Análises

O Código Florestal e as Zonas Urbanas

O Código Florestal só devia valer para áreas rurais. Nas cidades, prejudica projetos de desenvolvimento e expansão urbana, por isso seu uso requer bom senso.

Ronald Pietre ·
14 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás

1. Introdução

A Constituição Federal (CF) de 1988 foi um grande marco na ordem jurídica brasileira. Antes dela, o Poder Judiciário ficava restrito, basicamente, ao julgamento das causas envolvendo interesses de particulares. Existiam demandas coletivas, mas eram poucas. Após a sua promulgação, em todo o país, surgiram muitas ações discutindo problemas de interesse da coletividade. Saúde, meio ambiente, educação, patrimônio histórico, etc. passaram a ser temas constantes nos processos judiciais.

Contemplando o Ministério Público com a função institucional de promover o inquérito civil e a ação civil pública, a Constituinte de 88 permitiu que os interesses da sociedade fossem defendidos por um órgão que não tivesse qualquer vinculação com o administrador público. A independência da instituição ministerial e as suas novas atribuições institucionais, previstas no art. 129 da CF, foram os grandes fatores para o surgimento de inúmeras demandas.

A defesa do meio ambiente passou a ser constante. Desastres ecológicos receberam a devida atenção. O vazamento de mais de um milhão de litros de óleo na Baía da Guanabara, em janeiro de 2000, rendeu várias ações civis públicas. Além da recomposição ambiental, o sustento dos que dependiam da pesca para sobreviver foi levado em consideração nos litígios.

Em 1999, tive a satisfação de testemunhar uma bela parceria feita entre o Ministério Público e o município de Areal (RJ), com o objetivo de defender a saúde de milhares de pessoas e o meio ambiente. Um município vizinho pretendia instalar um aterro sanitário bem próximo à divisa com Areal, em um terreno onde passavam cursos d’água que desembocavam na represa que abastecia a cidade. Havia um grande risco de contaminação dessa represa com chorume. Para quem não sabe, chorume é um líquido fétido e altamente rico em substâncias orgânicas, que escoa dos aterros sanitários durante as fortes chuvas. Na hipótese de uma contaminação, uma tragédia sanitária poderia acontecer. A possibilidade era muito grande. Milhares de pessoas adoeceriam, não se podendo descartar possíveis óbitos de crianças e idosos. Apesar da autorização concedida pelo Ibama, esse aterro sanitário não chegou a ser implantado. Graças à ação civil pública, a saúde da população arealense e o meio ambiente foram preservados.

Abusos e exageros na defesa do meio ambiente passaram a acontecer, prejudicando o progresso econômico e social. Inúmeros casos tramitam no Judiciário. Alguns com sérias conseqüências para a coletividade. Sobre esse tema, me limito a transcrever os lúcidos comentários de Marc Dourojeanni, ambientalista e professor universitário (Peru), no artigo “Em nome da ecologia”, veiculado aqui em O Eco, onde coloca que

nem todos os casos de abuso do nome da ecologia são minúcias. Um amplo trecho da estrada entre São Paulo e Curitiba foi paralisado por mais de um ano porque o trajeto por onde ia passar a estrada aninhava um casal de uma espécie de papagaio raro, ainda que não estivesse em perigo de extinção. Existiam, sem dúvida, várias alternativas “ecológicas” para esse problema, que teriam evitado o adiamento da obra. Muito pior é o caso de outro trecho dessa mesma estrada que não foi duplicado até hoje porque a proprietária do setor afetado alegou que sua terra era “Mata Atlântica”. Suas queixas chegaram até o Imperador do Japão e, definitivamente, conseguiram impedir a obra. Qualquer visita a essa propriedade evidenciava que ela não tinha nenhuma importância ambiental nem valor “ecológico”, sendo sua vegetação essencialmente formada por espécies florestais exóticas, frutíferas e ornamentais. A proprietária, o que merece respeito, lutava muito bravamente por defender seu negócio e sua terra. O que não foi tão respeitável foi o apoio inapropriado que ela recebeu de alguns ambientalistas famosos que nunca visitaram o local, do Ministério Público e até da Justiça. Nesses anos todos, esse trecho não duplicado da estrada cobrou dezenas de vidas humanas e ocasionou prejuízos econômicos incalculáveis.

Por causa disso, a legislação ambiental deve ser interpretada com bastante técnica e razoabilidade, tudo por causa de um território nacional de dimensão continental, com biodiversidades infinitas, sem perder a ótica do desenvolvimento sustentável.

2. Código Florestal e sua aplicação nas zonas urbana e rural

Visando resguardar ou recompor a vegetação existente em áreas urbanas, ações civis públicas são ajuizadas com base no art 2º do Código Florestal (Lei 4.771/65). Essa norma considera como de “preservação permanente” a vegetação existente nas faixas marginais dos rios (matas ciliares), ao redor das lagoas, no topo de morros, nas encostas com declividade superior a 45º, etc.

Trata-se de um grande equívoco, pois esse diploma legal é de nítida aplicação nas zonas rurais. O meio ambiente é de vital importância, mas não se pode defendê-lo ignorando a legislação vigente ou interpretando-a de forma errada.

Sem examinar o conteúdo da Lei 4.771/65, poder-se-ia afirmar que ela não teria aplicação no âmbito urbano. Essa colocação seria feita apenas com base no seu nome: “Código Florestal”. Pelo simples nome do diploma legal, a sua incidência ficaria afastada em relação às zonas urbanas, já que não se poderia aplicar na cidade uma lei destinada à floresta. Entretanto, a situação não é essa, como será abordado a seguir.

O Código Florestal possui cinqüenta artigos. Algumas normas são de expressa aplicação nas zonas rurais. O art. 16 (alterado pela Medida Provisória 2.166-67/01) é um exemplo. Nele aparece uma “reserva legal”, na hipótese de supressão de florestas, apresentando quatro incisos, onde em todos eles consta a expressão “propriedade rural”.

Outras normas não fazem qualquer distinção entre áreas rural ou urbana. No art. 7º consta que pode ser “declarada imune de corte” uma árvore, em virtude de sua “localização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes”. A norma não faz distinção da área de aplicação, tendo ela uma importância muito maior no meio urbano do que no rural, principalmente se valorarmos a educação ambiental e a estética paisagística das cidades.

Com intuito de proteger as matas ciliares, o art. 2º do Código Florestal considera a faixa marginal dos rios como área de preservação permanente. Para um rio com até dez metros de largura, exige-se uma faixa marginal de trinta metros. Sendo a largura superior a dez metros, a faixa marginal será maior. Praticamente impossível exigir a observância dessa faixa marginal dentro de uma área urbana, sem prejudicar a expansão das cidades.

Além das faixas marginais, também são consideradas como áreas de preservação permanente, a título de exemplo, os topos de morros e encostas com declividade superior a 45°. Em qualquer cidade do nosso país existem construções nos topos de morros e nas encostas com declividade superior à indicada. Fato comum e corriqueiro.

A correta hermenêutica do art. 2º do Código Florestal é a que restringe a sua aplicação apenas no âmbito rural, como se infere da redação do seu parágrafo único: “No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.

Esse parágrafo único é taxativo ao colocar que “no caso de áreas urbanas”, será observada a legislação municipal. Consta na parte final do parágrafo único a expressão “respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”. O que seriam esses “princípios e limites”? Estaria o legislador municipal obrigado a repetir as mesmas disposições normativas existentes nas alíneas do art. 2º do Código Florestal? Claro que não. Se fosse assim, não haveria necessidade do próprio parágrafo único.

A expressão “princípios e limites” é de conteúdo programático, servindo apenas como diretriz a ser observada pelo legislador municipal. Na hipótese de pretender indicar as mesmas áreas do art. 2º como de preservação permanente, a lei municipal não poderá ser mais rigorosa que o Código Florestal, em virtude dos “limites” fixados na norma.

Os comentários sobre o art. 2º do Código Florestal, feitos pelos promotores de justiça de São Paulo, Ronald Vitor Romero Magri e Ana Lucia Moreira Borges, são bastante apropriados: “Por conseguinte, a expressão “limites” apenas pode significar que a lei municipal não pode fixar padrões mais rigorosos do que os contidos na lei federal, que constitui, por assim dizer, o seu teto. Esse critério visaria assegurar que não fosse a propriedade urbana mais onerada que a rural, pelas restrições impostas à sua utilização em prol da preservação ambiental.” … “No espaço urbano, mais exíguo, muito mais caro e geralmente já alterado de forma irreversível, os elementos naturais se integram como dados da paisagem, muito mais do que como reservas biológicas ou instrumentos de proteção do solo e das águas, de resto usualmente ocupados por equipamentos artificiais” (“Vegetação de Preservação Permanente e Área Urbana – uma interpretação do art. 2º do Código Florestal”, Revista de Direito Ambiental, nº 2, pág. 75, RT).

A inaplicabilidade do Código Florestal nas zonas urbanas é reconhecida até mesmo por ambientalistas. Paulo Bessa, advogado e colunista de O Eco, no artigo “Código Florestal nas cidades” afirma que é

necessário entender a finalidade do Código Florestal. Elaborado em 1965, ele tem por finalidade definir instrumentos para o desenvolvimento florestal e a produção industrial de madeira. A proteção do solo, na ótica do Código Florestal, está dentro do contexto do desenvolvimento florestal. Não por acaso, o Código está vinculado à criação do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, extinto com a criação do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. O Código, portanto, é um instrumento de promoção do desenvolvimento. À falta de outros instrumentos, a sua utilização em áreas urbanas foi se tornando cada vez mais freqüente e rotineira. Fato é, contudo, que o Código Florestal não é o instrumento jurídico mais apropriado para a proteção do ambiente urbano, pois dada a sua generalidade e vocação industrial, não é capaz de intervir adequadamente na vida urbana em questões tais como arborização, ocupação de encostas e outras.

Se a legislação florestal fosse também aplicada no âmbito urbano, poder-se-ia muito bem dizer que todas as administrações públicas existentes no país, desde 1965, vêm ignorando solenemente o art. 2º do Código Florestal.

3. A incompatibilidade com a diretriz urbanizatória da Constituição

A faixa marginal de um rio é uma questão bem delicada. Na área urbana, não se pode considerar como de preservação permanente uma faixa marginal de trinta metros. A exigüidade do espaço impede. O simples acatamento dos ditames do Código Florestal, por si só, inviabiliza qualquer projeto de ocupação ordenada do solo urbano.

O caput e as alíneas do art. 2º do Código Florestal só podem ser aplicados nas zonas rurais, sob pena de se negar vigência ao art. 182 da Constituição Federal: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Sendo o desenvolvimento urbano da competência do município, impossível admitir que uma lei federal enumere, como áreas de preservação permanente, grande parte desse território, principalmente se levarmos em consideração determinadas topografias de muitos municípios, o que comprometeria qualquer projeto urbanizatório. Em várias cidades, muitas residências estão instaladas nas encostas. No Rio de Janeiro, encostas com declividade superior a 45º abrigam favelas e casas de pessoas abastadas economicamente.

O plano diretor é de fundamental importância na política urbanizatória, a ponto de o constituinte tê-lo colocado como obrigatório para a maioria das cidades: “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” (§ 1º do art. 182 da CF).

Hely Lopes Meireles coloca que o plano diretor “deve ser a expressão das aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É um instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda a atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade” (Direito Municipal Brasileiro, 10ª Edição, pág. 404, Malheiros Editores).

Se fosse intenção do legislador federal indicar no âmbito urbano áreas como de preservação permanente, assim o teria feito quando do surgimento do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01).

Essa lei, ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, traçou normas gerais para a execução da política urbana. A redação do parágrafo único do art. 1º é bem clara: “Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.

O legislador federal não se esqueceu do meio ambiente. No primeiro artigo da lei fez-se expressa referência ao “equilíbrio ambiental”. Entretanto, analisando o restante do Estatuto da Cidade, não se encontra qualquer norma que indique ou especifique determinada área sujeita à proteção ambiental. Omissão do legislador? Esquecimento? Ou será que o legislador pretendeu deixar tal tarefa sob a responsabilidade dos estados e municípios, os quais também detêm competência legislativa em matéria ambiental?

Sobre a questão do zoneamento urbano, mais uma vez devem ser colacionados os ensinamentos do saudoso Hely Lopes Meirelles: “A delimitação da zona urbana ou perímetro urbano deve ser feita por lei municipal, tanto para fins urbanísticos como para efeitos tributários (…) Promulgada a lei municipal instituidora ou ampliadora da zona urbana, a prefeitura deverá enviar seu texto integral ao INCRA, para a cessação de sua jurisdição sobre a nova área urbana e transferência da competência impositiva federal (ITR) para a municipal (IPTU), incidente sobre o terreno e respectivas construções” (Ob. cit., pág. 409).

Todas essas circunstâncias demonstram, claramente, a importância do plano diretor na ocupação do espaço urbano, o qual não pode sofrer interferência de uma lei de 1965, conhecida como “Código Florestal”, que é de aplicação restrita nas zonas rurais, em sua grande parte. A observância do plano diretor decorre de imperativo constitucional, como garantia de uma democrática política de expansão urbana.

O Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro já se posicionou sobre o tema, em decisão unânime da Oitava Câmara Cível, no julgamento da Apelação nº 2005.001.03231, em 23/08/05, sob a relatoria da Desembargadora Helena Bekhor: “Administrativo. Concessão de alvará pelo Município. Ação civil pública. Alegação de danos em área de proteção ambiental, mediante realização de aterro, com corte de vegetação, nas margens do rio Piabanha. Sentença de improcedência que se confirma, por seus próprios fundamentos, assinalando estarem restritas as normas do Código Florestal às zonas rurais”.

No seu voto, a relatora foi bastante enfática: “Improcede a interpretação extensiva que o apelante confere ao art. 2º do Código Florestal (Lei 4.771/65), cuja acolhida conduziria à própria inutilidade da lei municipal que disciplina a matéria, como salientado na motivação da sentença, às fls. 298, além de confrontar-se com a política de urbanização, que tem suas diretrizes traçadas nos arts. 182, incisos e parágrafos e 183 da Constituição Federal”.

Levando-se em consideração a redação do parágrafo único do art. 2º do Código Florestal, os preceitos da Carta de 88 e o Estatuto da Cidade, forçoso é o reconhecimento de que essa norma só pode ser aplicada nas zonas rurais.

4. A inconstitucionalidade de dispositivos do Código Florestal

Como se não bastasse tudo isso, deve-se observar que a disciplina legal existente no Código Florestal, relativa ao tamanho da faixa marginal dos rios, contraria a Constituição Federal. A Lei Federal 7.803/89, que alterou a redação da alínea “a” do art. 2º do Código Florestal, acrescentando os itens “1” a “5”, é manifestamente inconstitucional, já que extrapola a competência legislativa fixada na Carta.

O art. 22 da CF não concedeu à União a competência privativa para legislar em matéria ambiental. Apesar da redação do caput: “Compete privativamente à União legislar sobre:”, não aparece o meio ambiente em qualquer dos incisos desse artigo. A Carta de 88 estendeu essa competência legislativa ambiental a todos os entes federativos e fixou suas regras.

No caput do art. 24 consta que a União e os estados possuem competência para “legislar concorrentemente” em matéria ambiental (inc. VI), mas no parág. 1º esclarece que “a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”.

Aos estados compete estabelecer normas específicas em matéria ambiental. As normas gerais ficam com a competência da União, por expressa disposição constitucional (§1º, do art. 24).

O município também possui competência legislativa em matéria de meio ambiente. A proteção ambiental que se encontra no inc. VI, do art. 23 da CF, deve ser encarada como uma competência legislativa para o município. Principio da legalidade. A administração não pode agir sem lei autorizando.

Sendo os estados e municípios detentores de competência legislativa em matéria ambiental, torna-se patente a inconstitucionalidade da Lei 7.803/89, que incluiu os itens “1” a “5”, na alínea “a”, do art. 2º do Código Florestal, já que elas não são “normas gerais”, nos termos do parágrafo 1º, do art. 24 da Constituição Federal, enveredando-se sobre a competência legislativa estadual e municipal, traçada na Constituição. Registre-se que a inconstitucionalidade é só dos itens. A alínea “a”, o caput do art. 2º e as demais alíneas, não possuem qualquer nódoa de inconstitucionalidade. Normas válidas, mas de aplicação restrita nas zonas rurais.

Não se pode admitir que a delimitação do tamanho das faixas marginais de um rio seja feita por lei federal, pois a norma incidiria em todos os rios existentes no Brasil, o que seria uma temeridade. Esse dispositivo da legislação florestal não pode ser aplicado uniformemente no território nacional. A bacia hidrográfica do Rio Amazonas possui um ecossistema completamente diferente dos existentes nas bacias do São Francisco, Tietê e Piabanha.

A proteção ambiental tem que ser específica e individualizada, devendo o tamanho da faixa marginal dos rios ficar sob a responsabilidade do legislador estadual, o qual levará em consideração as necessidades da região, sendo que as normas por ele criadas ficarão restritas nas zonas rurais. Lei federal diz que as faixas marginais são de preservação permanente (art. 2º do Código Florestal), deixando aos estados a especificação do seu tamanho.

Com relação às zonas urbanas dos municípios, nada impede que uma lei local também considere as faixas marginais dos rios como de preservação permanente. Tudo vai depender do legislador municipal.

Petrópolis é um bom exemplo. A lei municipal não coloca as margens dos rios que cortam o centro urbano como de preservação permanente. Não se poderia esperar outra atitude do legislador, pois as principais ruas acompanham o traçado dos rios, desde o surgimento da cidade. A Lei Orgânica do Município (art. 170, §5º), menciona apenas uma faixa marginal de onze metros como “área não edificável”, “reservando-se ao Município a prioridade para a construção de vias de acesso nessas áreas”. Isso não é sinônimo de proteção ambiental. Áreas “não edificáveis” e de “preservação permanente” são coisas completamente distintas. Principalmente quando lei municipal permite que nelas se construam vias de acesso.

Cada região do nosso país exige normas específicas sobre a questão ambiental, de acordo com as suas peculiaridades locais. A delimitação do tamanho da faixa marginal não pode ser fixada de forma uniforme para um território nacional de dimensão continental. Assim quis o constituinte de 1988, ao colocar que a competência da União seria apenas com relação às normas gerais.

5. Conclusão

O Código Florestal é um diploma legal de grande importância para a preservação do meio ambiente, mas sua utilização tem que ser feita com técnica e bom senso. A aplicação do seu art. 2º nas zonas urbanas prejudica qualquer projeto de desenvolvimento e de expansão urbana, conflitando com os interesses da sociedade.

As faixas marginais de um rio são de grande importância ambiental, devendo-se relembrar a sua contribuição para o progresso. A história universal registra que as civilizações surgiram ao longo dos rios. Após as cheias do rio Nilo, a população utilizava-se do solo úmido das margens para a agricultura. Esse simples aproveitamento dos recursos naturais era a prova de uma inconsciente preocupação ambiental.

A utilização do Código Florestal nas cidades inviabiliza as diretrizes de urbanização consolidadas na Constituição Federal, prejudicando um desenvolvimento sustentável. A maior defesa do meio ambiente é o respeito à legislação vigente.

  • Ronald Pietre

    Ronald Pietre é Juiz de Direito, titular da 2a. Vara Cível do Foro Regional de Itaipava (Comarca de Petrópolis) e professor d...

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