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Desmatamento zero para quem? Brasil não é claro em proposta apresentada na COP29

Representantes do governo brasileiro reforçam em Baku a promessa de Lula de acabar com desmatamento, sem dizer se a supressão legal entra na conta

Cristiane Prizibisczki ·
12 de novembro de 2024

Baku, Azerbaijão – Enquanto o mundo clama pelo fim do desmatamento como arma para conter a crise climática, o Brasil, detentor da maior porção de floresta tropical do planeta, esquiva-se em deixar claro quais são suas propostas neste sentido. Nesta terça-feira (12), a delegação brasileira fez sua estreia na 29º Conferência do Clima da ONU com discursos bonitos, mas sem dar detalhes sobre como pretende endereçar questões cruciais para o país.

A delegação brasileira é comandada nestes primeiros dias de COP29 pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e conta com a presença de ministros como Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Sônia Guajajara, dos Povos Originários. Integram também a comitiva secretários, governadores e outros membros dos poderes Executivo e Legislativo brasileiro.

O local de encontro das autoridades com a sociedade civil é o pavilhão oficial, batizado este ano de “Caminhos para a Transformação Ecológica”. Foi neste espaço, inaugurado hoje, que o país se manifestou publicamente pela primeira vez na COP29.

Segundo o vice-presidente Alckmin, o Brasil é “o grande protagonista” dos debates sobre o enfrentamento às mudanças climáticas e tem posição de destaque na Conferência do Clima, não só por suas características ecológicas, mas também pelas suas ações relativas ao tema.

“Nós temos a maior floresta tropical do mundo. Temos a energia elétrica mais limpa do mundo, com energia hidráulica, solar, eólica, biomassa. Temos o melhor biodiesel do mundo […] E o principal: [vamos] atingir o desmatamento zero”, disse Alckmin.

Durante coletiva de imprensa realizada no final da tarde, Marina Silva repetiu o mantra. “Já conseguimos uma redução [no desmatamento] de 45,7% em relação à Amazônia, de 25% no Cerrado, e estaremos estendendo para todos os biomas […] Reitero o que disse o vice-presidente e o presidente Lula: nosso compromisso é com o desmatamento zero. Nós queremos aumentar nossa produção por ganho de produtividade, não por expansão predatória da nossa fronteira agrícola”, declarou.

Inauguração do pavilhão do Brasil na COP 29. Foto: Cadu Gomes/VPR

A promessa de Lula de “desmatamento zero” não apareceu agora. Ela é anterior a sua vitória nas últimas eleições e foi repetida diversas vezes durante a campanha que o levou novamente ao Palácio do Planalto. 

Em seu discurso de posse, por exemplo, ele deu destaque ao tema, defendendo que não era preciso desmatar para manter e ampliar a fronteira agrícola. “Nossa meta é alcançar o desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica”, disse, na ocasião. 

Passados quase dois anos de governo, no entanto, o presidente Lula ainda não deixou claro o que sua promessa abrange: o desmatamento total zero ou o desmatamento ilegal zero.

Estratégia semântica

Apesar de muito parecidas, a diferença entre as duas expressões é enorme. Isso porque, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, são permitidos desmatamentos legais no país, com porcentagens que variam de acordo com o bioma. 

No Cerrado, por exemplo, pode-se desmatar legalmente, sob diversas condições, até 80% de uma propriedade privada. Na Amazônia, até 20%. Isto é, se o Brasil não deixar claro que a proposta é desmatamento absoluto zero, muita destruição ainda pode acontecer em nossos biomas.

O problema é que o desmatamento é a principal fonte de emissões brasileiras de gases de efeito estufa. O setor de “Mudança do Uso do Solo”, como é conhecido, foi responsável por 46% do total emitido pelo Brasil em 2023, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), divulgados na última semana,

Em termos comparativos: se fosse um país, o desmatamento do Brasil seria o oitavo maior emissor do planeta, atrás do Japão e à frente do Irã. Por isso é tão importante ter clareza sobre o que nosso país está propondo em relação ao setor, para que os brasileiros – e o mundo – não caiam em armadilhas semânticas.

Recentemente, a União Europeia tentou impor o desmatamento zero – em termos absolutos – ao Brasil e outros países exportadores de commodities, por meio de uma nova legislação de importação. A lei proposta, conhecida como EUDR, estava prevista para entrar em vigor em dezembro de 2024, mas por pressão do próprio Brasil e outras nações que serão afetadas pela norma, ela foi adiada por um ano e corre o risco de nunca ser tirada do papel.

Além disso, a nova meta climática brasileira, apresentada na sexta-feira (8), deixa claro que o Brasil não está comprometido com o desmatamento zero, alegam organizações da sociedade civil. 

Isso porque o Brasil disse que quer chegar em 2035 emitindo 850 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente – em sua meta mais ambiciosa. Se o país conseguisse de fato eliminar absolutamente todo o desmatamento até a data, a emissão máxima do país seria de 650 milhões de toneladas de CO2eq, dizem as organizações.

Na tarde desta terça-feira, Simon Stiell, secretário executivo da ONU para as mudanças climáticas, afirmou em seu discurso na abertura do Segmento de Alto Nível da COP29 que “todos os países devem fazer sua parte” para limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC”. 

“Neste momento crucial, vocês e seus governos devem ser guiados por uma verdade clara: financiamento climático não é caridade, é um investimento. Ação climática não é opcional, é imperativa. Ambos são indispensáveis para um mundo habitável para toda a humanidade e um futuro próspero para cada nação da Terra”, reforçou Stiell.

Para que faça realmente sua parte e consiga entregar para o mundo o líder na luta climática que anuncia ser, o Brasil vai precisar, no mínimo, ser claro com seu povo e com os países com quem negocia na 29ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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