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Melhorar o sistema de saúde fortalece resposta às mudanças climática, diz debatedora

Terceira live sobre políticas municipais e mudanças do clima discutiu qualidade do ar e saúde; série de transmissões organizada por ((o))eco e Vote pelo Clima termina amanhã

Gabriel Tussini ·
1 de outubro de 2024

A série de lives sobre políticas municipais no contexto de mudanças climáticas, realizada por ((o))eco em parceria com o Vote pelo Clima, retornou nesta segunda-feira (30), com sua terceira transmissão. Desta vez, o tema discutido foi Qualidade do ar e saúde – assunto que chegou ao topo das discussões nacionais nas últimas semanas, quando a fumaça de queimadas cobriu grande parte do Brasil, causando graves riscos à saúde da população.

Para debater o assunto, a repórter Cristiane Prizibisczki recebeu Amanda Suarez, bacharela em psicologia e cofundadora do Saúde em Clima, e João Romano, especialista em manejo integrado do fogo e fundador da Brigada Alter do Chão. A conversa contou ainda com comentários da jornalista Bárbara Poerner, do Instituto Clima de Eleição. As transmissões são feitas pelo canal de ((o))eco no Youtube, onde elas ficarão gravadas e disponíveis.

A série – que termina nesta quarta-feira (2), com o tema Desastres ambientais e adaptação climática – tem a finalidade de reunir especialistas para discutir ações que o poder público municipal pode tomar para lidar com os efeitos das mudanças climáticas em temas-chave para a vida nas cidades. O Vote pelo Clima, parceiro na organização das lives, é uma iniciativa promovida pelo Instituto Clima de Eleição e pelo NOSSAS para conectar eleitores a candidaturas comprometidas com a pauta climática em todo o Brasil.

Políticas públicas municipais precisarão ser eficientes para lidar com mudanças do clima

Amanda Suarez, que lidera iniciativas dedicadas à interseção entre saúde e mudanças climáticas, lembrou que a aceleração dessas mudanças torna o tempo para adaptação do sistema de saúde – que precisará lidar com efeitos diretos e indiretos na saúde física e mental, além do aumento do número de mortes – cada vez mais curto. “Mais de 90% dessas mortes acontecem justamente em países em desenvolvimento”, citou.

“No caso das arboviroses – como a dengue, por exemplo –, no início do ano saiu um estudo que repercutiu bastante, que previu um aumento de 20% nas infecções nos próximos 30 anos, o que está relacionado intimamente com o aumento desses extremos climáticos. No Brasil, [está relacionado] especialmente com o desmatamento para uso de terra, que também está por trás do recente agravamento das doenças respiratórias, além de ser a grande fonte de emissões brasileiras”, lembrou Suarez. “As principais enfermidades que afetam a população brasileira tem relação muito próxima com o clima”, frisou.

“Tem uma epidemiologista social que fala que esses mecanismos pelos quais as condições sociais afetam a saúde podem ser transformados através da ação baseada em informação – que, no fim, é um pouco do que a gente está fazendo aqui, facilitando a tomada de decisão informada. Nesse caso especialmente por causa da chegada das eleições municipais, mas a gente ouve muito que a gente não pode resolver um problema que a gente não conhece”, afirmou.

“Fortalecer o sistema de saúde, de maneira geral, fortalece a nossa resposta às mudanças climáticas. Especialmente se a gente fortalece a resiliência desses sistemas pensando em clima, em diminuir a nossa exposição a esses eventos e a nossa vulnerabilidade a eles, mas também aumentar a nossa capacidade de adaptação”, explicou Suarez, citando recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) que podem ser praticadas a nível municipal, como cursos de treinamento sobre mudanças climáticas para equipes de saúde, a criação de planos de contingência e o monitoramento de sensibilidades climáticas.

“O município é o principal responsável pela saúde pública da sua população. É ele que é responsável pelas ações e os serviços de saúde naquele território. Então tanto a criação de políticas públicas municipais com base nas demandas locais, como a aplicação das políticas nacionais e estaduais são feitas pela equipe do município”, reforçou. 

“Os vereadores também têm papel fundamental – de fiscalizar se a prefeitura está cumprindo essas obrigações, aprovar o orçamento do município, fiscalizar o uso desses recursos, além de, claro, propor leis que possam melhorar a saúde do município e a sua saúde. Os próximos dias são muito importantes, porque eu costumo dizer que nenhum protocolo, nenhum tratamento na ponta vai dar conta do resultado de políticas públicas ineficientes”, concluiu a fundadora do Saúde em Clima.

Pedestres enfrentam calor e tempo seco no viaduto do Chá, região central de São Paulo, nesta tarde de quarta-feira, 11 de setembro de 2024. Foto: Fábio Vieira/FotoRua/Folhapress

Importância do manejo integrado do fogo e os problemas do uso descontrolado

João Romano, coordenador-geral da Brigada Alter do Chão, no Pará, falou da experiência na linha de frente do combate aos incêndios florestais. “A saúde está muito ligada a isso, porque o brigadista que está ali está respirando toda aquela fumaça”, explicou. “Para a gente este ano foi um ano atípico. A nossa equipe esteve combatendo numa terra indígena em Mato Grosso, e outra equipe em Novo Progresso [sudoeste do Pará], e a gente conseguiu notar uma diferença muito grande no clima, no sentido do combate ao incêndio. Você vê que a coisa está diferente”, frisou.

“A gente vem de um ano de El Niño seguido, agora, de uma nova seca extrema e muito precoce aqui na região em que a gente mora. Então é muito complicado colocar voluntários na linha de frente, porque existe uma intenção de colaborar, de fazer parte dessa luta e poder usar conhecimentos técnicos e pessoas para trabalharem de forma integrada com o poder público e, ao mesmo tempo, pensar ‘poxa, e essa pessoa que a instituição está colocando voluntariamente, como está a saúde dela?’”, relatou.

“E eu não digo só da saúde física, tem toda a saúde mental. Os relatos da nossa equipe no norte de Mato Grosso eram de um cenário apocalíptico. Todo mundo voltou doente, sem voz. Neste ano de 2024, na Brigada de Alter – que existe desde 2017, se formalizou em 2019 –, estamos muito preocupados com a saúde e a segurança dos nossos brigadistas. Então a gente tem buscado encontrar mecanismos para que esse trabalho seja feito da melhor forma possível”, afirmou.

Romano expressou otimismo com a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, sancionada no fim de julho, vista por ele como um “norteador para que se possa ter uma gestão do fogo” e “uma política pública que possa trazer um ordenamento”. Ele conta que na área de atuação da brigada – mais de 1,2 milhão de hectares – se vê problemas que agravam os incêndios, como o avanço do agronegócio, a grilagem de terras e a perda de controle, devido às mudanças climáticas, de queimadas frutos de “hábitos culturais” da agricultura familiar. 

“Aquela floresta que sempre foi úmida, e que aquele senhor que estava acostumado chegaria ali e pararia o fogo só com um pequeno aceiro, isso já não está acontecendo. O sub-bosque [vegetação que cresce abaixo do dossel da floresta] está cada vez mais seco, e o fogo está entrando nas florestas”, alerta o brigadista.

Romano frisa que o manejo integrado do fogo é mais adequado do que a criminalização total, que ele aponta como pouco eficiente. “O manejo integrado do fogo busca olhar para a problemática, olhar para o fogo, e entender os aspectos culturais, os aspectos ecológicos – se aquela vegetação é resiliente – para que se possa trabalhar uma gestão, e que grandes territórios possam ter essa organização de entender e usar o fogo até de forma benéfica. Mas enquanto não tiver políticas públicas que ordenem, o fogo continua sendo usado como ferramenta de desmatamento, de abertura de áreas, ocupação de solo, de forma desenfreada”, explicou.

“A gente já está vendo [as consequências] a nível global, mas aqui no Brasil, na Amazônia, cada vez mais vai ficar claro. E os afetados são as minorias. São as populações quilombolas, indígenas, ribeirinhas, que vivem dentro da floresta, com essas crises climáticas, com essas problemáticas hídricas, com os incêndios, que trazem um impacto gigantesco”, concluiu Romano.

Bárbara Poerner, do Instituto Clima de Eleição, reforçou o diagnóstico feito pelos dois debatedores, de que as mudanças climáticas afetam de forma diferente as populações mais vulneráveis. “A pauta de votar pelo clima é muito interseccional. Votar pelo clima é tem a ver com votar por saúde, que por sua vez tem a ver com votar pelo direito dos povos indígenas. Então está tudo muito conectado. E, dentro disso, os efeitos [das mudanças climáticas] são desiguais perante a desigualdade social e econômica que a gente tem no Brasil”, comentou.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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