Uma carta que demonstra a preocupação internacional com os rumos da democracia no Brasil e seus impactos sobre as agendas ambientais foi apresentada durante o 8ª Reunião Anual da FLARE em Roma, na Itália, entre 7 e 10 de outubro, e foi endossada por participantes do evento. O documento expõe o posicionamento dos cientistas diante da polarização brasileira e da iminência das eleições presidenciais.
A FLARE é uma rede de pesquisadores que estudam florestas e bem-estar humano. No evento, que contou com cerca de 200 participantes, compareceu Felipe Melo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que leu a Carta em plenária e foi aplaudido. “A comunidade acadêmica internacional reconhece que o Brasil é soberano em suas escolhas democráticas, mas enxerga duas claras e opostas propostas ambientais para o país”, esclareceu Melo.
O pesquisador acredita que há uma sensação inequívoca na comunidade científica de que as agendas da ultradireita antidemocráticas são maléficas para o meio ambiente. “Elas comungam de um nacionalismo que vê as agendas ambientais como planos conspiratórios antinacionalistas. Retrocessos ambientais são registrados em todos os países governados pela extrema-direita autocrática, que costuma negar a importância da ciência para uma tomada de decisões embasada em evidência e veem os problemas ambientais de maneira isolada e pouco efetiva”.
Sobre o documento, Melo esclarece que ele chama ao posicionamento de cientistas para uma aliança democrática, onde a possibilidade de diálogo e construção da agenda ambiental nacional e global possa ser retomada sem conspiracionismo e negacionismo científico. “É raro, mas cientistas também se posicionam com veemência e essa carta é um sinal desse compromisso com a democracia e a ciência”.
Leia a carta na íntegra, traduzida para o português:
“Entendemos que o Brasil enfrenta enormes ameaças em relação às questões ambientais. O recente aumento de incêndios florestais e taxas de desmatamento, a morte de ambientalistas e o desmantelamento documentado de instituições ambientais representam ameaças importantes para um dos países com maior diversidade cultural e biológica do mundo. Nós, como participantes do Encontro da Rede FLARE 2022 em Roma, Itália, apoiamos o povo brasileiro em sua luta legítima por seu patrimônio biocultural. Somos membros de uma comunidade internacional independente de cientistas, gestores e profissionais dedicados a compreender as relações florestais e de subsistência humana. Celebramos a democracia brasileira como uma das maiores do mundo e estamos confiantes de que a sociedade brasileira quer defender suas florestas e seus povos. Também reconhecemos claramente dois grandes projetos políticos opostos para a área ambiental no Brasil. Um é representado pelo atual governo nacional que acumulou um histórico vergonhoso de negação da ciência e desmantelamento da proteção ambiental. Por outro lado, há uma ampla aliança democrática que inclui vários ex-ministros do meio ambiente e conta com o apoio da maioria dos setores acadêmico, social e ambiental. Nós, participantes da conferência, apoiamos esta ampla aliança democrática. Manifestamos esperança de que os resultados das próximas eleições sejam respeitados e o Brasil recupere sua posição de liderança no cenário ambiental internacional”.
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