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Artigo da ‘Nature’ aborda danos à ciência e ao meio ambiente na gestão Bolsonaro

Descaso é apontado pela publicação na mesma semana em que o Congresso aprova corte de R$655 milhões para pesquisa científica no país, em pleno período eleitoral

Débora Pinto ·
18 de outubro de 2022 · 2 anos atrás

As últimas semanas têm sido de especial tensão para os cientistas e pesquisadores brasileiros. Em pleno período eleitoral,  a  portaria SETO ME nº 8893, do Ministério da Economia,  publicada no dia 6 de outubro, remaneja um valor  suplementar de R$ 616 milhões do  Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), do Ministério da Ciência e Tecnologia, para o Ministério da Economia, para o Ministério do Desenvolvimento Regional e para o pagamento de encargos financeiros da União – recursos saídos, o que deve impactar diretamente no futuro do país. Além disso, o decreto 11.216 de 30 de setembro de 2022, de acordo com levantamento realizado pela  IFI (Instituição Fiscal  Independente), ligada ao Senado, os cortes no MCTI devem somar o montante de R$1,7 bilhão em 2022.*

Embora a aprovação do PLN 16/21 tenha pego de surpresa o responsável pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, artigo publicado pela renomada revista científica Nature aponta que  o descaso com a ciência e com o meio ambiente é um dos maiores legados do governo de Jair Bolsonaro (PL), e que esse tema  merece ser alvo de atenção do eleitorado, que volta às urnas 30 de outubro.

Esse legado deixado por Bolsonaro – de acordo com uma das revistas científicas mais renomadas do mundo – de um lado provoca danos concretos ao meio ambiente colaborando para o incremento de crises ambientais contemporâneas como as mudanças climáticas enquanto, por outro, inviabiliza através de cortes no campo científico e da educação o avanço de medidas necessárias para a mitigação, controle e criação de soluções alternativas e ambientalmente mais sustentáveis. Um ciclo embora inicialmente parta de decisões políticas, têm implicações diretas para o futuro próximo do Brasil e do planeta. 

O FNDCT foi criado em 31 de julho de 1969, com a finalidade de dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico. Antes do fundo, o financiamento à pesquisa no Brasil era feito individualmente, o que não  era suficiente para a expansão desejada para a área científica e tecnológica na década de 1970. 

Atualmente, destina 68% de sua verba a entidades sem fins lucrativos, como fundações e institutos científicos ligados a universidades. A aprovação do contingenciamento no FNDCT foi realizada após recuo do  governo que, no início do mês, havia anunciado cortes no Ministério da Educação (MEC) da ordem de R$ 2,4 bilhões.

As promessas de campanha de Bolsonaro já eram assustadoras para os cientistas antes de seu primeiro mandato, lembrou a Nature. Dentre elas, estavam retirar o Brasil do acordo climático de Paris, destituir o Ministério do Meio Ambiente e reduzir a extensão de áreas protegidas. 

Embora as duas primeiras ações não tenham sido levadas adiante, o artigo traz a percepção de especialistas que alertam sobre os danos duradouros já provocados a instituições de pesquisa ligadas ao meio ambiente, com destaque para a demissão de Ricardo Galvão, que foi exonerado do comando do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais) em 2019, após  apresentar números que comprovam índices recordes de desmatamento na Amazônia.

A publicação ressalta a tendência de aumento no desmatamento sob Bolsonaro. Dados atualizados publicados por ((o))eco indicam  que em 2022 esses números continuam crescendo e que  o acumulado até o mês de junho já é o maior desde 2015

Bolsonaro, em seu governo, realizou um plano “para desmantelar o Ministério do Meio Ambiente de dentro

Suely Araújo, ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)

Embora não tenha acabado com o Ministério do Meio Ambiente formalmente –  a revista lembra que inicialmente o plano era pulverizar as responsabilidades ligadas à pasta para outros ministérios – especialistas escutados para o artigo afirmam que o desmonte foi realizado, porém, de forma  mais velada.  

Bolsonaro, em seu governo, realizou um plano “para desmantelar o Ministério do Meio Ambiente de dentro”, afirmou Suely Araújo, ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pelo monitoramento das violações da legislação ambiental brasileira à Nature.

Bolsonaro também prometeu em sua campanha acabar com o que chama de “uma indústria” de multas ambientais. O cumprimento da promessa resultou em uma queda de 80% das multas aplicadas pelo IBAMA e um acelerado aumento de crimes ambientais, como o garimpo ilegal, com destaque para os mais de 20 mil garimpeiros hoje presentes na Terra Indígena Yanomami, uma situação que a Nature denomina como uma crise humanitária. De acordo com o que noticiou ((o)) eco, as violações a Terras Indígenas triplicaram sob Bolsonaro.

Ciência em risco

Segundo o artigo da  Nature, o descaso com a ciência  é um modo de operar cotidiano no governo Bolsonaro. O artigo divulga dados fornecidos pela Sociedade Brasileira pelo Avanço da Ciência (SBPC), segundo os quais em 2020 e 2021, o financiamento combinado de bolsas para o CNPq e Capes foi de cerca de 3,5 bilhões de reais por ano, os menores valores desde 2009. As duas agências perderam 45% do orçamento de subvenções durante o governo Bolsonaro (2019-22), em comparação com 2015-18.

Pesquisadores em São Paulo protestam contra os cortes em 2019. Foto: CRIS FAGA/ NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação financia órgãos como o INPE e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que fornece bolsas para pesquisa, equipamentos e materiais. Já o Ministério da Educação é responsável pelo financiamento das  da Fundação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que patrocina a formação de novos pesquisadores.

“Além dos cortes orçamentários, há uma campanha em andamento para tentar minar a moral do ensino superior público, da cultura e da saúde pública”,  afirmou à Nature o presidente da SBPC e ex-ministro da educação Renato Janine Ribeiro.

Alternativa Lula

Em um segundo artigo também do final de setembro, voltado especificamente para a relação entre a ciência e a atual disputa eleitoral para o executivo no Brasil, a Nature avaliou o candidato Luiz Inácio da Silva (PT) como uma alternativa considerada amigável para o avanço das pesquisas científicas no país. 

Os múltiplos cortes orçamentários – a exemplo do ocorrido na última semana –  dificultam o funcionamento dos centros de pesquisa e universidades o que, sublinhou a publicação, está levando jovens a abandonarem a escolha pela ciência ou a deixarem o país, buscando melhores condições de trabalho. Estaria sob a responsabilidade do candidato petista, se eleito, reverter essa lógica de queda de investimentos, iniciada de forma drástica justamente a partir da deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff.

O artigo lembra que o financiamento para ciência e tecnologia mais que triplicou quando o PT estava no comando, chegando a quase R$14 bilhões em 2015 e que, embora Lula nunca tenha feito faculdade, claramente valoriza o ensino superior, já que foi responsável pela expansão do sistema universitário no Brasil.

Dentre os desafios para uma retomada estaria a restauração de instituições de referência atualmente enfraquecidas, como o INPE e as agências de fiscalização ambiental, como o IBAMA e o ICMBio. Outra dificuldade apontada é a reversão nas tendências atuais de desmatamento, que tornou-se  mais disperso do que há uma década e conta com uma rede mais ampla de financiadores do  crime organizado. 

Izabella Teixeira,  que foi ministra do Meio Ambiente do Brasil de 2010 a 2016, assessora a equipe de transição que a campanha de Lula criou para reunir informações sobre o status e a capacidade das agências brasileiras e preparar um plano de ação para os primeiros dias de Lula no cargo caso ele vença. 

A campanha também se prepara, revela o artigo, para enviar representantes à próxima grande cúpula internacional do clima, a COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito.

*Atualizada 21 de outubro, às 19h20

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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