Reportagens

A mancha da morte

Não se sabe a causa do vírus fatal que atingiu 18 fazendas de camarão em Santa Catarina. Apesar de negar o risco de surto, autoridades do setor estão em alerta.

Fabrício Escandiuzzi ·
28 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

A doença da mancha branca, que contaminou 18 fazendas de camarão na região de Laguna, sul de Santa Catarina, acendeu uma luz vermelha no Ministério da Agricultura e alarmou autoridades estaduais, pesquisadores e toda a comunidade que trabalha com o setor. A origem do vírus, letal em 100% dos animais afetados, ainda não foi esclarecida.

No dia 20 de janeiro, chegou aos órgãos de controle de sanidade animal o comunicado sobre a ocorrência da mancha branca em Laguna. Temendo que um surto se espalhasse pelo país, o Ministério da Agricultura proibiu por tempo indeterminado não apenas o comércio de camarões, mas também o de peixes, ostras e mexilhões cultivados em Santa Catarina para outros estados.

A decisão foi considerada precipitada e abusiva por pesquisadores e empresários catarinenses. O estado responde pela produção de 96% das ostras e 92% dos mexilhões no país. No dia 26, integrantes da Secretaria de Agricultura do Estado e técnicos da Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura se reuniram e decidiram liberar o comércio de ostras, mariscos e peixes. Mas mantiveram a venda de camarões para outros estados proibida até que se saiba como o vírus chegou a Laguna. Embora as fontes oficiais descartem o risco de o vírus atingir cultivos no Nordeste, as dúvidas quanto à causa da contaminação estão levando os especialistas a discutir uma maior fiscalização sanitária em todo o país.

A doença ataca o sistema imunológico dos camarões e leva à morte entre cinco e dez dias após a contaminação. As primeiras suspeitas eram de que o crustáceo havia sido infectado por agrotóxicos de lavouras de arroz ao redor da Lagoa Mirim, no município de Imaruí. A hipótese foi levantada pelos próprios criadores, mas perdeu força nos últimos dias. Agora os técnicos analisam a possibilidade de a utilização de ração contaminada ou larvas clandestinas ter espalhado a doença.

É a primeira vez que o vírus da mancha branca é registrado no Brasil. No mundo, por onde passou causou grandes estragos. Ele já foi detectado no Sri Lanka, Taiwan e Equador. Em algumas localidades, dizimou toda a produção.

Edemar Andreatta, coordenador do Laboratório de Camarões Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que fornece larvas aos produtores, explicou que o vírus foi transmitido através do ambiente externo. “Não existe problema de vírus nos tonéis, no material genético de reprodução nem nas larvas”, afirmou. Para ele, a contaminação pode ter ocorrido através de camarão clandestino levado até Laguna. “Algum lastro de navio pode ter trazido este agente contaminante, que muitas vezes está relacionado à falta de cuidados com o manuseio. A proliferação é muito rápida, já que nos viveiros são muitos camarões e, conseqüentemente, menos oxigênio”.

Os criatórios atingidos foram esvaziados, estão passando por desinfecção e entrando no período de vazio sanitário que, segundo os especialistas, deve durar seis meses. “As análises realizadas no entorno desses locais não encontraram sinal de contaminação, o que comprova que o vírus não está se disseminando e não oferece mais riscos”, afirmou Frederico dos Santos, engenheiro de aqüicultura da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) de Santa Catarina. De acordo com a Secretaria Especial de Pesca do Governo Federal, o fato já foi comunicado à Organização Internacional de Epizootias (OIE), que concentra informações sobre sanidade animal.

O Brasil é o sétimo produtor mundial de camarão cultivado em viveiros. Tailândia, China, Indonésia, Vietnã, Índia e Bangladesh são os líderes do setor. O produto brasileiro, entretanto, é o que apresenta maior crescimento. Estima-se que em uma década o país aumente em 18.000% sua participação no cenário mundial. A carcinicultura se concentra principalmente no Nordeste e gerou no ano passado 142 milhões de dólares em exportações. A expectativa da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), com sede em Recife, é de que em 2005 este valor triplique.

Santa Catarina é o único estado fora da região Nordeste que mantém uma fatia considerável do mercado brasileiro, oscilando sua participação entre 3% e 4%. A principal área da carcinicultura no estado é justamente o Complexo Lagunar Sul. Os municípios de Laguna, Imaruí e Jaguaruna são responsáveis por 90% da produção catarinense. Os 18 criatórios infectados representam ou 13% dos 500 hectares cultivados no estado.

A mancha branca não causa nenhum tipo de dano à saúde humana, mas a falta de informações acabou assustando a população de Santa Catarina, que deixou de comprar camarão nas peixarias e mercado público. Agnaldo Forrer, proprietário de uma peixaria em Florianópolis, afirmou que suas vendas despencaram mais de 50% após o anúncio da mancha branca. “Depois que anunciaram esse vírus, não vendi quase nada”, diz Forrer.

De acordo com pesquisa de mercado realizada por alunos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 75% do camarão consumido nos restaurantes em Florianópolis e 62,5% do que é vendido nas peixarias são originários da atividade de cultivo.

Frederico Brandini, colunista do O Eco e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que camarões criados em cativeiro estão mais sujeitos a doenças. “O cultivo intensivo do camarão, que se alastrou pelo país, traz esse risco. Quando se concentra qualquer espécie de animal para criar, do ponto de vista ecológico elimina-se quem elimina o vírus. Os animais ficam mais suscetíveis a doenças”, explica Brandini.

* Fabrício Escandiuzzi é jornalista e bacharel em direito. Colabora com as revistas Época e Criativa.

Colaborou Ana Antunes.

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