Em dezembro deste ano, quando governantes de 190 países iniciarem em Copenhague (Dinamarca) mais uma rodada de negociações da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, o mundo vai estar a espera de um novo acordo para a redução de gases de efeito estufa. Este encontro, contam ambientalistas e cientistas, será nossa última chance de evitarmos um desastre climático. Mas será mesmo possível atingir um consenso em Copenhague? Ou, ainda que metas ambiciosas sejam estabelecidas, quem garantirá seu cumprimento?
Levantar perguntas como essas pode parecer pessimismo, mas não para Mike Hulme, pesquisador da Universidade de East Anglia (UEA). Membro do IPCC (sigla em inglês do painel científico das Nações Unidas sobre alterações do clima) e fundador do renomado Centro Tyndall de Mudanças Climáticas, ele acaba de publicar um livro com o intrigante título Why we disagree about climate change, ou Por que divergimos sobre as mudanças climáticas, em tradução livre. Fruto de uma pesquisa aprofundada sobre a relação entre o ser humano e o clima do planeta, a obra de Hulme sustenta que o aquecimento global, além de um fenômeno físico, tornou-se uma construção cultural tão complexa que sua “natureza” tem gerado cada vez mais divergências.
“Meu livro não é um manifesto ou traz propostas para novas resoluções. Na verdade este é o meu ponto: eu acredito que nós jamais alcançaremos uma solução para a mudança climática. Existe simplesmente uma nova condição para se viver neste planeta”, argumenta Hulme, durante entrevista em seu escritório na escola de Ciências Ambientais da UEA. “Quando eu ouço as pessoas dizendo que precisamos alcançar um acordo em Copenhague, eu me pergunto como nós saberemos que temos um bom acordo, como vamos medir o nosso sucesso?”, continua.
O professor lembra que governos nunca trabalharam com políticas de tão longo prazo como as que agora são negociadas. Stalin, Mao ou Roosevelt tinham metas a serem atingidas em 5 anos. Mas Obama, Hu Jintao e (até) Lula estão falando em metas para 2020, 2050. O parlamento britânico, por exemplo, transformou em lei reduções de gases estufa para serem atingidas em 2060. Hulme, no entanto, acha que a agenda de estabelecer metas é apenas um artíficio político ou até mesmo retórico. “Eu não acredito que nós temos a capacidade social de manobrar ou redesenhar o planeta”, diz sem meias palavras.
Mais um capítulo
É bom frisar que Hulme não é um cético quanto à existência do aquecimento global. Ele reconhece os avanços feitos pelos seus colegas do IPCC no entendimento da “ciência dura” da concentração dos gases, do aumento do nível dos mares ou do derretimento das geleiras. “Minha visão é de que a mudança climática é apenas mais um capítulo da crescente influência do ser humano sobre o meio ambiente. Começamos alterando a natureza com o domínio do fogo, depois domesticando sementes e animais, depois poluindo nossas cidades e agora poluindo a atmosfera em uma escala global. A mudança climática é inevitável”, pontua.
Mas, uma vez a alteração no clima do planeta é inexorável, o que fazer? Simplesmente nos adaptar, afirma Hulme. Por exemplo, ondas de calor na Europa eram inimagináveis até 2003, quando temperaturas bem acima de 30 graus vitimaram centenas de idosos na França e no Reino Unido. A partir daquele momento, observa o pesquisador, os governos perceberam que deveriam ter um estratégia para lidar com o calor anormal durante o verão. Isso é adaptação. Aliás, alguns dos trechos mais interessantes do livro de Hulme mostram exatamente como o ser humano foi evoluindo sua concepção de que o clima é algo estável e lidando com as instabilidades. Os gregos acreditavam que não era possível para alguém nascido no Mediterrâneo viver nos trópicos, mas a era das navegações, muitos séculos depois, provou que sim, era possível aos europeus adaptarem-se.
Efeito Al Gore
É interessante entender, ao longo do livro de Hulme, a evolução da ciência do clima. O autor explica logo nos primeiros capítulos que foram necessários 70 anos para a comunidade científica internacional aceitar que a atividade humana pode de fato ter impacto sobre a atmosfera global. Durante este período, passamos de um estágio em que um cientista britânico (Guy Callendar) fazia cálculos nas suas horas vagas para tentar determinar qual é sensitividade climática do planeta, ou seja, o quanto a temperatura aumenta dobrando a concentração de Dióxido de Carbono (CO2) na atmosfera, para um momento em que temos um superstar como Al Gore difundindo mensagens sobre as catástrofes climáticas.
O catastrofismo sobre o aquecimento global é um tema que permeia todo o livro. Hulme afirma que filmes como “Uma verdade inconveniente” ou “O Dia depois de Amanhã” podem ter efeitos contraditórios sobre o público. Existe exagero nas mensagens destes filmes e ambos distorcem alguns dados científicos. Parte do público simplesmente passa a minimizar o problema quando as mensagens abusam da linguagem do desastre, argumenta o livro. A linguagem catastrófica, lembra o pesquisador, abriu um novo campo até mesmo para as religiões. Não são poucos os pregadores que relacionam o aquecimento global com uma vingança divina.
“As mudanças climáticas tornaram-se apenas uma nova forma de enquadrar nossas sociedades”, pondera Hulme. Ele cita uma série de exemplos: políticas de ajuda internacional de combate à pobreza passaram a ser políticas de adaptação; políticas de conservação florestal passaram a ser políticas de REDD ( mecanismo de redução de emissão por desmatamento), políticas econômicas passaram a ser um novo pacto verde. “Acho que a pergunta que temos que nos fazer não é “o que estamos fazendo pelas mudanças climáticas?”, mas sim “o que as mudanças climáticas estão fazendo por nós?”
Atalhos:
Leia o primeiro capítulo de Por que divergimos sobre a mudança climática (em inglês)
Página do professor Mike Hulme
Saiba mais:
Pedras no caminho de Copenhague
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