Reportagens

Pedra no sapato

Coluna de O Eco reacende uma polêmica entre escaladores. A retirada de uma rocha da via leste do Pão de Açúcar (RJ) em 2003 chega agora ao Ministério Público.

Andreia Fanzeres ·
1 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Um rebuliço foi formado em torno da montanha mais famosa do Rio de Janeiro. Graças a uma coluna de Eduardo Pegurier em janeiro, a seção Seu Eco virou palco de uma briga que estava quase esquecida: a retirada de uma rocha no início do trecho de escalada do costão do Pão de Açúcar. Depois da intervenção, em dezembro de 2003, a única via de acesso de turistas até o alto dos 396 metros ficou mais difícil. Por causa disso, a história acaba de chegar ao Ministério Público (MP).

Cercada de polêmicas, a retirada do totem (no jargão montanhista, pedaço de rocha) apresenta pelo menos um ponto pacífico: um escalador resolveu fazer o serviço por conta própria, sem avisar a quem tem a jurisdição sobre o local – o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por se tratar de uma montanha tombada, e o Comando Militar do Leste (CML), já que a área pertence ao Exército.

A partir daí, começam as divergências. Segundo o engenheiro ambiental Pedro Paulo de Lima-e-Silva, que encaminhou no dia 30 de março ao MP um dossiê sobre o caso, a ação do escalador foi um crime ambiental e abre portas para que outras pessoas interfiram nas montanhas como e quando quiserem. “Eu gostaria que as pessoas conhecessem as leis para saberem que podem estar cometendo infrações contra a natureza e contra o patrimônio ao mexerem nas montanhas deliberadamente”, argumenta o engenheiro.

Fora ele, ninguém deu muita bola à retirada da rocha de 162 quilos que era usada como apoio para as pessoas subirem o Pão de Açúcar com mais facilidade. Na época, a GeoRio – fundação da prefeitura que alerta sobre deslizamentos na cidade – emitiu um laudo técnico atestando que o totem estava realmente solto, apesar de não correr risco iminente de queda. O laudo foi pedido pela Federação de Esportes de Montanha do Rio de Janeiro (Femerj), preocupada em garantir a segurança dos aventureiros no local. A GeoRio informou também que o melhor a ser feito era interditar aquele trecho da montanha, já que não se sabia quando o totem poderia rolar. A Femerj seguiu essa orientação, pediu para seus associados evitarem o percurso e instalou placas alertando para os riscos da via. Numa área tão freqüentada e sem um serviço de controle das pessoas que sobem o Pão de Açúcar, as placas não duraram muito. Dias depois, já estavam no chão. Depois de alguns meses, um escalador resolveu se livrar pessoalmente do problema.

O engenheiro ambiental enxerga na retirada da pedra uma manobra movida por preconceito. Seria a intenção de alguns escaladores elitizar as montanhas da cidade e restringir o acesso do público a alguns dos caminhos mais bonitos do Rio. Por outro lado, a Femerj alega que o excesso de pessoas que passam despreocupadamente pelas trilhas e vias de escalada tem provocado desgaste no solo, além de ameaçar muitas espécies da Mata Atlântica. Alguns escaladores inclusive atribuem ao intenso pisoteio a causa da fragilidade do totem da discórdia.

Os clubes de montanhismo e a Femerj costumam organizar voluntariamente passeios ecológicos com atividades de reflorestamento, demarcação de trilhas, fechamento de atalhos e consertos em grampos e cabos de aço, por exemplo. Tudo para tentar manter o acesso do público a regiões conservadas. Mas por se tratar de um local tão visado, não é de surpreender que, mais cedo ou mais tarde, alguém decidisse agir por conta própria. O totem rolou montanha abaixo com a ajuda de um pé de cabra e agora, para completar a via, é preciso ter algum conhecimento de montanhismo.

O acesso ao cume do Pão de Açúcar é dividido em quatro partes: a primeira é uma caminhada por vegetação baixa, de nível fácil. Depois vem um trecho conhecido informalmente como “escalaminhada” (escalada + caminhada), que, apesar de não requisitar equipamentos, expõe o trilheiro a um precipício e pode provocar medo nos escaladores de primeira viagem. Em seguida, o aventureiro encontra uma parede de pouco menos de 20 metros (a escalada propriamente dita, também conhecida como trepa pedra). Ao superá-la, a caminhada continua pela mata até o topo da montanha. Com o totem, era possível passar pela área de escalada sem equipamentos, ainda que isso fosse bastante imprudente. Depois de retirada a rocha, o risco aumentou. Alguns montanhistas consideram que a via passou de primeiro para segundo grau superior.

Por se tratar de uma via de escalada, o caminho da subida deveria ser o mesmo da descida, realizada costumeiramente com técnicas de rapel. No entanto, no Pão de Açúcar a conversa é outra. Quem chega até o alto da montanha “a pé” desce de graça pelo bondinho, o que, de certo modo, incentivava a subida sem a preparação necessária de uma escalada. Com a intenção de esclarecer o público de que o costão não é uma simples trilha, a Femerj pediu o fim da gratuidade do transporte junto à companhia responsável pelo bondinho, mas não foi atendida. Pedro Paulo de Lima-e-Silva afirma já terem acontecido pelo menos três acidentes depois da retirada do totem.

Para o presidente da Femerj, os problemas ambientais no Pão de Açúcar seriam resolvidos se o local virasse unidade de conservação, como um Parque Municipal. “Não há uma gerência que se preocupe com o lado ambiental hoje. O Iphan é um órgão consultivo apenas”, diz Bernardo Arantes. Outro objetivo da Femerj é diminuir o número de escaladores despreparados, que sobem em qualquer lugar sem conhecimento dos riscos e dos impactos ambientais. “Existem cursos homologados, estamos fortalecendo os clubes de montanhismo, queremos que os escaladores tenham capacidade técnica e principalmente consciência”, explica Arantes. Pelo menos sobre isso todos concordam.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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