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Bolsonaro deixa aumento de 60% no desmatamento e perda de 18 bi em multas, indica relatório

O documento será utilizado como referência pelo novo presidente eleito e apresenta os principais desafios para a reconstrução da política ambiental brasileira em 2023

Débora Pinto ·
22 de dezembro de 2022 · 2 anos atrás

A equipe de transição de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou nesta quinta-feira (22), o relatório final com diagnósticos e propostas a serem implementadas pelo novo governo a partir de 1 de janeiro de 2023. 

Os pontos relativos ao Meio Ambiente se concentraram em um ítem específico, como resultado do trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho (GT), mas também

 puderam ser verificados de forma transversal, em diagnósticos referentes a outras pastas, como Cidades, Direitos Humanos, Igualdade Racial, Justiça e Minas e Energia. Abaixo seguem os pontos mais relevantes do relatório reunidos por ((o))eco.

Ações para o Meio Ambiente

O relatório apresentou os resultados do que denominou como uma intimidação inédita  chamada de intimidação às instituições federais de conservação ambiental e uso sustentável de recursos ecológicos. 

De acordo com o texto, o governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental.

Como consequência, as taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado atingiram picos nunca vistos há 15 anos. Houve aumento de 60% do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro, a maior alta percentual que já ocorreu em um mandato presidencial, desde o início das medições por satélite, em 1988.

Técnica de correntão em desmatamento ilegal. Foto: André Dib/WWF-Brasil.

O documento também citou a descredibilização do Brasil em relação à comunidade internacional e o abandono às populações tradicionais, que não foram reconhecidas pelo trabalho que prestam para a preservação dos biomas brasileiros ou para a atração de financiamentos e doações internacionais com foco em sustentabilidade ambiental e social.

O desmonte das políticas ambientais foi demonstrado também na escassez de recursos para o setor, na falta de pessoal e de gestão competente da área. Dos R$ 4,6 trilhões de despesas previstas no orçamento de 2022, menos de R$ 3 bilhões foram utilizados para políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de instituições vinculadas à pasta. 

O Fundo Amazônia conta hoje com mais de R$ 3,3 bilhões paralisados, conforme alerta do STF e de relatórios da sociedade civil. O quadro de servidores do IBAMA, ICMBio, SFB e MMA encontra-se com 2.103 cargos existentes vagos. Enquanto o IBAMA tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental em 2008, agora são apenas cerca de 700, nem todos em campo. A equipe de transição para o Meio Ambiente já havia divulgado, em entrevista coletiva, o buraco orçamentário para a continuação do trabalho do IBAMA.

O relatório indicou ainda que apenas 0,4% do Cadastro Ambiental Rural foi validado, o que compromete a implementação do Código Florestal. Além disso, o CAR não registra informações essenciais sobre a situação ambiental das propriedades, conforme alertado pelo TCU. Para completar, o sistema de lavratura de autos eletrônicos foi desmontado e os processos tramitando em papel.

A criação de Unidades de Conservação foi paralisada no nível federal e os anúncios do governo de retificação, cancelamento e mudança de categoria das UCs já existentes incentivaram a invasão e a destruição de muitas delas. 

Por fim, o relatório indicou a transição para a economia de baixo carbono como uma vantagem competitiva para o país, que tem condições de gerar negócios, produtos e serviços com menores emissões de carbono, além de oferecer soluções para as necessidades de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Como  maior desafio, a  reconstrução do desmonte das instituições e a volta do Brasil ao protagonismo internacional na área ambiental.

Como vem sendo constantemente citado por Marina Silva, uma das líderes da equipe de transição e nome forte para assumir o Ministério do Meio Ambiente (MMA), uma das principais intenções do novo governo eleito é fazer com que a pauta ambiental também dialogue com outras pastas, sendo compreendida e sua amplitude e complexidade, uma abordagem que, segundo Marina, tem a importante marca da transversalidade. 

Assim, fatores caros às questões ambientais como as mitigações aos efeitos das mudanças climáticas, o processo de descarbonização e o avanço das políticas para a preservação de territórios indígenas e quilombolas fazem parte das prioridades de diagnóstico e proposição também de outros GTs. 

Principais pontos de transversalidade

 Cidades – Diante do claro desmonte das políticas públicas até então conduzidas pelo Ministério das Cidades, o novo governo se vê diante da necessidade de redesenhar e retomar os programas considerados necessários à reconstrução da política habitacional do País, tendo como diretriz a redução das desigualdades urbanas e a promoção da transição ecológica nas cidades. 

Direitos Humanos – O relatório apontou a desarticulação do esforço intersetorial da Agenda Social Quilombola e enfraquecimento das ações componentes da Agenda, resumindo-se o Programa Brasil Quilombola a ações pontuais e assistencialistas, em descumprimento  das determinações judiciais da ADPF 742 (Quilombolas e pandemia); | paralisação dos esforços de regularização fundiária de territórios quilombolas, com falta de recursos, falta de pessoal e paralisia decisória no INCRA.

Igualdade Racial – O documento indica a retomada da defesa dos direitos e dos territórios das comunidades quilombolas e sugere a edição de despacho do Presidente da República que oriente o INCRA e a Fundação Palmares a revisar os seguintes atos normativos:

  • Resolução INCRA nº 29/2020, que paralisou a política pública de demarcação de territórios quilombolas e criou um ambiente de perseguição de servidores públicos que atuam nessa área; 
  • Portaria Fundação Cultural Palmares  n. 57/2022, que burocratizou o procedimento de reconhecimento de comunidades quilombolas, sem qualquer escuta dos impactados. 
Zélia Morato Pupo dos Santos, do quilombo André Lopes. Foto: Bianca Tozato / ISA

Agricultura – o texto considerou a necessidade de fortalecimento da participação social nos conselhos e estruturas do MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento), especialmente no que diz respeito às chamadas políticas transversais, como o combate ao desmatamento ilegal, a segurança hídrica e a governança fundiária.  

Justiça – Segundo o relatório, as organizações criminosas tiveram um grande crescimento, particularmente na região Amazônica e nas áreas de fronteira, com a explosão de crimes como a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal. O texto cita os dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, que indicaram mais de 10 mil km² de floresta derrubada somente em 2022. O mandato de Bolsonaro terminará com um inaceitável aumento de 59,5% da taxa de desmatamento na Amazônia em relação aos 4 anos anteriores.

Orçamento e revogações

O documento cita que a PEC 32/2022 e os valores adicionais alocados na lei orçamentária anual, nos termos demandados pela transição, permitem a recomposição de orçamentos para programas essenciais. O valor específico solicitado para  para a pasta de Meio Ambiente dentro desta estrutura orçamentária é de R$ 536 milhões.

Atos normativos que foram considerados de extrema gravidade e que geraram uma situação descrita como “estado de coisas inconstitucional” em julgamento do Supremo Tribunal Federal, conforme o voto da Relatora Ministra Cármen Lúcia na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 760 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 54 são, esclarece o documento, passíveis de revogação.

O Pacote Verde, analisado pelo STF, é formado por sete processos judiciais em que são analisados atos do governo Bolsonaro que levaram à atuação estatal deficiente, à desestruturação da legislação ambiental brasileira, ao enfraquecimento da fiscalização e do combate a crimes ambientais e crimes relacionados aos povos indígenas, à desproteção do meio ambiente como um todo e, em especial, do bioma da Amazônia.

Ações para retomada do controle ambiental

Controlar o desmatamento –  Proposta de revogação dos Decretos que abriram espaço para um processo acelerado de desmatamento ilegal nos diversos biomas brasileiros, inclusive desmanchando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM). O PPCDAM foi historicamente um dos principais instrumentos capazes de controlar o desmatamento, contribuindo para a redução de emissão de gás. (Decreto nº 10.142/2019, Decreto nº 10.239/2019 e Decreto nº 10.845/2021). 

Acabar com a impunidade quanto às multas ambientais – Proposta de revogação de Decretos que anularam multas ambientais, paralisaram o sistema de fiscalização ambiental e criaram um ambiente de perseguição aos fiscais. A perda é de mais de R$ 18 bilhões para os cofres públicos, conforme questionamento feito pelo STF na ADPF 775. A proposta é de revogação integral do Decreto nº 9.760/2019 e de parte do Decreto nº 10.086/2022. 

Reverter a autorização para o garimpo ilegal na Amazônia – Proposta de revogação total do Decreto nº 10.966/2022, que liberou o garimpo ilegal na Amazônia a partir de uma regulamentação indevida do que foi chamado de “garimpo artesanal”. 

Desmatamento proveniente de garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, no Pará, que está entre as dez mais desmatadas segundo lista divulgada pelo Imazon. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.

Retomar o Fundo Amazônia – Proposta de revogação parcial dos Decretos nº 10.223/2020 e nº 10.144/2019, nos pontos em que inviabilizaram a governança do Fundo Amazônia, instrumento de extrema relevância para o controle do desmatamento e o fomento a atividades produtivas sustentáveis no bioma. Com isso, há mais de R$ 3 bilhões parados no Fundo, que agora poderão ser utilizados. A urgência disso decorre inclusive de decisão recente do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59. 

Quanto à estruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), sugere-se que o Presidente da República edite um despacho em que orienta o Ministério do Meio Ambiente a proceder imediatamente à revisão do teor do Decreto nº 11.018/2022, para eliminar os retrocessos realizados na estrutura e no funcionamento do Conselho. A medida é essencial para o cumprimento de decisão do STF na ADPF 623, devendo ser elaborada uma nova regulamentação, a partir de amplo diálogo com a sociedade.

Por fim, é apresentada a estrutura completa dos novos ministérios, que tem a intenção de criar um Estado Nacional Contemporâneo. Nesta estrutura, o Ministério do Meio Ambiente faz parte de um conjunto ministerial denominado  Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática, juntamente com pastas como Ministério da Economia, Ministério dos Transportes, Ministério de Portos e Aeroportos, Ministério de Minas e Energia, Ministério das Comunicaçõe, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, Ministério do Turismo, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Pesca e Aquicultura Defesa da Democracia e Reconstrução do Estado e da Soberania. No total, o novo governo contará com 37 pastas em sua estrutura ministerial.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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Comentários 1

  1. Romualdo diz:

    Espero que não fique só na promessa, já cansei de ver empresários comprometidos com o meio ambiente e lá na frente fazendo negócios com fornecedores que estão destruindo a natureza. Se for sério mesmo, tomara que seja estendido para outro biomas brasileiros.