Reportagens

Lição no Planalto

Em evento no Palácio, Ongs e cientistas tentam extrair do presidente algum sinal de que o aquecimento global é uma prioridade de governo. A solenidade serviu mais para informar Lula sobre o tema.

Gustavo Faleiros ·
10 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

Marina Silva e sua equipe chegam a Nairóbi na segunda-feira, dia 13, onde participam das negociações que ocorrem na 12ª Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Para reforçar as posições do governo brasileiro, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) resolveu pedir o reforço do presidente da República. Organizou-se então, na tarde desta sexta-feira, uma reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, colegiado do qual, afinal, Lula é o presidente. As organizações não-governamentais (ONGs) foram convidadas e esperavam que ele desse ao menos um sinal que a questão das mudanças climáticas está entre as prioridade em seu governo.

Mas a solenidade se transformou em uma explicação a Lula sobre a política de mudança climática de seu próprio governo. A ministra Marina Silva, em seu discurso, agradeceu a colher de chá dada pelo presidente ao tema. “Queria agradecer por ter dedicado um momento de sua agenda para este evento”. O físico Luiz Pinguelli Rosa, o secretário-executivo do Fórum de Mudanças Climáticas, fez uma apresentação que deu sono em todo o auditório. Ele listou todos os seminários, workshops e reuniões que o Fórum realizou deste a entrada da gestão petista. Lula não escondeu a impaciência com o ritmo do falatório.

O presidente da República só começou a se mostrar interessado no assunto quando os técnicos do MMA puseram-se a explicar a proposta que será apresentada no Quênia. De acordo com exposição feita pelo secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, o Brasil defenderá que os países discutam médias de desmatamento com base em monitoramentos anteriores e estabeleçam metas voluntárias. Atingidas as metas, as nações em desenvolvimento receberiam apoio financeiro dos países desenvolvidos.

Capobianco usou como exemplo as recentes quedas na destruição da Amazônia. Ao evitar o desmastamento de cerca de 1,4 milhão de hectares, o Brasil reduziu as emissões em 128 milhões de toneladas de carbono nos últimos dois anos. Isso, nos cálculos do secretário de Biodiversidade e Florestas, poderia render algo em torno de 1,1 bilhão de dólares ao Brasil. Para convencer de vez Lula, ele disse que o combate ao desmatamento geraria mais emprego e renda ao país. “A Amazônia de pé vai fazer bem ao Brasil”, sentenciou Capobianco.

Jornalismo de resultados

O professor Luiz Gilvam Meira Filho um dos grandes especialistas em mudanças climáticas, representou a classe científica na mesa da solenidade. De cima do púlpito, pediu licença a Lula para dar uma espécie de conselho. Disse que o aquecimento global apresenta sim muitas oportunidades ao Brasil, como os lucros com os créditos de carbono. Mas pontuou que o país não pode se eximir de responsabilidades, uma vez que 25% das emissões globais vêm da derrubada de florestas tropicais.

Foi a fala que o movimento ambientalista queria ouvir. O Fórum Brasiliero de ONGS (FBOMS) cobra que o governo tome posições mais claras na COP-12 e assuma compromissos obrigatórios no período pós-2012, ou seja quando vence a primeira fase de Quioto. Em nota divulgada nesta sexta-feira, o Greenpeace afirma que o país avança com a proposta de desmatamento evitado, mas falha ao não sugerir metas específicas.

Lula ouviu as explicações de seus colegas sobre as mudanças climáticas com nítidas variações de humor. Ficou ora impaciente, ora interessado. Em sua fala preferiu adotar o tom da diplomacia climática do Brasil. Repetiu os argumentos de que “nós sabemos cuidar da Amazônia”, como pouco antes havia feito o Chanceler Celso Amorim. Reforçou que são os ricos que estão com a responsabilidade nas mãos e ainda mostrou uma inesperada antipatia pelos créditos de carbono. “Os ricos não vão ficar nos pagando para continuarem poluindo lá, eles tem que fazer a parte deles.”

Ao final, não se falou nas metas tão esperadas pelas ONGs para o combate de emissões por desmatamento. Quer dizer, falaram-se de outras metas. Terminada a solenidade, os repórteres correram para Lula e lhe perguntaram desesperadamente. “O senhor tem alguma meta de crescimento econômico?” .

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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