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Debatedores frisam necessidade de integração entre gestão de resíduos sólidos e saneamento

Discussão foi parte da segunda live organizada por ((o))eco e Vote pelo Clima sobre políticas municipais e mudanças climáticas; transmissões continuam na semana que vem

Gabriel Tussini ·
26 de setembro de 2024

Aconteceu, na noite desta quarta-feira (25), a segunda live da série sobre política municipal e mudanças climáticas, produzida por ((o))eco em parceria com o Vote pelo Clima. Desta vez, a transmissão debateu o tema da gestão de resíduos e saneamento. A repórter Cristiane Prizibisczki recebeu Ligia da Paz, engenheira sanitarista e ambiental e diretora administrativa da ONG Mandí, e Daniel Alves, biólogo urbanista e especialista em gestão de resíduos. A conversa contou ainda com comentários de Raquel Ribeiro, do NOSSAS.

A primeira da sequência de quatro lives aconteceu na segunda-feira, com o tema Mobilidade urbana. As próximas transmissões serão na semana que vem, segunda (30) e quarta-feira (2), sempre às 19h, para falar sobre Qualidade do ar e saúde e Desastres ambientais e adaptação climática. As transmissões são feitas pelo canal de ((o))eco no Youtube, onde elas ficarão gravadas e disponíveis.

A série tem a finalidade de reunir especialistas para discutir o que o poder público municipal pode fazer para considerar os efeitos das mudanças climáticas em temas-chave para a vida nas cidades. O Vote pelo Clima, parceiro na organização das lives, é uma iniciativa promovida pelo Instituto Clima de Eleição e pelo NOSSAS para conectar eleitores a candidaturas comprometidas com a pauta climática em todo o Brasil.

Gestão de resíduos

Daniel Alves, que tem experiência trabalhando em órgãos públicos – como a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB) – e eventos – como os Jogos Olímpicos de 2016 – no Rio de Janeiro, frisa que a cidade ainda está atrasada na inclusão dos catadores nas políticas públicas de gestão de resíduos, e que essa parceria começou apenas recentemente em grandes eventos externos na cidade.

Ligia da Paz, por sua vez, destacou os papéis de cada ente federativo na gestão de resíduos sólidos, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Foco da discussão, “os municípios são responsáveis diretos pela coleta, disposição e destinação final dos resíduos, domiciliares ou comerciais”, afirmou. “Só que a gente sabe que a realidade das cidades brasileiras é muito desafiadora ainda. Temos falta de estrutura, falta de recurso financeiro”, lembrou, citando também as desigualdades regionais. 

Lígia da Paz apresenta quadro com detalhamento dos papéis de cada ente federativo na gestão dos resíduos sólidos. Crédito: Reprodução.

Ela destacou ainda a atribuição de criar os Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos, “um dos carros-chefe da gestão municipal”, como definiu a especialista. “É ele que vai garantir que os municípios acessem os recursos federais para fazer a gestão desses resíduos”, explicou. “Nessas eleições é muito importante a gente olhar para as nossas cidades, os desafios, as possibilidades, e  quem é que está propondo essas soluções, quem é que está propondo essas ações, olhando para as problemáticas das cidades”, citando iniciativas como a coleta seletiva e programas de educação ambiental.

Ligia apresentou, ainda, dados que demonstram como “o Brasil, de uma maneira geral, ainda está longe da universalização do saneamento” – lembrando da meta de erradicação dos lixões até 2024, do que ainda “estamos longe”, afirmou. As estatísticas mostram que, das 81,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos produzidos nas áreas urbanas do país em 2022, 40% foi depositado em “lixões, clandestinos, rios e outros locais sem controle”, e que o número de lixões, ao invés de diminuir, aumentou 21,1% desde 2014.

Enquanto isso, a média de lixo produzido por cada brasileiro chegou a 381 kg por ano, e 63,5% dos municípios não têm aterro sanitário. “A gente vê que é concentrado, a maioria dos municípios que estão em uma situação inadequada [quanto à disposição final] estão na região Norte-Nordeste, e a maioria que estão numa situação adequada estão na região Sul-Sudeste. É um reflexo dos incentivos, do acesso a recursos, infraestrutura e apoio técnico no Brasil e nas diferentes regiões daqui do país”, explicou.

“A gestão inadequada dos resíduos não apenas contribui para o aquecimento global. Ela também compromete a saúde pública, a resiliência ambiental, e acaba agravando o cenário de mudanças climáticas que a gente está vendo cada vez mais evidente”, argumentou Ligia, lembrando que as comunidades vulnerabilizadas são afetadas “desproporcionalmente” por esse problemas.

Soluções possíveis

Ligia apontou para a importância de uma “gestão integrada de resíduos sólidos, adaptada às mudanças climáticas”. Algumas ações listadas dentro dessa lógica foram os sistemas com redução de gases de efeito estufa – com técnicas de captura de biogás e compostagem nos aterros, por exemplo –, infraestruturas resilientes, novas tecnologias verdes – incluindo soluções baseadas na natureza –, educação e conscientização – inclusive para reduzir a geração de resíduos –, a economia circular e a reciclagem.

Daniel Alves lembrou a experiência de Apucarana (PR), onde a prefeitura fez contratos com cooperativas de catadores para a coleta de recicláveis, o que gerou economia nas ações de educação ambiental. “O próprio catador faz a educação, o próprio catador que está na coleta sabe qual material coletar e qual não está adequado no descarte, então ele mesmo já pontua a residência que não está descartando corretamente. Colocar quem entende, de fato, para fazer”, apontou.

“A coleta seletiva tem que ser entendida como completude. ‘Qual é o dia que vai passar o carro dos contaminantes, de lâmpadas? Qual é o dia que vai passar o carro das pilhas?’. Ou, não havendo volume suficiente, isso depende do estudo de cada município, como fazer um carro misto para poder coletar esse volume?”, questionou o biólogo. 

“Hoje, atualmente, quando se fala de desenvolvimento da coleta seletiva, pouco se fala da divisão desses serviços. O particionamento para a gente entender que coleta seletiva não é um serviço único. Quando falo coleta seletiva, a gente está falando de várias atividades”, argumentou, afirmando que Apucarana conseguiu fazer essa divisão de coletas.

Integração com o saneamento

Os debatedores pontuaram, ainda, a necessidade de integração entre gestão de resíduos sólidos e saneamento básico. “Quando falamos de saneamento básico, a gente começa pela água – e é justo, a gente acaba nesse consumo diário com banho, comida, hidratação –, depois a gente vai falar de esgoto. Depois a gente começa a falar de limpeza urbana. Depois a gente começa a falar de transporte, para só então a gente falar de tratamento de resíduos”, criticou. 

“Então [precisa] trazer essa temática um pouco mais concisa, unificar. Uma coisa está dependente da outra, até porque o despejo de esgoto também é despejo de resíduos. Mas tratar os resíduos – não só os sólidos, mas os líquidos – de forma consolidada”, frisou. “É unir o resíduo sólido à parte de água e esgoto e começar a envolver quem de fato compromete a questão. Trazer a indústria para esse debate. Exposição mesmo, porque se você produz um produto, uma embalagem, você tem que dar ajuste ao fim dele”, afirmou.

“Quando você está falando de saneamento básico, você também está falando da indústria de construção. O Rio de Janeiro passa por essa verticalização há muito tempo, e há pouco tempo se falou de colocar estações de tratamento dentro dos condomínios. Quando a gente satura o ambiente, o metro quadrado começa a ficar saturado, a gente tem que começar a pensar nos serviços mínimos para que essa saturação seja minimizada. Então essas discussões não são tratadas, são faladas superficialmente como problemas, e não como responsáveis que precisam se adequar para que o crescimento seja saudável no urbanismo”, exemplificou o biólogo.

Participantes durante o debate. Crédito: Reprodução

“O que eu esperaria de um representante político a nível municipal”, disse Ligia da Paz, “é que ele veja o saneamento de forma integrada, e entenda também que ele só vai funcionar se as instâncias do saneamento – acesso à água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos – só vão funcionar se todas estiverem funcionando também. Se uma não estiver bem, efetiva, vai provocar uma série de problemas, inclusive operacionais, nesses sistemas dos outros serviços”.

“O que eu espero também a nível municipal é que tenha essa gestão integrada e também adaptada. Para mim, o cenário climático é fundamental. Não dá mais para as propostas serem pensadas sem considerar que as cidades estão em outro momento, outra realidade, outro clima. Aqui em Belém a gente está sem chuva há muito tempo, então os resíduos que estão na rua, esquecidos, tem um odor maior pela temperatura. Os processos biológicos ali estão diferentes, porque a temperatura está diferente. Então tudo isso precisa estar previsto na proposta de quem vai gerir a cidade”, explicou a engenheira sanitarista e ambiental.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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