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Lá se vai uma boa idéia

Está murchando no Jardim Botânico do Rio de Janeiro o “Plantando História”, que mostrava entre as árvores do parque os guardados da pesquisa no Brasil.

29 de julho de 2005 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Com tanta idéia ruim sobrando no governo Lula, enterra-se no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o fim das férias de julho, uma iniciativa que deu certo. É – ou era, a esta altura – o “Plantando História”, uma coleção de 40 placas metálicas, espalhadas no ano passado pelas alamedas do arboreto, para mostrar ao público, com breves textos bilíngües e fotografias de museu, o que se esconde por trás de árvores quase totêmicas, como o pau-brasil, a seringueira, a sumaúna, o babaçu ou o jacarandá.

O “Plantando História”, descartado sem choro nem vela por falta de patrocínio privado e de apoio oficial, tinha tudo para ir em frente. O que se viu até agora era só uma pequena amostra de um imenso acervo que há muito tempo não encarava a luz do sol. Postos ao relento no caminho do público desde o ano passado, os cartazes serviam, no mínimo, para lembrar, até aos visitantes mais distraídos, que aquele parque é o laboratório ao ar livre de um instituto de pesquisa quase bicentenário. Além de ser, naturalmente, o lugar onde turistas passeiam com máquinas fotográficas no pescoço como em nenhum outro canto da cidade, noivos posam nos caramanchões para seus álbuns de casamento, debutantes freqüentam com vestidos de baile e crianças convivem com saracuras, macacos e jacús, soltos na Zona Sul carioca pelos portões que trancam os perigos urbanos do lado de fora.

O “Plantando História” foi resultado de um projeto que saiu de onde menos se espera. Ou seja, do empenho pessoal de funcionários públicos, dispostos a fazer anonimamente o que ninguém exigiu deles. No caso, é obra da bióloga Yara Lúcia Oliveira de Brito, da museóloga Luisa Maria Gomes de Mattos e dos botânicos Bruno Resende Silva e Claudio Nicoletti Fraga. Ou seja, gente da casa. O grupo brotou de uma comissão, reunida às pressas dois anos atrás para dar um destino ao arquivo despejado de um dos prédios da administração quando o Espaço Tom Jobim, um “centro de cultura e meio ambiente”, aboletou-se em seu lugar.

Sobrevivente de muitas mudanças, tradicionalmente feitas da noite para o dia cada vez que o Jardim Botânico trocava de mãos entre ministérios e autarquias do governo federal, a papelada estava a um passo da amnésia. Seu último arquivista fora levado pela aposentadoria na virada dos anos 90. O laboratório fotográfico, que em outros tempos alimentava de imagens sua memória a cada muda nova que se plantava no arboreto, acabou em meados do século passado. Nas caixas sem etiquetas, muita coisa estava guardada sem o menor sinal de identificação.

Na pressa de abrir vaga para a homenagem póstuma ao maestro, décadas de troféus preciosos da pesquisa botânica no Brasil foram parar em instalações provisórias de onde, evidentemente, nunca mais saíram. Mas, no abre-e-fecha das caixas, houve olhos na comissão capazes de entrever o tesouro que estava lá dentro, como os cadernos de campo das expedições científicas que vasculharam os confins do território nacional, quando o país ainda não sabia muito bem onde suas fronteiras acabavam. Havia um livro-tombo, registrando o pedigree de 600 plantas que foram fincadas no jardim até 1914, uma coleção de dois mil negativos de vidro, com fotografias seculares e a ficha de 3 mil espécies vegetais exibidas no bairro da Urca em 1908, para comemorar o centenário da Abertura dos Portos. E assim por diante, a perder de vista.

Foi desse achado que a bióloga Yara e a museóloga Luisa tiraram o “Plantando História”. Para isso, vararam noites durante dois meses, esticando por sua própria conta os expedientes “até uma da manhã”. Tiveram que decifrar manuscritos e identificar em fotografias sem legendas os patronos das Ciências Naturais no Brasil e antigos diretores do Jardim Botânico, como John Christopher Walles, encasacado entre as plantas em 1912, ou o mineiro João Barbosa Rodrigues, um audodidata que virou autoridade em palmeiras tropicais, ostentando num retrato formal seus traços de Groucho Marx. (walles)

Acharam preciosidades, como a documentação das viagens do catarinense João Geraldo Kuhlmann, um fundador da fitogeografia brasileira, que percorreu o país em inumeráveis expedições de pesquisa, inclusive as de Cândido Rondon. Yara e Luisa trabalharam sem o consolo burocrático das horas extras. Usaram “lupas de campo”, lembra Luisa, para reconhecer fisionomias em fotos de época. Conseguiram de uma firma vizinha do Jardim Botânico, a Soter Design, o abatimento que deu uniformidade gráfica aos cartazes, impressos em placas metálicas com o patrocínio da marca Leite de Rosas.

As placas deveriam passar um mês no arboreto. Ficaram um ano. Era tempo de sobra para provar que deveriam ficar ali para sempre, de preferência renovadas regularmente por novidades históricas garimpadas no arquivo. Mas num ano de exposição foi pouco para chamar a atenção de uma autoridade capaz de tratá-las como programa oficial.

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