Pense num ônibus. Um ônibus com janelas imensas, quase do teto ao chão. Agora tire as cadeiras. Ficou vazio? No lugar delas coloque dezessete bicicletas ergométricas. Isso mesmo, bicicletas. Enquanto você só imagina, um empresário carioca já transformou esse bicho em realidade, patenteou e está lucrando com isso.
O chamado “Bus Bike” é alugado por academias que querem dar aos seus freqüentadores uma experiência diferente da malhação do dia-a-dia. E, convenhamos, poucas coisas podem ser mais criativas que isso. Pedalar parado dentro de um ônibus em movimento?
No Rio, a academia-móvel teve por volta de 200 alunos durante os dois meses em que circulou, no verão deste ano, por mensalidades que variavam de R$145 (duas aulas por semana) a R$190 (3 aulas por semana). As aulas de spinning – que mudam de intensidade em sintonia com a inclinação do terreno por que passa o ônibus – eram regadas à água gelada guardada no freezer do veículo, que também tem ar condicionado, armários e equipamento de som mp3.
Os usuários buscam esses confortos, que só a atividade física indoor (dentro da academia) oferece, aliados ao fato de não precisarem se exercitar de frente para uma parede branca ou um aparelho de TV. Em vez disso, ganham a vista da Lagoa Rodrigo de Freitas ou da praia de Ipanema, por exemplo. Fala o inventor do monstro, Marcos Alves, que já era proprietário de uma academia convencional: “Percebi que as pessoas deixavam de freqüentar a minha academia, mas de maneira alguma paravam de jogar futebol no fim de semana. Foi aí que comecei a pensar em como criar estímulos para segurar os clientes”. O Bus Bike foi o filho bem-sucedido da imaginação de Marcos, que antes já havia pensado em salas de ginástica envidraçadas de frente para o mar e até numa academia-cinema com tela de 360 graus.
Uma pesquisa encomendada pelo empresário verificou que a maioria das pessoas que praticam esportes em lugares abertos tem dinheiro para pagar academia. Além disso, grande parte delas tem em casa uma esteira ou bicicleta ergométrica que não são utilizadas e acabam virando “cabide” de roupas. “Elas optam por se exercitar na praia ou na lagoa justamente por causa dos estímulos visuais que esses lugares oferecem”, constata Marcos, que se meteu a dr. Frankenstein ao perceber que não adiantava levar a “realidade” para dentro da academia. Era preciso fazer o contrário: trazer a academia para fora, para a “realidade”.
Isso foi há quatro anos. Hoje a empresa de Marcos detém a patente da invenção em 192 países e pretende apenas administrar a marca, sem se relacionar diretamente com o consumidor final. Por enquanto, só existe um Bus Bike, que será alugado ocasionalmente para academias cariocas, como uma espécie de aula-evento. Mas várias licenças já foram negociadas no exterior (América do Norte e Europa) para fabricação do ônibus em troca do pagamento de royalties. Unidades estão sendo montadas no Canadá e em Portugal.
No Brasil, grupos de diferentes estados já adquiriram os direitos do Bus Bike e esperam a produção do seu. Em geral, os investidores pretendem alugar o serviço a academias locais. Por aqui, a fabricação consiste na reforma de ônibus usados, que são convertidos para o formato. Na Europa e nos Estados Unidos, serão utilizados veículos novos.
Enquanto os ônibus não ficam prontos, quem já rodou no protótipo exalta as qualidades do invento em duas comunidades no site de relacionamentos Orkut. Estaria surgindo um novo conceito de academia “ao ar livre”? Há quem ache que não.
Moda e poluição
Para Adolfo Santos, praticante de triatlon, a idéia do Bus Bike é criativa, mas não vai além disso. “Acho que é uma forma de exibicionismo, mais do que qualquer tentativa de obter algum efeito real”, disse ele a O Eco, fazendo referência ao frisson que invariavelmente a passagem do ônibus provoca, com suas luzes e música alta. Além disso, o ciclista não está aproveitando em nada a proximidade do “ar livre”, já que faltam os fatores básicos da prática outdoor: espaço aberto, vento, sol (ou chuva) e os buracos do caminho, além de possíveis postes ou pedestres distraídos.
O triatleta também levanta uma questão importante em relação à prática de exercícios dentro de um veículo em movimento. Ele se pergunta se freadas ou arrancadas bruscas não poderiam causar acidentes. Marcos Alves responde que não – o Bus Bike foi projetado para ter o movimento suavizado. Além disso, durante as aulas, ele não passa dos 30 km/h.
A professora de educação física Fernanda Lima experimentou o ônibus e não tem reclamações. “Você faz uma aula forte, queima calorias e ainda tem a melhor paisagem do mundo: a orla da Barra!”. Para quem já faz spinning na academia, não se pode negar que o Bus Bike traz um estímulo e tanto para a malhação. Mas de fato é muito mais simples e barato pegar uma bike e sair pedalando pelas ruas.
Os adeptos do esporte ao ar livre concordam em coro. Ana Araujo, colunista de O Eco e praticante de montanhismo, reconhece que há vários motivos pelos quais alguém utilizaria a academia sobre rodas. Mas também acredita que, no geral, as pessoas o fazem por modismo ou “porque é ‘cool’”. Para ela, o esporte indoor é mais válido quando o atleta pretende, mais tarde, testar suas capacidades no meio externo. E pedalar enclausurado dentro de um ônibus é muito diferente da experiência que se vive no asfalto ou na terra.
Além do quê, o ar geladinho de dentro da máquina só existe por conta de um motor a diesel, que não abre mão do seu “direito” de poluir o ar de quem corre ou pedala (ou vive) do lado de fora. É o que diz o internauta Daniel, no blog em que se auto-intitula Ciclista Ativo. “Sabe o que o criador [do Bus Bike] disse? Falou que ele pensou nisso para dar mais liberdade aos ‘atletas’. Que liberdade? O cara vai ficar preso numa lata, onde está a liberdade?”.
Mas talvez não haja motivo para tanta antipatia. Os adeptos do Bus Bike não estão fazendo nada além de se divertir um bocado mais na sua batalha para entrar em forma. Afinal, quem faz ou já fez academia sabe que não é fácil arrumar disposição para correr e pedalar em um ambiente completamente fechado. E o que é pior: sem sair do lugar.
* Eric Macedo é estudante do 7° período de Jornalismo na UFRJ.
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