O Instituto Chico Mendesnem nem precisou ficar pronto para mostrar a que veio. Acaba de franquear nada menos de doze unidades de conservação na Amazônia aos batedores da Empresa de Pesquisa Energética. Com esse gesto de largueza, o Ministério do Meio Ambiente mostra o quanto apoia o Plano de Aceleração do Crescimento, abrindo a prospecção do potencial hidrelétrico até nas áreas de proteção integral das bacias dos rios Trombetas, Aripuanã, Juruena, Sucurundi, Branco e Jari.
As licenças concedidas em tempo recorde pelos novos encarregados de administrar a Conservação da Biodiversidade no país incluem, por exemplo, o Parque Nacional do Juruena, a Estação Ecológica de Iquê, a Reserva Biológica do Trombetas e a Floresta Nacional de Saracá-Taquera. Não fazem discriminação entre modelos mais ou menos estritos de reservas. Coube tudo no mesmo pacote.
Nova marca
A pressa que embaralhou as reservas leva a marca da nova burocracia ambiental. Antes, ela podia ser muito ruim. Mas, pelo menos, não tentava se mostrar tão boazinha. O pedido da Empresa de Pesquisa Energética chegou ao governo em janeiro, quando o assunto ainda estava nas mãos do Ibama e ministra Marina Silva começava a ensaiar uma espécie de resistência à invasão da Amazônia pelo PAC, a partir do rio Madeira. Depois, num despacho com presidente Lula, ela trocou os pruridos pelas prioridades oficiais e ganhou de premio o Instituo Chico Mendes. Criado por medida provisória, ele foi a primeira obra do programa a sair do papel.
E eis o instituto, mostrando que as coisas efetivamente começaram a se mexer no Ministério do Meio Ambiente como queria o Palácio do Planalto. Sem o Chico Mendes, remanchava-se. O ofício 061/2007 chegou ao diretor de Ecossistema do Ibama em janeiro. No papel, o diretor de Estudos de Energia Elétrica da empresa de pesquisa, José Carlos Miranda, pedia ao diretor de Ecossistemas do Ibama, Marcelo Bastos Françoso, que franqueasse a bacia do Trombetas ao “planejamento geral do setor elétrico nacional”. Quem sabe o que isso quer dizer traduz o pedido como “abertura de picadas e clareiras, colocação de marcos e réguas de medição, instalação de postos fluviométricos e sedimentométricas, além de sondagens geológicas”.
Isso é o mínimo. O máximo, todo mundo sabe qual é, num país que três décadas atrás, para o desgosto da geração de militantes que agora está no poder, afundou o Parque Nacional de Sete Quedas na represa de Itaipu. Essas coisas pareciam acontecer naquele tempo porque o regime era militar. No atual regime civil, como costuma afirmar a ministra Marina Silva, funciona uma tal de “transversalidade”.
O Ibama recebeu aquele primeiro ofício com um pé atrás. Alegou a pesquisa que não interessava às unidades de proteção integral. E cobrou dos responsáveis os detalhes sobre trabalho de campo que pretendia fazer nas reservas. Podia ser só para ganhar tempo. Mas a empresa nem lhe respondeu.
Preferiu o atalho aberto pelo Instituto Chico Mendes. Em ritmo de PAC, o diretor de Unidades de Conservação do novo instituto, João Paulo Capobianco, recebeu no dia 13 de julho o ofício 1167/2007, reiterando a solicitação. Aliás, cobriu-lhe urgência na aprovação de licençar para atuar em doze unidades de conservação na Amazônia, invocando os pedidos feitos em oito ofícios, um deles – o do rio Branco – datado da véspera. “Temos um prazo para concluir os trabalhos que inclusive estão contemplados e acompanhados no Plano de Aceleração do Crescimento”, dizia o diretor de Estados José Carlos Miranda, que pelo visto, no caminho do PAC, não admite nem vírgula.
Diante da solidez irretorquível desse argumento técnico, a licença começou a sair no fim de julho, já em papel timbrado do Chico Mendes. Ele ainda não tem quadro de pessoal nem patrimônio próprio. Mas, no essencial, parece estar funcionando muito bem. Melhor, só piorando muito.
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