Reportagens

Palavras ao vento

Plano Nacional de Áreas Protegidas dá mais espaço a índios e quilombolas do que à natureza. No mais, não passa de uma enfadonha declaração de intenções.

Lorenzo Aldé ·
15 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás

Problemas técnicos adiaram, na semana passada, o início da consulta pública sobre o Plano Nacional de Áreas Protegidas, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Talvez tenha sido melhor assim. Ganharam um novo prazo, até 18 de janeiro, os participantes do fórum na Internet que vai discutir o documento. Pode ser que até lá eles descubram o que dizer do texto de 89 páginas que já pode ser acessado em formato pdf.

Não é tarefa fácil abrir caminho no meio do denso palavrório politicamente correto do Plano. Em certo ponto da leitura, pergunta-se quanto já passou e quanto falta para acabar, e se aquilo tudo que estamos lendo já não foi lido um pouco antes. Na verdade, já. E será relido logo a seguir. É uma profusão de intenções “sustentáveis” e “estratégicas”, processos, propostas e instrumentos “articulados”, “compartilhados” e “eqüitativos”, que… onde é que eu estava mesmo?

Ah, sim, no Plano Nacional de Áreas Protegidas. Tentando clarear as coisas: para quê ele foi concebido, afinal? Para “estabelecer um sistema abrangente de áreas protegidas, ecologicamente representativo e efetivamente manejado, integrado a paisagens terrestres e marinhas mais amplas, até 2015”. Mais ou menos o que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), lei promulgada em 2000 e até hoje longe de ser implementada, se propõe a fazer. Então este novo Plano seria uma avaliação crítica sobre o que falta ser feito, com metas e estratégias. Até aí, tudo bem.

Mas a receita desanda por dois motivos. O primeiro é não se restringir ao SNUC. Como se as áreas de conservação da natureza não tivessem problemas e assuntos suficientes para um plano nacional, o Ministério de Marina Silva resolveu complicar a discussão, chamando para o debate também os defensores das causas indígena e quilombola e propondo a “integração” das diferentes “áreas protegidas” do país.

Como esses movimentos sociais costumam fazer mais barulho que os ecologistas mais habituados a viver no meio do mato, o resultado é um samba do crioulo doido, que a frieza dos números resume à perfeição. Num documento pretensamente voltado à política ambiental, a palavra “indígena” aparece 77 vezes e a palavra “quilombola” 79 vezes. Enquanto fauna e flora, essas irrelevantes, são mencionadas três e cinco vezes, respectivamente.

Fica a dúvida: se a idéia é unir social e ambiental, por que só o Ministério do Meio Ambiente tem que arcar com a proposta? Por que não escancarar a intenção, convocando a assinatura dos ministros Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, e Gilberto Gil, da Cultura? Sem falar em Incra, Funai e Ministério da Agricultura. Ficaria menos esquisito.

Objetivos, metas, estratégias

O outro problema é de foco. O conteúdo principal do Plano está apresentado nos capítulos: “Princípios, Diretrizes e Premissas” e “Objetivos, Metas e Estratégias”.

Entre os princípios, há declarações universais como “Respeito à diversidade da vida e ao processo evolutivo, considerando o seu valor intrínseco”, seja lá o que quer dizer isso. Acompanhadas por obviedades como a “Priorização dos interesses coletivos e difusos sobre os interesses individuais”. E questões estranhas à natureza, como “equilíbrio de gênero, geração, cultura e etnia na gestão das áreas protegidas” (até mesmo a idade dos chefes de Parque deve ser equilibrada, notaram?), “inclusão e eqüidade social”.

Mas deixemos de implicância, estes são apenas os princípios, premissas, diretrizes. Por definição, genéricos. Deve-se encontrar propostas concretas nos “Objetivos, Metas e Estratégias”, certo?

Mais ou menos. Os objetivos continuam genéricos: “Melhorar o planejamento e a gestão do SNUC”, “Impedir as ameaças e mitigar os impactos negativos”, “Promover a governança diversificada, participativa, democrática e transparente”. Bem, melhor ir às metas.

Estas pelo menos dão um prazo para as coisas acontecerem. Até 2006, por exemplo, deve-se “desenvolver um sistema de fiscalização e controle efetivo para as unidades de Conservação”. Ótimo. Outra meta: “Até 2008 reduzir, no mínimo, em 60% a incidência de incêndios em unidades de conservação”. Maravilha. Outra: “Até 2007 garantir a existência de linhas de financiamento para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para unidades de conservação”. Tudo bem, boas metas. Embora muitas: contei umas 89, chegando até 2015 (quando já teremos no governo o sucessor do sucessor do sucessor de Lula).

Mas como fazer tudo isso? Hora de conhecer as “Estratégias”. E aí nos damos conta de que o documento é mesmo um labirinto. O tom não muda: intenções genéricas, e em grande quantidade. Apenas em relação ao objetivo “Melhorar o planejamento e a gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação” há 36 estratégias! Coisas como “celebrar acordos e parcerias”, “elaborar propostas”, “fortalecer intercâmbios”, “estabelecer critérios”, “incentivar mecanismos” e “propor ferramentas”.

Mareado por esse vai-e-vem de expressões tecnocráticas, o leitor passa batido por ações pretensamente concretas, como a recuperação de áreas degradadas, a criação de mosaicos de áreas protegidas (ou de “conectividade ecológica”, como prefere o Plano) e a destinação de recursos para regularização fundiária. Mas será que dá para acreditar que tudo isso vai ser feito?

No fundo, é isso. O Plano Nacional de Áreas Protegidas não passa de uma longa e enfadonha declaração das obrigações que o governo já tem para com a preservação ambiental. Obrigações que não conseguiu cumprir em três anos.

Tomara que seja impresso em papel reciclado.

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  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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