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Morte e vida do automóvel elétrico

Carros à eletricidade ressurgem das cinzas e podem ocupar espaço de veículos tradicionais. Modelo prometido para 2010 terá emissão zero de poluentes, na maioria do tempo.

24 de novembro de 2008 · 15 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Este ano, a General Motors anunciou planos para um carro elétrico revolucionário, o Chevy Volt. Justamente quando seus erros passados combinados com a crise atual ameaçam riscá-la do mapa. Aquela que já foi a maior empresa do mundo parece estar com seus dias contados. Seus críticos provavelmente considerarão esse fim justo. Segundo eles, a GM foi uma das responsáveis pela morte do carro elétrico na sua primeira encarnação.

Previsto para ser lançado em 2010, o novo modelo da GM é uma nova forma de carro híbrido. Enquanto o sistema de propulsão de modelos já no mercado, como o Prius, da Toyota, usa energia elétrica ou gasolina, o Chevy Volt é movido exclusivamente pela primeira. Quando suas baterias estão completas, ele tem uma autonomia de 64 km, suficiente para dar conta do uso diário da maioria dos usuários. Assim, na maior parte do tempo, o Volt é um veículo de emissão zero. Mas quando a capacidade das baterias se aproxima do fim, um gerador à gasolina, que usa um pequeno motor de três cilindros, é acionado para recarregá-las. Com essa ajuda, o Volt passa a ter autonomia de fantásticos 1.030 km, eliminando um dos principais entraves a popularização dos carros elétricos: o pequeno alcance combinado com a demora da recarga.

Mas o Volt não é o primeiro carro elétrico da GM. Esse é o tema do documentário Quem matou o carro elétrico, do diretor Chris Paine. Um longo e lento cortejo, com um daqueles enormes e pretos carros funerários americanos, abre o filme. A cena é sarcasmo puro. Trata-se do enterro simbólico do EV-1,  o primeiro e pouco conhecido carro elétrico da GM, que rodou livremente em ruas e estradas californianas entre 1996 e 2003. O EV-1 foi produzido em pequena escala e jamais vendido, apenas alugado. Mas produziu um pequeno e aguerrido séquito de adoradores, que fizeram tudo ao seu alcance para impedir o seu ocaso.

Tratava-se de um projeto experimental motivado por uma nova lei da Califórnia (Estados Unidos), a qual obrigava um percentual mínimo de veículos do tipo emissão zero no estado. Previa também que, ao longo do tempo, esse percentual cresceria. Como a Califórnia é um enorme mercado, GM e outras, como Toyota e Honda, apressaram-se a produzir modelos elétricos, a única opção viável para se adequar à regulação. Ao mesmo tempo em que tentavam se adaptar, as montadoras, unidas a companhias de petróleo e ao próprio governo federal travaram uma luta feroz contra a nova lei, que acabou caindo. Quando isso aconteceu, morreu também o EV-1, retirado das ruas e, em seguida, reduzido a sucata pela própria GM. Restaram apenas alguns exemplares doados a museus e universidades.

A controvérsia sobre quem matou o EV-1 é grande. O filme faz – literalmente – um julgamento dos principais participantes da disputa. Condena o governo do estado (por ceder ao lobby de opositores), os consumidores (por desejarem a comodidade da gasolina) e a pressão das montadoras e seus aliados. Por outro lado, absolve a tecnologia. O EV-1 era totalmente elétrico e tinha uma suposta autonomia de 200 km. Suas baterias deviam durar 3 anos e a manutenção ser fácil e barata. A GM, por sua vez, diz que o carro era caro e poucos consumidores queriam pagar seu alto preço e a inconveniência do “tanque” pequeno, que levava horas para ser recarregado. Pode-se gastar horas na internet pesquisando a discussão. Num dos fóruns disponíveis, um engenheiro da GM, participante do projeto, critica a visão romântica sobre o EV-1:

“A GM perdeu dois bilhões na empreitada e em cada carro produzido. O aluguel não cobria nem o custo de manutenção do EV1. A autonomia de 200 km era fictícia. Ninguém conseguia isso em condições normais de uso. Bastava ligar o ar-condicionado ou o aquecimento para ser reduzida à metade. Mesmo ligar os faróis já cortava 10% (…) a recarga doméstica levava oito horas (…) as baterias de NiMH que, em tese, duravam três anos estavam falhando após seis meses de uso (…)”

Mas, controvérsia à parte, os carros elétricos estão voltando. Além do preço do petróleo ter estado nas alturas, nos últimos anos a preocupação com o efeito estufa decolou. A lista de novos modelos anunciados pelas montadoras ou fabricantes artesanais é longa. Abaixo vão alguns exemplos:

  • Modelos apresentados recentemente em Paris
  • O super esportivo Tesla
  • Para quem gosta de visual futurístico, eis o Aptera, mais parecido com um avião e dono do menor coeficiente de arrasto já visto. Será lançado ainda esse ano
  • Vintage? Dê uma olhada no Linc Volt
  • Compacto? Você vai querer um Mini Cooper elétrico

A ruína espreita a indústria automobilística americana. As três grandes, Ford, GM e Chrysler, estão por um fio. Merecem, passaram a existência atiçando o apetite do consumidor de carros beberrões. Sempre que precisaram, bateram as portas do governo para pedir dinheiro ou proteção contra os concorrentes estrangeiros. A GM está tecnicamente falida. A única escapatória seria uma injeção de dinheiro do governo americano. Mesmo isso, provavelmente só atrasará o seu fim ou reestruturação radical.

Quanto às notícias da morte do carro elétrico… Felizmente, elas foram bastante exageradas.

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