. Os peixes precisam de águas rasas para se alimentar e procriar. Menos margens significa menos peixes”, conclui. E como salvar as margens? O Ministério Público já estuda retirar delas várias casas e negócios cuja ocupação foi feita na marra, burlando a legislação ambiental. Mas para dar esta tarrafada vai ter que percorrer o calvário da Justiça.

Agora esqueça ambientalistas, jornalistas, burocratas e palpiteiros e saiba das novas pela boca de uma nova geração de pescadores. Eles atestam que a recuperação da lagoa do Armazém já veio, e veio pela força da natureza. Rubens Ortiz é da turma nova. Tem uma peixaria na frente da ponte da lagoa, do outro lado de uma rua onde passam três grandes dutos da Petrobras. Vende siri, peixe e camarão: “Bicho tem. Só tem que saber onde é o point”, ensina.

Podemos relaxar? Não ainda. A lagoa está suja pra dedéu. Na margem do lado de Tramandaí é um depósito de pneus velhos, latas, lixo. E “bebe” esgotos. Quando a maré recua um pouco, tudo aparece. Nos dias quentes e sem vento sobe um cheiro nauseabundo.

Mesmo ferida, a lagoa resiste.

* Renan Antunes de Oliveira escreve para o Jornal Já, de Porto Alegre. Vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo em 2004.

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