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Apib critica PGR por aceitar condição de observador em discussões sobre Marco Temporal

Para organização indígena, o procurador-geral Paulo Gonet “se omitiu”, agindo com “descaso com os direitos dos povos indígenas”; comissão foi instituída no STF pelo ministro Gilmar Mendes

Gabriel Tussini ·
30 de julho de 2024

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) criticou, em postagem na rede social X (antigo Twitter) nesta segunda (29), a atuação do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, nas ações que decidirão a legalidade da lei do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes, relator de 5 ações sobre o tema, determinou a criação de uma Comissão Especial, que fará a mediação entre as diferentes partes dos processos. A PGR foi designada apenas como observadora, o que não foi contestado pelo órgão.

Para a organização indígena, Gonet deveria ter recorrido contra a decisão, pedindo para que a PGR fosse admitida como membro pleno do colegiado. O procurador, de acordo com a Apib, se “omitiu”, rompendo “com uma tradição institucional de defesa dos direitos indígenas prevista na Constituição Federal”. “O comportamento da PGR demonstra um claro descaso com os direitos dos povos indígenas e com a Constituição Federal”, criticou.

A Comissão Especial funcionará no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, todas com relatoria de Gilmar Mendes. O órgão começará sua atuação na próxima segunda-feira (5), às 14h, e tem duração prevista até o dia 18 de dezembro deste ano.

Em sua manifestação, o procurador-geral afirmou que “em prestígio às medidas empreendidas” pelo relator “visando à solução consensual da controvérsia”, iria opinar sobre o mérito do tema, ou seja, o Marco Temporal, apenas “após a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial”. Gonet indicou como observadora da PGR na comissão a procuradora Nathalia Geraldo Di Santo, coordenadora da assessoria jurídica cível de seu gabinete.

Para a próxima segunda-feira, dia do início dos trabalhos da comissão – organizada “sem nenhum diálogo com o movimento indígena”, segundo a Apib – a organização indígena anunciou uma mobilização contra o Marco Temporal. “Vamos ocupar as ruas e demarcar as redes. Seja nos territórios, em Brasília ou nas redes sociais, vamos ecoar nossas vozes e nossos maracás contra o Marco Temporal e por um futuro indígena!”, diz a convocação.

“Em pleno século XXI nós estamos vendo o Estado brasileiro negar, mais uma vez, o nosso direito através de um ministro, Gilmar Mendes, um juiz que se demonstra totalmente anti-indígena, procurando desfazer aquilo que construímos ao longo dos anos: garantir o nosso direito”, criticou Alberto Terena, coordenador-executivo da Apib, em vídeo sobre a mobilização.

Funcionamento da Comissão Especial

De acordo com a decisão do ministro, do dia 27 de junho, o colegiado será composto por 24 membros plenos, sendo 6 representantes indicados pelo Legislativo (divididos entre Câmara e Senado), 4 da União (Advocacia-Geral da União, Funai e ministérios da Justiça e Povos Indígenas), 2 pelos estados (Fórum de Governadores e Colégio Nacional de Procuradores de Estado), 1 pelos municípios (escolha conjunta da Confederação Nacional dos Municípios e da Frente Nacional de Prefeitos), 6 pela Apib (um representante institucional e um representando cada região) e mais 5 indicados pelos proponentes de cada uma das ações.

Além deles, os observadores da comissão serão indicados pela PGR, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por cada um dos 18 amici curiae – figura jurídica que participa das ações para fornecer informações e subsídios para o julgamento, como organizações de direitos humanos, indigenistas ou ligadas ao agronegócio –, além da possibilidade de indicação da Presidência da República e do Ministério da Defesa, caso queiram.

Segundo a decisão de Gilmar Mendes, os trabalhos da comissão terão 3 etapas: a primeira tratará das regras, limites e do papel de cada parte no processo de mediação, “além do registro sobre o teor dos debates, os quais serão eminentemente jurídicos, deixando os debates políticos para o campo do Poder Legislativo”. 

A segunda etapa fará um “aprofundamento” de textos jurídicos sobre o tema, especificamente os debates da Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – que trata de direitos de povos indígenas – e as jurisprudências da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do próprio STF, incluindo o Tema 1031, de repercussão geral, que declarou inconstitucional a tese do Marco Temporal.

A terceira e última etapa será reservada para debates e propostas de alteração da lei 14.701/23 – a que tenta instituir a tese e é contestada nas ações –, de acordo com o texto do artigo 231 da Constituição, que trata da demarcação de terras indígenas, do Tema 1031 e de outras jurisprudências e temas que surjam nos debates. 

Entre os objetivos dos debates, segundo Mendes, estão a apresentação de “propostas de solução para o impasse político-jurídico” e “aperfeiçoamentos legislativos para a Lei 14.701/2023, sem prejuízo de outras medidas legislativas que se fizerem necessárias, voltados à superação do impasse e novo diálogo institucional”.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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