Todo mundo riu, na produtora onde trabalho, quando me ouviu dizer ao telefone: “Quero conhecer esse tomate!”. Parecia piada, mas era o início de uma investigação que duraria três meses.
No outro lado da linha estava o taxista Nilton da Mota, que há meses vivia intrigado com dois tomates comprados num supermercado de Vitória (ES). Eles nunca amadureciam. Sua intenção era fazer uma moqueca, que precisa de frutos bem maduros, mas como “tomate vermelho geralmente está amassado, feio”, lembra o Nilton, preferiu comprá-los no estágio de vez, amarelados, e esperar a maturação em casa.
Os dias foram passando, semanas, meses… e nada. Os dois tomates continuavam do mesmo jeito, em cima da geladeira, amarelinhos, amarelinhos. O que estava acontecendo, ele não tinha idéia. Por precaução, manteve os dois lá, intocados. Até que um dia sua empregada, sem saber do estranho fenômeno, cortou um dos frutos para uma salada. Mesa posta para o almoço e o Nilton se deu conta de que o tomate cortado à sua frente era o dito. “Joguei fora na hora”, conta. E o mistério permanecia, agora com apenas um sobrevivente.
A compra foi feita por volta do dia 20 de fevereiro. Mais de quatro meses depois, o obstinado taxista recebeu como passageiro meu colega de trabalho Serafini, e lhe contou o caso na esperança de gerar uma reportagem. Conhecendo minha afinidade com pautas ambientais, Serafini decidiu passar a bola, quer dizer, o cartão do taxista, para mim. Na manhã seguinte, dia 7 de julho, me era confiada a posse provisória do tomate e a missão de desvendar o mistério.
A hipótese
O dr. Aires Ventura foi o primeiro especialista a lançar olhos sobre o tomate. Ele é pesquisador em fitopatologia do Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), e depois de uma olhada detalhada com lupa e uma raspadinha na casca, sentenciou: “Tudo indica que é resíduo de agrotóxico em excesso. Mas só um exame em laboratório pode nos dar uma resposta definitiva”.
Antes de tomar qualquer providência, porém, decidimos aguardar algumas semanas, acompanhando, nós mesmos, a evolução do tomate. Durante 32 dias, mantive-o comigo, registrando em vídeo seu estado geral. Nos últimos dias, para assegurar sua integridade diante de algumas mudanças na produtora, resolvi trancar o coitado num armário. Não sei se a clausura foi a responsável, mas o fato é que ele passou a apresentar sinais de desidratação e apodrecimento, mas sem perder a cor amarelada. Ou seja: apodrecia sem amadurecer.
Dr. Aires chamou atenção para a possibilidade, pequena, de se tratar de um tomate longa-vida, espécie criada artificialmente através de uma manipulação genética que visa “silenciar” o gene acc-sintase, impedindo assim a produção de etileno – substância presente em todos os frutos, responsável pelo amadurecimento. Os longa-vida são indicados para longos deslocamentos, principalmente em navios. “São muito raros no Espírito Santo”, esclarece o pesquisador. “Há agrotóxicos que igualmente inibem a produção de etileno e são muito comuns nas lavouras capixabas. É o mais provável”.
Além da ausência de maturação, outro forte indício de contaminação era a presença de um ferimento cicatrizado na parte superior do fruto. Cicatrizações assim só acontecem em duas situações: se há agrotóxicos que impedem a sobrevivência de bactérias e outros microorganismos infecciosos ou se, simplesmente, esses agentes não estão presentes no ambiente onde está o fruto. Novamente, considerando o padrão de produção de tomates no Estado e no país, a presença de agrotóxicos em excesso era a causa mais provável da cicatrização. Pré-diagnóstico feito, tratamos de providenciar o teste de laboratório.
Os testes
Tínhamos duas alternativas: fazer gratuitamente um teste de bioautografia no próprio Incaper ou pagar por um exame multiresidual. No primeiro, seriam inoculados fungos na massa do tomate. Se eles não proliferassem, estaria provada a contaminação. A segunda opção verifica a presença de resíduos de 70 princípios ativos, mas demanda um investimento em laboratório particular.
Importante ressaltar que um único tomateiro pode receber até dez tipos diferentes de agrotóxicos, entre protetores e sistêmicos. Os protetores são aplicados externamente, antes ou depois da colheita, e saem com uma boa lavagem. Os sistêmicos, não: são aplicados durante a germinação, entram para o sistema vascular da planta e contaminam o tomate por dentro.
Considerando as demais culturas produzidas no Brasil, o leque de opções de veneno se amplia assustadoramente. O site do Ministério da Agricultura exibe registros de mais de 20 princípios ativos, presentes em cerca de 250 produtos de diferentes marcas. O Brasil é o quarto maior consumidor mundial de agrotóxicos, atrás apenas de Estados Unidos, França e Japão. Em 2004, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), consumimos US$ 4,2 bilhões em agrotóxicos. Nove estados concentram 70% desse total: Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. O consumo é tamanho que as despesas com defensivos agrícolas chegam a representar 40% do custo da produção, segundo a Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (AENDA).
Dispostos a saber tudo sobre o tomate parado no tempo, optamos por um exame no laboratório privado Quimiplan. O resultado foi uma decepção: por se tratar de um único fruto, não foi possível chegar a conclusão alguma. Mas àquela altura, não era possível desistir. Compramos um quilo de tomate no mesmo supermercado e o submetemos à mesma análise.
O veredicto
Dias depois, vieram as primeiras respostas. Detectou-se presença maior de um ativo do grupo dos Ditiocarbamatos, presente em fungicidas largamente utilizados no Estado, após a colheita. As suspeitas sobre seu potencial cancerígeno são tão fortes que eles são proibidos na Europa.
Enquanto os outros ativos apresentaram índices entre 0,01 e 0,05 miligramas por quilo (mg/kg), o ditiocarbamato ficou em 0,63. Comparativamente mais alto, mas ainda bem abaixo do máximo permitido, que é de 2 mg/kg.
Seria então nosso tomate uma aberração entre seus pares? Os dados do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (IDAF) do estado reforçam esta possibilidade. Responsável pela fiscalização “antes da porteira”, quando o produto ainda é classificado como agrícola, o IDAF analisa mensalmente a presença de 90 princípios ativos em 14 tipos de cultivo. A prioridade são aqueles com maior incidência de agrotóxicos, como cenoura, pimentão e tomate. Entre 2003 e 2004, os tomates passaram no teste: o índice de contaminação foi de apenas 3,6% das amostras, enquanto o índice médio das culturas analisadas é de 8%.
Mas o alívio durou pouco. Os números da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são totalmente discrepantes. A Anvisa analisa os produtos “alimentícios”, ou seja, “depois da porteira”. Neles, o índice de contaminação do tomate, entre março e dezembro de 2004, foi de 44% das amostras coletadas em supermercados do Espírito Santo.
Em todo o Brasil, o tomate também é o vilão do momento. Das 4001 análises da Anvisa em 13 estados entre 2001 e 2004, metade (2032) foi considerada “insatisfatória”. Além do tomate, é crescente a incidência de reprovações da alface, da cenoura e da laranja.
No rastro da horta
Ruth Pimentel, coordenadora estadual de amostragem do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa, aposta no poder de pressão da população. “O morango já foi o vilão”, lembra, citando o escândalo envolvendo morangos contaminados em 2003, que motivou uma ação radical da Secretaria Estadual de Agricultura e do Incaper, resultando na total rastreabilidade do produto. Hoje, o fruto é vendido em embalagens rotuladas com o número do agricultor responsável. É possível ir à propriedade, conversar com ele e acompanhar a forma de produção. Um sonho!
Enquanto isso não acontece com os tomates, todo cuidado é pouco para não trocar comida por veneno. A dra. Sony Itho, coordenadora do Centro de Atendimento Toxicológico da Secretaria Estadual de Saúde (Toxicen), dá quatro dicas para evitar agrotóxicos ou minimizar seus danos.
A primeira é variar o cardápio, para não acumular ativos químicos no organismo. Cada grupo químico prejudica determinados órgãos e funções. “Rins, fígado, olhos, coração, fertilidade, questões neurológicas, comportamentais …”, enumera Sony. A segunda é evitar produtos muito perfeitos, grandes e bonitos demais. Frutos menores, meio tortinhos ou com algum ferimento indicam uso menor de agrotóxicos.
A terceira, lavar bem os alimentos em água corrente. E a quarta, tentar estabelecer uma relação de confiança com o fornecedor. Coisa difícil nesses tempos em que a gente mal conhece o vizinho de porta. “Se o supermercado não souber a origem de determinado produto, vai ter de buscar a informação com o seu fornecedor. O consumidor tem todo o direito de reclamar”, encoraja Ruth Pimental, da Anvisa. Mas o ideal, lembra a dra. Sony Itho, é optar pelos orgânicos.
Foi o que fez nosso taxista Nilton. “Nossa família parou de comer tomate sem ser orgânico. São mais saudáveis e o preço costuma ser equivalente aos produtos tradicionais”. Ainda por cima amadurecem, como deve ser.
* Fernanda Couzemenco é jornalista do Espírito Santo. Na revista Século, conquistou em 2003 o primeiro lugar no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica. Produz o quadro Movimento Sustentável, na TV Gazeta/Rede Globo, onde ganhou menção honrosa do mesmo prêmio em 2005.
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Boa tarde. Meu nome é Mauro. Li a reportagem do tomate que não amadurecem e não me conveci. Tenho um pé desse tomate em casa e não uso agrotoxico nenhum apenas lixo organico. Esta cheio desse tomate e não para de produzir. Não sei o que fazer.