Reportagens

De área degradada a paraíso com quase três mil espécies de plantas

Referência no Rio Grande do Sul pelas lindas paisagens, o Parque Witeck foi adquirido pelo médico Acido Witeck nos anos 60 e restaurado

Angélica Weise ·
23 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

Em 1960, o médico militar Acido Witeck adquiriu 10 hectares de terra degradada no município de Novos Cabrais, distante 200 km da capital Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Embora inserido no bioma Mata Atlântica, a terra não tinha nada de especial: o chão era aniquilado pela erosão, empobrecido devido às queimadas e pisoteado pelo gado. Mas o médico viu ali uma oportunidade de transformar aquela terra batida em um bosque, o Parque Witeck, que hoje é conhecido até fora do país.

A área não é uma reserva privada com caráter permanente e titulação reconhecida pelo poder público, mas funciona como tal. Com atuais 70 quilômetros quadrados, adquiridos nos anos 90, o bosque é reconhecido por possuir alta diversidade florística, adquirida ao longo de décadas pelo seu criador, um entusiasta de plantas que decidiu, sozinho, criar uma floresta. Witeck, sempre que podia, trazia uma variedade de plantas para casa. Muitas sementes foram trazidas na mala em viagens que o médico fazia quando ia para Alemanha, Estados Unidos, Austrália, Europa, Japão, Suíça – aproveitando que a legislação na época permitia vinda de espécimes sem maiores burocracias. 

Os anos foram passando e o espaço hoje abriga 2,7 mil árvores, arbustos e vegetação de forração, representantes de 25 países de cinco continentes. É quase um jardim botânico. A área possui plantas da Ásia, África, Oceania, da América e da Europa. Além de bosques temáticos, há lagos ao longo do trecho. Um verdadeiro espetáculo a céu aberto.  

Um paraíso que ele deixou para o filho Henrique Witeck, atualmente com 62 anos, administrar. “A primeira árvore que meu pai plantou foi um pé de eucalipto, depois foi fazendo a correção da acidez do solo”, conta. Acido Witeck morreu em 2004. 

Filho de agricultores, os melhoramentos que o médico fez no solo degradado do parque foram feitos com base na experiência adquirida por observação de seus pais. Todas essas transformações foram acompanhadas de perto por Henrique: “Ele comprava muito adubo orgânico, principalmente esterco de galinha. Era um processo bem arcaico e de paciência”, lembra. 

Os cuidados com a terra foram dando resultados. Em uma das visitas do médico a familiares no município de Pinhão (PR), conheceu um local chamado ‘Faxinal do céu’. Acido ficou maravilhado com o que viu e o espaço serviu de inspiração para que o parque começasse a se transformar. “Ele buscou outra forma de posicionar as árvores. No início plantava tudo junto e depois começou a separar ela por características”, explica Henrique. 

Quem circula pelo local consegue ver o resultado dessas ações. As trilhas são demarcadas ao longo dos caminhos, que são interligados aos diversos recantos: da Paz, das Coníferas, das Caducas. E aos lagos: Encantado, Mágico, da Paz e Grande Espelho do Céu. Talvez seja por isso que se fala que visitar o parque Witeck é como viajar o mundo em um lugar só através das plantas. Entre as espécies de plantas do Parque Witeck há: Ginkgo biloba, Cedro do Himalaia, Sequoia, Magnólia grande flora, Sakura cerejeira do Japão, Melaleuca, Eucalipto arco-íris, Jequitiba rosa, Sapucaia, Uvaia, Guabiroba, Guabiju, Araça vermelho, entre outras.

Criador de floresta

Foto: Henrique Witeck

Cuidar do parque para o médico era um hobby, um projeto de vida. E observando o cenário hoje fica até difícil imaginar que antes era simplesmente um extenso pasto. Uma área degradada leva mais de 50 anos para entrar em equilíbrio e com as seis décadas de muito trabalho e respeito à natureza, o Parque Witeck oferece à comunidade e aos turistas cenários únicos, totalmente transformados.

O local é particular, mas aberto ao público. O passeio pode ser guiado ou as pessoas podem realizar um piquenique em um dos vários ambientes. A estimativa é que os visitantes levem cerca de duas horas para percorrer a trilha de três quilômetros, que dá a volta completa pelos bosques do parque.

Como bem lembra Henrique, o Parque Witeck é contemplado pelas quatro estações. Alguns elegem o outono como uma das épocas mais bonitas para visitar o bosque, já que muitas folhas caem e o chão se transforma em um verdadeiro tapete avermelhado. Mas cada estação guarda surpresas. No verão, por exemplo, existe a atração especial: a asiática Flor de Lótus, símbolo do budismo de pureza, perfeição e sabedoria. Para conseguir a Flór de Lótus, um amigo de São Paulo presenteou Henrique com a planta.

Embora repleto de árvores exóticas, o parque Witeck nunca teve problemas com órgãos ambientais. Inclusive, já aconteceu da Patrulha Ambiental (Patram) soltar animais capturados dentro do parque.

E não é só o verde que chama a atenção. No local existem mais de 180 espécies de pássaros catalogadas por biólogos, como Tangará, Urubu, Surucuá, Sábias, Cardeal, Pica-pau, Urutau, Trinca ferro, Coruja orelhuda, Socó, Garça, além de macacos bugios que quebram o silêncio. 

Quem já visitou diversas vezes o lugar é a jornalista de 29 anos Luiza Adorna. O parque foi inclusive cenário para um ensaio fotográfico com as amigas para a formatura do grupo. Ela conta que embora já tenha visitado o espaço em muitas oportunidades, cada uma delas foi vivida de uma forma diferente. “Costumo dizer que é como esquecer onde estamos. Não são paisagens que você observa em qualquer lugar. É como uma viagem a um país diferente, com flores, árvores, sons e sensações ainda não experimentadas”, descreve. 

Dificuldades 

As trilhas são de fácil acesso e podem ser usadas por pessoas com dificuldade de locomoção. Foto: Henrique Witeck

Cuidar de uma área tão grande exige trabalho. Por isso, Henrique conta com um funcionário que já ajudava seu pai: “eu digo que ele não é somente meu braço direito, é braço esquerdo e a pessoa que também tem essa visão de manter o parque sempre em harmonia”, afirma.

Todo dia Henrique está no parque e sempre há muito o que se fazer. “De alguma maneira ou de outra, a gente se vira nos 30”, diz. Afinal, o parque é aberto ao público todos os dias da semana, tornando-se cartão-postal para ensaios fotográficos e para visitas de turistas de todos os cantos do país. “Assim como temos árvores dos cinco continentes, pessoas desses continentes já nos visitaram”, conta. 

As trilhas dos locais são calçadas e podem ser feitas mesmo em dia de chuva. Além disso, o parque também é indicado para pessoas que precisam de acessibilidade. 

Pessoas e plantios 

Durante cinco anos houve um projeto especial de plantio para gestantes. Sempre que chegava uma grávida, ela plantava uma árvore. Em cinco anos da iniciativa, foram 970 gestantes – e mudas. As mães, conta Henrique, continuam visitando o parque, agora com os filhos, para observar as plantas crescendo. Conforme Henrique, a ideia é retomar esse projeto.

Já o Bosque da Saudade dentro do parque é utilizado pelas famílias enlutadas que trazem cinzas das pessoas falecidas e plantam árvores em sua memória.

E sobre o futuro do parque, Henrique compartilha que uma sobrinha vai dar continuidade ao espaço familiar.

Como visitar

O horário de funcionamento do Parque Witeck nos dias de semana é das 8h30 às 17h30 e nos finais de semana e feriados das 9h às 17h, com limite para acessar o parque até as 15h. 

Valores de entradas:

– Crianças até 3 anos não pagam.

– De 4 a 10 anos, R$ 5,00.

– Acima de 10 anos, R$ 15,00.

– Acima de 64 anos,  R$ 10,00, com apresentação de documento comprovando idade.

  • Angélica Weise

    Jornalista formada pela UNISC, com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM

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