Reportagens

Novas regras para comércio de madeiras afetarão licenças de manejo na Amazônia

A proteção de animais da floresta equatorial e de outros biomas também foi revisada na última conferência sobre negócios globais com espécies ameaçadas

Aldem Bourscheit ·
14 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

Mudanças nas regras para exportações de ipê e de cumaru levarão a revisões nas concessões para exploração madeireira na Amazônia. As alterações foram definidas pela convenção que regula a compra e venda de espécies sob risco de extinção. A proteção de animais da floresta equatorial e de outros biomas também foi revisada. 

Em novembro, no Panamá, a 19ª conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites) decidiu que as exportações de madeira das duas árvores precisam de autorizações atestando que foram extraídas dentro da lei e com baixo impacto ambiental. As medidas passam a valer em 90 dias. 

As árvores foram listadas no chamado Anexo II da convenção, voltado a espécies que podem entrar em extinção caso sigam como alvos de exploração excessiva. A Cites foi assinada por 184 países, cujos negócios envolvem quase 40 mil animais e plantas.

Na prática, a medida protetora dos estoques naturais de ipê e cumaru levará a mudanças nas concessões florestais em vigor e projetadas na Amazônia. Quem avalia é o diretor-técnico da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex), Deryck Martins. O estado é líder nacional em produção e exportação de madeiras nativas.

“Se as concessionárias não conseguirem mais exportar madeiras como faziam, pode ser necessário reavaliar a viabilidade [dos negócios] baseada na nova composição de espécies. Algumas áreas têm logística bem desfavorável e as madeiras de alto valor comercial são fundamentais para garantir a viabilidade dos projetos de manejo florestal”, destaca. 

O manejo extrai madeiras em lotes alternados ao longo de até 30 anos, permitindo à vegetação se recuperar. Vendas de ipês sustentam financeiramente várias concessões federais e estaduais na Amazônia. Um metro cúbico da madeira vale hoje o equivalente a R$ 15 mil em mercados internacionais. 

Compras excessivas por mercados internacionais estariam acabando com a espécie, conforme um relatório de março da ong estadunidense Forest Trends. Apesar da demanda explosiva, no Panamá o governo brasileiro votou contra a inclusão do ipê no Anexo II da Cites. 

O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) não atendeu ao nosso pedido de entrevista e não detalhou os motivos. Todavia, o coordenador de Inventário e Informações Florestais do órgão, Humberto Navarro, afirmou em novembro a ((o))eco que a medida prejudicaria exportações e “inviabilizaria financeiramente” os planos de manejo. Afinal, a árvore não estaria sob risco de desaparecer. 

As declarações de Navarro foram baseadas num estudo da Embrapa Florestas – vinculada ao Ministério da Agricultura, assim como o SFB –, que identificou mais de 40 milhões de ipês aptos para manejo madeireiro apenas em regiões do Acre e do Mato Grosso. O trabalho foi publicado em agosto deste ano, dois meses antes da 19ª conferência da Cites.

Todavia, relatórios do Greenpeace identificam falhas no controle da exploração de madeiras amazônicas desde 2014. Os estudos apontaram indícios de fraude em 77% dos inventários florestais usados em planos de manejo, documentos similares aos aproveitados na análise da Embrapa. A situação teria piorado no atual governo, que “nada fez para melhorar o controle e a fiscalização madeireiras na Amazônia”, afirma Rômulo Batista, da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Um ipê-roxo em meio ao verde intenso da floresta equatorial. Foto: Zig Koch / WWF-Brasil

“Pior, o governo caminha de braços dados com quem destrói a floresta e persegue seus guardiões. Fechou os olhos para o problema, afastou servidores que investigavam e combatiam quadrilhas ligadas à extração ilegal e predatória dessas espécies e afrouxou as regras para exportar o ipê, a madeira de maior valor comercial da Amazônia”, conclui Batista.

Outra pedra a entrar no sapato do setor privado com a decisão da Cites pode ser a ampliação, de em média um mês para até 10 meses, para a emissão de autorizações voltadas às exportações. “Isso ocorre com o cedro, já listado no Anexo II. Com a entrada do ipê e do cumaru, os órgãos ambientais terão que ter capacidade para analisar e processar todos esses pedidos”, ressalta Deryck Martins, da Aimex.

Concessões freadas

As concessões de manejo florestal na Amazônia somam 1,6 milhão de hectares – três vezes o território do Distrito Federal. Desse total, 1 milhão de hectares tem licenças federais e o restante estaduais. O SFB projeta que, até meados de 2023, as concessões federais saltem 300%, para 4 milhões de hectares. 

Enquanto isso, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e um estudo publicado em 2021 na revista Forest Ecology and Management estimam, respectivamente, que de 18 milhões de hectares a 35 milhões de hectares podem ser manejados no país. Isso estimularia economias não destruidoras da floresta, como a agropecuária convencional. 

Todavia, novas concessões madeireiras podem ser freadas pelas regras adicionadas pela Cites ao comércio de madeiras, analisa Deryck Martins, da Aimex. Para ele, isso

deve reduzir as projeções de lucros privados e ampliar o desmate criminoso em áreas remotas e sem manejo na Amazônia.

“As restrições [comerciais] podem induzir mais legalidade e sustentabilidade ao setor, claro, mas isoladamente não são suficientes. O corte do acapu é proibido, mas segue muito usado para cercas, mourões e obras porque sua madeira é muito boa pra isso”, destaca Martins, da Aimex. Como ((o))eco contou em janeiro, a exploração da espécie amazônica explodiu após ela ser listada como ameaçada de extinção no país, em 2014.

Uma maior proteção do pau-brasil também foi pautada no Panamá. Mas, a proposta do governo brasileiro para movê-lo do Anexo II para o mais restritivo Anexo I foi rechaçada pelo secretariado da Cites. As pressões vieram de países da União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, além do setor de instrumentos musicais. A madeira exclusiva do Brasil é usada há mais de 200 anos em arcos de violinos e violoncelos. 

“A Cites fixa regras de sustentabilidade para que o comércio internacional de espécies ameaçadas possa continuar. Mas, é evidente que suas decisões são influenciadas por interesses econômicos, políticos e conservacionistas”, sinaliza Juliana Ferreira, diretora-executiva da Freeland Brasil, ong focada no combate ao tráfico de vida selvagem.

Um pau-brasil com estimados mais de 600 anos foi descoberto no sul da Bahia. Foto: Cássio Vasconcelos.

Aquáticas anexadas

Além de árvores que interessam ao mercado de madeiras, espécies de água doce tiveram sua proteção reavaliada no encontro da Cites. Uma proposta brasileira para incluir no Anexo II da convenção 7 espécies de raias da Amazônia foi aprovada por consenso. 

Uma delas é a raia-preta (Potamotrygon leopoldi). Exclusivo dos rios Xingu, Curuá e Iriri, o animal é alvo do tráfico para mercados de espécies ornamentais, sobretudo na Ásia, Europa e Estados Unidos. Também é morta pelo temor que seu ferrão causa em quem frequenta aqueles grandes mananciais. 

Além disso, as moradas da raia foram prejudicadas por poluentes do agronegócio e da mineração, bem como pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. A obra mudou o fluxo do rio Xingu e também aumentou os riscos de extinção do peixe-zebra (Hypancistrus zebra). Ele não pode ser capturado na natureza desde 2004, mas segue na mira do tráfico internacional para o aquarismo. 

Apesar da pindaíba da espécie, igualmente endêmica do Xingu, uma proposta brasileira para que o zebrinha fosse incluído na lista mais restrita da Cites foi barrada por resistências da União Europeia – uma grande comerciante e consumidora de espécies tropicais – e o peixe permaneceu no Anexo II, como se já não rumasse à extinção. 

Exclusiva dos rios Xingu, Curuá e Iriri, a bela raia-preta é uma das espécies que ganhou maior proteção da Cites. Foto: Thesupermat / Wikimedia

“Alguns profissionais avaliam que o tráfico de zebrinhas serviria sobretudo à melhoria genética de animais em criadouros pessoais ou comerciais. Mas falta rastreabilidade de origem [se natural ou de cativeiro] confiável diante do elevado tráfico da espécie”, destaca Juliana Ferreira, da Freeland Brasil.

Já o jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) foi rebaixado do Anexo I para o Anexo II da Convenção, pois não estaria mais “criticamente ameaçado” de extinção. A caça indiscriminada o manteve por décadas nesse status. Conforme o Ministério do Meio Ambiente, a situação foi revertida por políticas públicas de proteção, conservação e manejo. 

“Acho temerosa a manutenção do jacaré-de-papo-amarelo no Anexo II porque a traçabilidade [do que é comercializado e exportado] ainda é muito falha e inúmeras irregularidades em criadores de crocodilianos já foram identificadas em operações policiais e de fiscalização em diferentes estados”, destaca Juliana Ferreira. 

Em 2015, o Ibama flagrou criadouros de jacarés em municípios pantaneiros com irregularidades como peles sem lacres, ou ainda lacres sem uso ou abertos. Conforme a fiscalização, isso permite o “esquentamento” de itens retirados de animais capturados em ambientes naturais, e não em criadouros.

Além disso, o Grupo Brasileiro de Referência em Crocodilianos alertou, ainda em março, quanto à “fragilidade, inconsistência e deficiência técnica” da proposta brasileira para listar o jacaré-de-papo-amarelo no Anexo II. Segundo os cientistas, foi desconsiderado que as populações da espécie têm características e ameaças distintas no país, mas não apenas isso.

“Lacunas essas que poderão aumentar o risco às populações naturais uma vez submetidas ao manejo para extração de ovos (ranching), modelo que sustenta, objetiva e motiva a proposta em pauta”, destaca o documento enviado ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), do ICMBio.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista brasilo-luxemburguês cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Sel...

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