Reportagens

Obra para desafogar trânsito em Belém na COP30 vai rasgar parque municipal

Com 44 hectares, o Parque Ecológico Gunnar Vingren será cortado ao meio para obras de mobilidade. Poderes estadual e municipal não entram em acordo sobre projeto

Karina Pinheiro ·
3 de maio de 2024

As obras de infraestrutura para a COP 30 na cidade de Belém, no Pará, pretendem preparar a cidade-sede para atender a demanda do público em 2025. A destruição parcial do Parque Ecológico Gunnar Vingren visando a ampliação de uma via expressa, no entanto, anda na contramão dos objetivos da Cúpula do Clima e se apresenta como mais uma das contradições na preparação da cidade para o evento.

O projeto foi apresentado durante o lançamento do Anuário do Pará 2023-2024, pela vice-governadora Hana Ghassan (MDB), em fevereiro deste ano, como uma das 7 obras realizadas na capital para o evento. A rua da Marinha será expandida de duas para seis pistas, incluindo uma rotatória, interligando a rodovia Augusto Montenegro à Avenida Centenário. De acordo com a prefeitura, a obra deverá beneficiar 6 bairros de Belém.

A obra de mobilidade preocupa a Associação dos Moradores do Conjunto Médici I e II (Amme), que alegam que o projeto poderá causar grande degradação ambiental, cortando o parque ecológico ao meio.

“O projeto rasga o parque na transversal, cortando ele no meio. E ainda vai acompanhar o canal e, nesse acompanhamento, ele rasga o canal no outro sentido, como se tivesse fazendo um X. A nossa ideia é que possam encontrar outra alternativa, outras ruas que possam ser utilizadas”, disse ao ((o))eco o presidente da Associação de Moradores, Alexandre Bastos.

Com 44 hectares, o Parque Ecológico Gunnar Vingren (PEMB) é uma área verde cedida para a prefeitura de Belém pelos moradores do Conjunto Médici I e II, na década de 70, para transformá-lo em um parque ecológico, o que aconteceu vinte anos depois, em novembro de 1991, pela Lei municipal nº 7.539.

Localizado entre os conjuntos habitacionais Presidente Médici e Bela Vista, também faz divisa entre os bairros de Val-de-Cans e Marambaia, além de abranger o Canal de São Joaquim por toda sua extensão e também o igarapé do Burrinho.

Além do impacto no ecossistema, devido à dimensão das obras, há a possibilidade de desapropriação de pelo menos quatro quarteirões do bairro Bengui, que fica ao lado do parque. A planta de desapropriação da Seop, emitida no dia 10 de março, aponta as casas da rua das Rosas, em Bengui, e 15 pontos de desapropriação no canal Marambaia.

A desapropriação proposta é o dobro do estimado pelo presidente da Amme: “Estamos aqui na comunidade sem saber o que vai acontecer, os órgãos públicos não responderam. Numa eventualidade, a gente é totalmente contra a intervenção do parque, mas em caso de não ter outra saída, a gente precisa trabalhar com compensações para a comunidade local, em um planejamento que precisa ser pensado”, afirmou Bastos.

Planta da obra a ser executada pelo governo do Pará. Imagem: Reprodução / Sedop

Disputa entre prefeitura e estado

A obra, intitulada “Modernização da rua da Marinha”, interliga seis bairros da capital paraense, com uma área de 3,5 km de extensão, ligando a avenida Augusto Montenegro com a avenida Centenário, além da rotatória.

Planta da obra a ser executada pelo governo do Pará (Reprodução / Sedop)

Em novembro de 2023, a Secretaria de Estado de Obras Públicas (Sedop) solicitou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) a emissão de Licença Ambiental Prévia e de Instalação para as obras de urbanização. Na licença consta a desafetação de área para a construção de uma via.

Por meio do ofício nº 1286/2023 – GAB/SEOP, o governo estadual informou que o aumento constante do tráfego de veículos de passeio e carga de pedestres na Região Metropolitana tem causado transtornos no fluxo do trânsito. O documento, no entanto, cita a realização de obras de urbanização no canal São Joaquim, entre a Avenida Júlio César e o prolongamento da Rua da Marinha, em área do Parque, assim como o prolongamento com duplicação da Rua da Marinha, dentro da área pertencente ao Batalhão de Operações Ribeirinhas.

“Ressalta-se ainda que um dos objetivos da criação Parque do ‘Gunnar Vingren’ foi conter o avanço desenfreado populacional, com destaque para as tentativas de invasões do espaço no final da década de 1980 e a preservação dos recursos naturais, incentivando o uso ordenado e adequado daquele espaço protegido, tendo importância fundamental a participação popular nos processos decisórios coletivos, em especial, da Associação dos Moradores do Conjunto Médici, que à época requereu providências junto ao Poder Legislativo municipal, resultando na instituição daquela Unidade de Conservação”, apontou trecho do ofício citado acima.

Mesmo o estado não tendo conseguido licença para realização de obras em seu interior, há uma concorrência eletrônica registrada no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos para a contratação de empresa de engenharia especializada para execução do projeto, solicitada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop), no valor de R$213 milhões. De acordo com a movimentação do último dia 22 de março, a abertura da sessão pública da compra foi prorrogada para o dia 13 de maio, devido a uma medida administrativa.

A reportagem de ((o))eco entrou em contato com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), questionando sobre o impacto da obra no PAMGV. O órgão informou que as obras em vias públicas em Belém são de responsabilidade da prefeitura de Belém.

“Em relação ao projeto de reforma da rua, que prevê cortar o Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) ‘Gunnar Vingren’, de acordo com a Lei Municipal n. 7.539 (19/11/1991), a gestão do parque é realizada pela Prefeitura Municipal de Belém, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA)”.

Em nota, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) de Belém informou que as intervenções no Parque Ambiental Gunnar Vingren, voltadas para a COP 30, incluiriam a sua revitalização completa, a ser realizada pelo Departamento de Projetos e Paisagismo da secretaria, em parceria com a Secretaria de Planejamento e Gestão (Segep) do município. A Semmas, no entanto, não detalhou quais seriam as intervenções.

A reportagem conversou com o ativista ambiental Flávio Trindade, do grupo ativista intitulado Guardiões Amigos de Parques Ecológicos (Gape), uma das principais organizações em busca da defesa do parque ecológico. Trindade informou que fez parte de uma reunião do Conselho Diretor Urbano do município de Belém, no qual há uma promessa do parque ser cercado. A obra, no entanto, deve abranger apenas 35 hectares.

“A prefeitura disse que conseguiu agora dar uma cercada nele, considerando 35 hectares. O prefeito disse que, para a COP, vão cercar (o parque) e as outras lutas continuam. O investimento é de R$ 36 milhões na reforma, essa que é a promessa”, afirmou o ativista

De acordo com Trindade, a ideia de realizar as obras que poderão comprometer o parque é do governo estadual e que a prefeitura de Belém é contra as obras da rua da Marinha. “A prefeitura foi contra, nós concordamos com isso, que não pode passar nenhuma rodovia no meio do parque, não era nem para ter passado a centenária do lado, a prefeitura pelo menos, impediu até agora”.

Tentamos entrar em contato novamente para esclarecer o andamento da obra e sobre essa possível disputa entre prefeitura de Belém e o governo do estado. Conversamos com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que afirmou que a obra é de responsabilidade municipal. Já a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (SeMOB) informou que a obra não é de responsabilidade do órgão, sendo responsável por questões de trânsito apenas. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) de Belém afirmou que encaminharia uma nota detalhando sobre as obras de revitalização do Parque Ecológico Gunnar Vingren, entretanto, até o fechamento desta matéria, a nota não foi enviada à reportagem.

Abandono do parque

Alexandre Trindade, da associação de moradores, informou que o parque está abandonado há anos pelo poder público, desde o fornecimento do terreno ao município, “O município quase não cuidou com o tempo. A gente sempre demandou e a prefeitura não conseguiu reformar, fazer as intervenções que deveriam ser feitas e o parque foi ficando”.

Entrada do Parque Ecológico Gunnar Vingren. Foto: Alexandre Bastos

A associação de moradores realizou em 2021 um documento apontando as principais ocorrências sofridas no PAMGV. Entre os destaques estão invasões, construções irregulares, descarte irregular de resíduos sólidos e entulhos, e retiradas de madeiras, além da alimentação irregular das espécies nativas. Em outubro de 2018, a Associação dos Moradores do Conjunto Médici realizou uma denúncia ao Ministério Público do Estado do Pará sobre o abandono e invasão do parque.

No dia 23 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), através do 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente de Belém, Benedito Wilson Sá, participou de uma inspeção judicial.

Durante o trajeto da inspeção, foi constatado que há trechos visivelmente deteriorados e com a estrutura comprometida, como as edificações existentes no interior do parque, trilhas que não existem mais, árvores que tombaram e as condições precárias do pórtico situado na Avenida Independência. Outros pontos preocupantes levantados foram o acúmulo de lixo e descarte inapropriado de dejetos em vários trechos do parque.

Na visão do Promotor de Justiça atuante no caso, as imagens e constatações realizadas na inspeção judicial confirmam a tese sustentada na petição inicial, sobre a necessidade de medidas administrativas emergenciais voltadas à segurança e à preservação do parque.

  • Karina Pinheiro

    Jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), possui interesse na área científica e ambiental, com experiência na área há mais de 2 anos.

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Comentários 14

  1. Da silva diz:

    A obra deve ser realizada. Vai trazer melhorias e progresso. Foi por estas e outras que a João Paulo II não prosseguiu, assim também a Orla de Belém. As obras devem acontecer.


  2. Vinicius diz:

    Essa obra da cop 39 está destruindo o sonho de muitos moradores do condomínio quartzo condomínio verde.


  3. HUGO SANCHES DA SILVA PICANCO diz:

    Lamentável a postura que está sendo adotada pelo Governo do Estado. O discurso é muito bonito, mas a prática é extremamente contraditória. Caso a intervenção seja uma realidade os danos serão imensuráveis. Várias espécies serão dizimadas, como árvores centenárias, assim como, um vida única nesta área com Macacos, Papagaios, Tucanos e passáros. Realmente é um imenso retrocesso, ainda mais quando agora o RS já nos mostra que essa via de “exploração sustentável” é desastroso. Precisamos preservar porque é uma questão de sobrevivência. Além do mais, o Gunnar Vingren hoje funciona com várias outras funções. Se não fosse o parque, em 2022 tivemos um vendaval no qual o parque protegeu nossas casas de não serem destelhadas. Por outro lado, ele é responsável por menos dois graus de temperatura nessa área o que deve ser mantido. Gostaria de compartilhar umas imagens de vídeos que fiz na área e o que se pretende destruir. Lamentável. Sou morador aqui próximo e iremos resistir até onde for possível e esperamos uma atuação enérgica do órgãos de fiscalização. https://fb.watch/rWrk0JO2eJ/


  4. Rosangela Almeida diz:

    Essa obra vai levar uns 50 anos para ficar pronta ,até lá a COP já acabou, ou vão fazer igual ao viaduto do entroncamento uma vergonha, muito mal feito.


  5. Jean da Silva diz:

    A Obra deve ser feita. Belém precisa de linhas de trânsito modernas e que valorizem a cidade. Nesta mesma concepção a ponte outeiro/mosqueiro deve ser construída para benefício da região.


  6. MARKUS AURELIO FERNANDES DA SILVA diz:

    O BRT já tem 20 anos, kkkkkkk imagina isso ?


  7. Antonio Arcádio diz:

    Nada será feito, a politica atrapalha, aqui no estado do Pará, o BRT não concluíram e atrapalha a população até hoje, na verdade é um caos total, esta obra que estão planejando é faraônica, os governantes não concluíram o BRT e agora querem começar outra em curto espaço de tempo.


  8. Renata diz:

    Claro,isso aí!! Meus parabéns aonpoder público!!! Porque a melhor forma de dar boas vindas pra um evento sobre preservacao da natureza é destruir parte de um parque ecologico que é uma reserva natural pra criar uma rodovia 😒😒😒

    Grande exemplo xD so que nao!!!

    Os de fora nao podem se interessar pela amazonia, mas a gente que é de dentro pode destruir a vontade! Hipocrisia falando alto! Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

    Eles podiam se inspirar em paises afora que hoje em dia conseguem fazer esse tipo de coisa com o minimo de prejuizo!! Ou ta, quer fazer e nao tem outro jeito? Tudo bem! Mas espero que antes eles realoquem as espécies que estão lá pra outro lugar e reservatorio pelo menos, e fiquem de olho se nao vão matar nenhum olho d’agua no processo.


  9. Rosineide Barros Vasconcelos da Silva diz:

    Triste ver como homem com sua ganância por dinheiro destrói o que Deus fez para nós, sou totalmente contra o desmatamento no parque.


  10. Raimundo diz:

    Hipócritas esses ambientalistas . Como em tudo , se for de seu interesse tá certo , a mesma coisa de interesse de outros tá errada .


  11. Haroldo Humberto Lobo Cardoso Neto diz:

    É uma excelente obra que vem para incrementar no desenvolvimento da nossa cidade! 👏👏


  12. ADELINO DA SILVA BARBOSA FILHO diz:

    Esse engenheiro só tem ideias doida , como que pode atravessar o parque ambiental, muita doideira.


  13. ADELINO DA SILVA BARBOSA FILHO diz:

    Os caras vão falar de meio ambiente, e querem executar uma obra doida dessa, e muito sem noção mesmo, e só fazer o contorno no parque simples


  14. Senhorita,

    Não sabe o que seja “ciência”. Sei que é difícil chegar a sua terra, a pé ou motorizado. Entretanto, não confunda o ser manaura com críticas pseudocultas, cafonas, bregas, de um conjunto de termos ambientalistas que têm nenhum significado objetivo. Dizer-se “ambientalista” é ser já alguma coisa, só por isso. Eu ao contrário, que não digo amém, e nem subscrevo nada, senão à verdade, que não adiro, que não janto e nem sou jantado, que não me acocoro e que tenho, pois bem, uma espinha dorsal insubmissa à ginástica das curvaturas ambientalescas, posso julgar da verdade da coisa, que é inexistente. Vá estudar, moleca.