Reportagens

Álcool ameaça o Pantanal

A maioria dos deputados estaduais de Mato Grosso do Sul está decidida a aprovar, ainda este ano, projeto de lei que permitirá instalação de usinas de álcool no Pantanal.

Allison Ishy ·
14 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

Uma das principais leis que protegem o Pantanal está para ser modificada até dia 21 de dezembro, ou no mais tardar início de janeiro, em benefício da indústria do álcool. O objetivo é permitir a instalação de usinas sucroalcooleiras na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), cuja planície abriga o Pantanal. Desde 1982 a consolidação dessa indústria no Mato Grosso do Sul é proibida pela Lei Estadual n° 328, mas a Assembléia Legislativa do estado está empenhada em votar um projeto que propõe mudanças na lei ainda este ano.

O seu autor é o deputado Dagoberto Nogueira Filho (PDT), que foi derrotado ano passado por 17 votos contra quatro ao tentar liberar a construção de pelo menos 15 usinas na bacia pantaneira. A proposta, considerada inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, gerou protestos na época. Entre eles, a imolação do ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, conhecido como Francelmo, que ateou fogo ao próprio corpo.

Mas no mês passado, em novembro, o deputado Nogueira Filho, reeleito deputado federal, propôs nova mudança na lei. Desta vez o projeto no152/06 de sua autoria solicita a supressão do artigo 4° da Lei n° 328/82, que proíbe a ampliação das usinas já existentes na bacia ou instalação de novas. O projeto entrou na pauta da Assembléia dia 21 de novembro com a intenção de ampliar a produção de duas usinas que funcionam na BAP em Mato Grosso do Sul, mas não foi votado porque Nogueira Filho estava ausente.Mesmo sem o autor, a CCJ concluiu que o projeto é inconstitucional. À toa. Na última quarta-feira, 13 dos 23 deputados estaduais presentes em sessão derrubaram o parecer da CCJ. Ainda que, quando a comissão se pronunciou em novembro, a maioria dos deputados concordou com a inconstitucionalidade do projeto por contrariar uma resolução com poder de lei federal do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Agora, o projeto de lei de Nogueira Filho pode ir para última votação. E há esforços políticos para que isso aconteça ainda este ano. O presidente da Fuconams (Associação Francisco Anselmo Para a Conservação da Natureza de MS), Jorge Gonda, declarou estar decepcionado com os parlamentares que ano passado votaram contra as usinas e agora a favor da ampliação. Um parecer jurídico do Ministério do Meio Ambiente considerou que a ampliação das usinas na Bacia do Alto Paraguai equivale à construção de novas indústrias, em termos de impactos ambientais. “Há um ano, quando o Anselmo morreu, e depois do primeiro projeto que instalaria usinas ter sido arquivado, alguns repórteres me perguntaram se achava que estava descartada a implantação das usinas. Eu disse que era difícil dizer porque não sabíamos como os deputados votariam; é difícil entender esses deputados”, desabafa.

Para o presidente da ONG Ecoa, Alessandro Menezes, se o projeto não for aprovado até dia 21 de dezembro, há grandes chances de passar em 2007. O governo do estado passa das mãos do PT para o PMDB e 11 deputados terminam seus mandatos. O novo governador eleito de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB) declarou inicialmente apoio às usinas na bacia pantaneira, mas depois voltou atrás e disse que prefere não opinar sem antes ter estudos técnicos. Os ambientalistas já pensam em mobilizar a imprensa e a sociedade, acionar o Ministério Público e articular uma campanha internacional de boicote ao álcool produzido na BAP. 

O deputado-chave para a derrubada do parecer de inconstitucionalidade da CCJ foi Pedro Teruel (PT), que mudou de opinião e se tornou favorável às usinas. Segundo Teruel, a única barreira para considerar inconstitucional o projeto de lei do deputado Dagoberto seria a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n°001/85. Mas na sua interpretação, a resolução não menciona textualmente a palavra “ampliação”, apenas proibiria a “instalação” de novas usinas.

Dentre os deputados que ainda mantêm posição contrária à ampliação ou instalação de usinas de álcool na bacia pantaneira estão: Ary Rigo (PDT), Celina Jallad (PMDB), Onevan de Matos (PDT), Pedro Kemp (PT) e Roberto Orro (PDT).

Motivos

Por trás da justificativa do projeto para ampliar a produção de usinas já existentes em MS no Alto Paraguai, uma investigação do jornal Correio do Estado, de circulação estadual, revelou que tanto a usina Santa Olinda, em Sidrolândia, como a Sonora, no município de mesmo nome, já estão operando acima do permitido pela legislação. “A proposta de suprimir o artigo 4º, que proíbe a ampliação, tem o objetivo de legalizar um ato ilegal cometido há vários anos, segundo fontes oficiais do poder público”, revelou o jornal. Num discurso inflamado dia 13 de dezembro, o deputado Roberto Orro (PDT) considerou a proposta de Dagoberto como gananciosa, “prometendo empregos e na verdade criando bóias-frias”. Orro solicitou punição para as duas usinas que descumpriram com a lei. “Estas usinas cometaram ato ilícito e precisam ser punidas.”

A persistência do deputado Dagoberto, que recebeu apoio de usineiros em sua última campanha, também se deve, em parte, pela demanda para o aumento da produtividade agrícola, garantia de abastecimento de alimentos, fibras, energia, geração de emprego e renda para a região. “Ao possibilitarmos a ampliação da capacidade instalada das usinas já existentes na Bacia do Alto Paraguai, no estado de Mato Grosso do Sul, estaremos dando tratamento isonômico aos empresários de nosso estado frente aos de Mato Grosso, que não encontram qualquer impedimento equivalente em sua legislação estadual”, justifica Dagoberto em seu projeto de lei.

O deputado também acrescenta que a cana-de-açúcar é a única vegetação que concede mais créditos de carbono com o Protocolo de Kyoto. “Dá quatro créditos porque seqüestra o carbono, produz álcool, que é energia renovável, promove o biogás com o vinhoto e com a queima do bagaço e de suas folhas gera energia elétrica”. Nogueira Filho também defende o plantio da cana-de-açúcar nas cabeceiras dos rios, porque isto preservaria o meio ambiente. “Se nós tivéssemos cana, ao invés de soja e pasto, talvez o rio Taquari não estivesse assoreado como está”, argumenta.

Como surgiu a proibição

Considerada principal entrave ao desenvolvimento do setor sucroalcooleiro na porção da Bacia localizada no Mato Grosso do Sul, a polêmica lei n° 328 foi resultado da mobilização popular contra a construção de uma grande usina no município de Miranda, que produziria 1,6 bilhão de litros de álcool por dia. Na época (fim de 1970 e início de 1980), era o governo do presidente João Batista Figueiredo, que pretendia implantar na região da Serra da Bodoquena a maior usina sucroalcooleira do mundo. Em 1985, o Conama estendeu a proteção para a região da Bacia do Alto Paraguai nos estados de MT e MS, com a Resolução n°001/85, que proíbe a emissão de licenças ambientais para tais empreendimentos, condicionadas à realização de um Zoneamento Ecológico-Econômico para a Bacia – que representa uma área de 210 mil km2 compartilhada com o Brasil (70%), Bolívia e Paraguai. Na planície da Bacia, entre os três países, está a maior área úmida continental de água doce do planeta, o Pantanal (38,21% da BAP).

O danos que resíduos de agrotóxicos usados nas lavouras, desmatamentos e perda de biodiversidade do Cerrado podem provocar a esse frágil ecossistema, além dos impactos sociais de possíveis acidentes com vazamento de vinhoto (resíduo final do processo de fabricação do açúcar que tem característica tóxica), preocupam os ambientalistas. Os principais temores são a contaminação de áreas de recarga do Aqüífero Guarani e acidentes com vinhoto nos rios do Pantanal. A Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, que acompanha as discussões, também observa o crescimento da indústria sucroalcooleira na Bacia do Paraná, e preocupa-se com a fragilidade nos instrumentos de controle. Mais urgente, segundo o promotor de Meio Ambiente Alexandre Raslan seria definir uma política de desenvolvimento sustentável para o Mato Grosso do Sul.

Fórum de Defesa do Pantanal

O grupo formado no início dos anos 80 para protestar contra a construção da Usina Bodoquena, no município pantaneiro de Miranda, voltou a se rearticular em 2003, quando o governo do estado mostrou interesse em mudar a Lei n° 328/82. Em 2005, o fórum coordenou uma campanha contra as usinas de álcool na bacia pantaneira e prepara para 2007 uma segunda fase, fortalecida com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Fundação SOS Mata Atlântica e Conservação Internacional do Brasil (CI). A idéia é dar amplitude internacional para a campanha.

Na opinião de um dos principais opositores às usinas sucroalcooleiras na Bacia do Alto Paraguai, o líder da bancada do PT na Assembléia Legislativa, deputado Pedro Kemp, “é preciso questionar esse tipo de desenvolvimento porque usina de álcool também significa trabalho em condições sub-humanas”. Kemp considerou o projeto de lei do deputado Dagoberto “um insulto apresentado menos de um ano após a mobilização da sociedade contra as usinas no Pantanal”. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, deputado Onevan de Matos, é do mesmo partido (PDT) que o colega Dagoberto, mas declara irritado: “não se admite a expansão das usinas já existentes na bacia! Aliás, quando foi criada a lei 328/82, foi ressalvada a existência e permanência destas usinas, mas sem que elas pudessem ampliar suas atividades!”.

Outro membro do mesmo partido, o deputado Ary Rigo, também é contra o projeto de Nogueira Filho e quer colocar em pauta no início de 2007 a discussão sobre os impactos das usinas sucroalcooleiras na Bacia do Paraná e as carvoarias ilegais que operam no estado. “Numa reportagem que li, apenas um grupo empresarial quer plantar 200 mil hectares de cana-de-açúcar no município de Naviraí, isto é extremamente preocupante porque a monocultura da cana é tão prejudicial quanto um desastre com o vinhoto”, declara Rigo. Um projeto de lei de sua autoria que tramita na assembléia tira créditos fiscais de usinas sucroalcooleiras que se instalarem num raio de menos de 40 quilômetros de distância de outro empreendimento de mesma atividade. Rigo também propõe limitar em 10% a área agricultável de cana-de-açúcar em MS e realizar as queimadas do bagaço da cana 20 quilômetros afastada de cidades e povoados.

As usinas na Bacia do Paraná

Com o crescimento da demanda pelo álcool no mundo e incentivos fiscais em Mato Grosso do Sul através do programa MS Empreendedor, investir neste setor ou arrendar pasto ou lavouras para plantio de cana-de-açúcar tornou-se atrativo para muitos empresários e proprietários de terras. Enquanto é proibida a instalação ou ampliação de usinas na Bacia do Alto Paraguai, na outra bacia hidrográfica do estado, a do rio Paraná, 11 indústrias já funcionam em 10 municípios, duas delas foram inauguradas em 2006. Segundo a Secretaria de Estado de Produção e Turismo (Seprotur), as usinas plantam mais de 146 mil hectares de cana-de-açúcar no estado, geram 16 mil empregos diretos e 64 mil indiretos, além de terem investido mais de meio bilhão de reais.

Dos 38 pedidos para obtenção de incentivos fiscais feitos ao Conselho de Desenvolvimento Industrial do Estado (CDI), ligado à Seprotur, 16 já foram aprovados. Se todas as 38 usinas forem construídas, a Secretaria de Produção estima que a área de plantio de cana-de-açúcar passe de 146 mil para mais de 920 mil hectares. De opinião diferente à do deputado Dagoberto Nogueira Filho (que já ocupou a gestão da Seprotur), o secretário de Produção e Turismo, João Cavalléro, é contrário a instalação das usinas e de plantações de cana-de-açúcar na bacia pantaneira. “Essa região tem baixa fertilidade do solo, não tem logística para escoamento da produção e tais empreendimentos trariam impactos ambientais negativos”, afirma, ressaltando que é necessário desenvolver a região pantaneira “com atividades econômicas apropriadas, como o turismo ecologicamente correto”. Ainda assim, o mato Grosso do Sul estimula o aumento das áreas de plantio de cana-de-açúcar priorizando recursos ou facilitando acesso ao Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO).















A União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única) estima que a produção da cana-de-açúcar aumentará cerca de 55% durante os próximos seis anos no Brasil. A produção de álcool deve subir de 14 bilhões para 27 bilhões de litros neste período. Com a alta do petróleo e políticas de países desenvolvidos que estimulam o uso de combustíveis alternativos, a demanda por álcool deve crescer ainda mais para o nosso pais, que já é líder mundial, junto aos Estados Unidos, na produção sucroalcooleira. Os principais compradores do álcool brasileiro são Índia, Japão, Holanda, Suécia e Estados Unidos, segundo o Instituto de Economia Agrícola. Aproveitando a onda, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) injetou este ano R$ 1,5 bilhão em novas destilarias no Brasil, financiando até 90% dos custos, e ajudando a implantar 98 novas usinas em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais e São Paulo.

* Allison Ishy é jornalista no Mato Grosso do Sul.

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