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Do Proalcool ao Biodiesel: a história se repete

Produzir óleo diesel com plantas até que é uma boa idéia. Ruins são os antecedentes do Proalcool.

19 de agosto de 2004 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

A idéia de produzir um óleo diesel de combustão limpa, a partir de plantas, não é nova. Mas nos últimos dois anos ela ganhou a força de uma avalanche em montanha. Químicos, agrônomos, economistas, políticos e até empresários anunciam em publicações, eventos, comissões parlamentares e, claro, especialmente na imprensa, as quase mágicas virtudes de produzir um novo combustível com as plantas cultivadas ou silvestres mais diversas. Louvam-se as enormes reduções, reais ou supostas, de emissões de dióxido de carbono e de enxofre que poder-se-ia alcançar popularizando este combustível. Também se argumenta que a produção do biodiesel seria sustentável, devido ao fato que as plantas são renováveis e, claro, que o Brasil é muito grande e que tem muita terra disponível.

A realidade é que o programa constitui uma nova ameaça para a natureza do Brasil, em especial para suas regiões Norte e Centro Oeste, onde o avanço da soja e outros cultivos sobre as florestas já é preocupação nacional.

O paralelo da gênesis do projeto Biodiesel com a história do Proalcool é evidente. Tanto num como noutro, pouco se analisou um ângulo muito importante da proposta: seu impacto ambiental e social nos ecossistemas onde será cultivada ou extraída a matéria prima. Hoje, todos sabem, ou pelo menos deveriam saber, que o Proalcool foi possivelmente o principal fator de eliminação da Mata Atlântica no Nordeste e em estados como São Paulo, reduzindo ainda mais a tão prestigiada, embora descuidada, biodiversidade dessas regiões. As inegáveis virtudes ambientais, essencialmente urbanas, do álcool combustível frente à gasolina devem ser contrastadas ou comparadas com os impactos ambientais e sociais negativos do cultivo da cana de açúcar. Estes não se limitam, por certo, ao desmatamento e à perda de biodiversidade.

Os plantios de cana de açúcar também têm gerado enormes processos erosivos. Contaminam com agroquímicos o lençol freático, reduzem a disponibilidade de terra para produção de alimentos e perpetuam formas imorais de exploração do trabalhador rural. Tampouco se levou em conta, no balanço de benefícios e prejuízos, que o cultivo de cana em grandes extensões e a eliminação e queima das matas ou florestas e dos resíduos das coleta também contribuem para o aquecimento global. As usinas de álcool são famosas pelo envenenamento dos rios e lagos com o vinhoto, que até hoje muitas empresas lançam no seu entorno, sem qualquer controle. E, isso de que “tem terra sobrando no país”, é apenas uma meia verdade, como o Movimento dos Sem Terra e as invasões nos territórios indígenas e nas unidades de conservação lembram a cada dia.

É muito curioso observar como os que glorificam o Proalcool omitem, de forma tão evidentemente parcial, o lado obscuro do programa. Apenas se tem criticado seus aspectos econômicos. Até onde parece, nem sequer o meio acadêmico tem analisado seriamente seus impactos ambientais e sociais. Quiçá por esse motivo é que, agora que se está executando o projeto Biodiesel, até as autoridades ambientais parecem achar que a proposta é 100% ambientalmente saudável. Os mesmos argumentos lançados há mais de três décadas para o Proalcool estão sendo utilizados hoje para o Biodiesel e, até agora, nunca foi explicado aos políticos e ao público em geral, qual será o verdadeiro custo ambiental e social, e em conseqüência econômico, desta nova iniciativa. A realidade é que o programa constitui uma nova ameaça para a natureza do Brasil, em especial para suas regiões Norte e Centro Oeste, onde o avanço da soja e outros cultivos sobre as florestas já é preocupação nacional.

É apropriado lembrar que o Governador do Mato Grosso – coincidentemente o maior produtor nacional de soja – exige a eliminação do Parque Estadual do Xingu, precisamente para expandir a agricultura intensiva. O biodiesel pode ser fabricado a partir de girassol, algodão, soja, amendoim, mamona, e colza, entre muitas outras plantas e, vários destes cultivos, como o algodão, são ainda mais exigentes em pesticidas e outros agroquímicos que a cana de açúcar. Na Amazônia, até se sugere utilizar plantas nativas da floresta, incluindo algumas que são raras.

Esta nota não pretende propor, nem sequer insinuar, que o projeto do Biodiesel deva ser abandonado. Apenas se demanda que antes de promover o projeto como paradigma ou solução mágica, a opinião publica seja informada da realidade completa, sem ocultar uma parte tão importante. É indispensável que o projeto seja objeto de uma avaliação ambiental e social estratégica, que permita aos tomadores de decisão e ao povo saber seus prós e contras para que se tomem as medidas para atenuar seus impactos negativos.

*Esse texto foi editado em 31/05/2024 para repaginação

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