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Mega acidentes ambientais e irresponsabilidade geral

Tribunal desconsidera hipóteses de negligência e imprudência por omissão, deixando de responsabilizar penalmente empresas por grandes danos ambientais

13 de abril de 2016 · 9 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Incêndio em galpão com 30 mil toneladas de açúcar em Santa Adélia, no interior de São Paulo, provocou uma cachoeira de caramelo derretido que invade casas e polui um rio. Foto: Estadão/ O Progresso
Incêndio em galpão com 30 mil toneladas de açúcar em Santa Adélia (SP) provocou uma cachoeira de caramelo derretido que poluiu rios. Foto: O Progresso

Se tivesse de indicar um único consenso político nacional atualmente, eu apontaria o pacto em torno da irresponsabilidade ambiental.

Tomemos como exemplo um incêndio de grandes proporções em Santa Adélia, cidade do interior do estado de São Paulo, e que causou em outubro de 2013 a mortandade de cerca de mil e duzentos quilos de peixes na extensão do Rio São Domingos e treze mil quilos na do Rio Turvo, além de danos à saúde da população, que precisou ser levada a atendimento médico, em virtude da ocorrência de broncopneumonia.

Em laudo encartado aos autos do processo penal instaurado para responsabilização da empresa poluidora, o Sr. Perito concluiu que contribuíram “sobremaneira para ocorrência do mesmo (incêndio) as condições de segurança que constatamos estar operando a empresa. Pode ter havido falha de manutenção e, ainda, ocorrência não registrada provocada por alterações de projeto”.

No dia 9 de março de 2016, foi publicado o acórdão da 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinando o arquivamento do processo penal em curso em razão de inépcia da denúncia e a anulação do feito desde o seu início.

Numa época em que a ocorrência de mega-acidentes ambientais torna-se cada vez mais corriqueira em nosso país (tenhamos em conta os recentes acidentes em Mariana-MG e no porto de Santos-SP), jurisprudência nesse sentido é motivo de grande preocupação.

Constituição

“A novidade introduzida pelo ordenamento constitucional de 1988 era a responsabilização penal de pessoas jurídicas por lesões ao meio ambiente.”

Quando, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal, símbolo da redemocratização nacional, um dispositivo constante do capítulo sobre meio ambiente (art. 225, § 3º) chamou a atenção do mundo jurídico: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A novidade introduzida pelo novo ordenamento constitucional era a responsabilização penal de pessoas jurídicas por lesões ao meio ambiente. Até então, aprendíamos nas faculdades de Direito que apenas a pessoa física pode delinquir.

A regulação desse dispositivo veio dez anos mais tarde, por meio do art. 3º da Lei nº 9.605/98: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.

A norma penal não prevê a hipótese de responsabilidade objetiva da empresa (independente da vontade da entidade). O dano ambiental deverá ter decorrido de ato comissivo ou omissivo do poluidor, por dolo ou por culpa.

A expressão “decisão do representante legal ou contratual ou do colegiado, no interesse ou benefício da entidade” permite o enquadramento penal de empresa que deixe de investir em segurança ambiental.

Qual é o interesse que pode ter uma empresa ao não tomar as devidas precauções para evitar a ocorrência de um mega-acidente ambiental?

É claro que nenhuma empresa fará constar numa ata de assembleia geral ou de reunião de seu colegiado que “decidiu não investir em fortalecimento de barragens de contenção” ou “deliberou desconsiderar as recomendações técnicas no sentido de reduzir os riscos de ocorrência de incêndios”.

Olhar jurídico

“Não só a ação, mas também a omissão, dolosa ou culposa constitui sob a perspectiva do Direito Penal Ambiental, modalidade de decisão empresarial passível de responsabilização criminal”
 

A exposição dos motivos que alicerçam uma decisão empresarial não será nunca exaustiva: ao deliberar pelo investimento na área de publicidade, não dirá nunca o empresário que considera esse setor mais relevante do que, digamos, o de recursos humanos ou de prevenção de acidentes de trabalho.

Não só a ação, mas também a omissão, dolosa ou culposa constitui sob a perspectiva do Direito Penal Ambiental, modalidade de decisão empresarial passível de responsabilização criminal.

A questão que se coloca é interpretar o que venha ser a reversão dessa omissão, de alguma forma, em benefício da entidade.

Aqui entra a variável “risco da atividade”.

É rotineira a análise das possibilidades de ocorrência ou não de acidentes numa empresa. Essa análise orienta toda a atividade securitária no mundo empresarial. Tudo funciona como se estivéssemos diante do início de um jogo de cartas. Constituiria um rematado absurdo julgar a inocência de um jogador que perdeu todos os seus bens a partir do argumento de que ele jamais se beneficiaria dessa derrota!

Teme-se que não venha sendo esse o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, no julgamento do Mandado de Segurança nº 2244848-35.2015.8.26.0000, da Comarca Santa Adélia, declarou inepta a denúncia oferecida nos autos do Processo nº 3001617-49.2013.8.26.0531, anulando o feito “ab initio” sob o argumento de que não teria sido demonstrado o interesse da empresa em provocar o dano ambiental. Afinal, a imensa maioria dos danos ambientais provocados por empresas ocorrem por negligência, imperícia ou imprudência – e não por dolo.

Espera-se que, ao menos no âmbito jurisprudencial, esse silêncio conivente da imensa maioria do Congresso Nacional não seja corroborado e que sejam adotados padrões de investigação e punição em tragédias ambientais em padrões compatíveis com aqueles exigidos pela Constituição Federal e pela legislação em vigor.

PS: A Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB, entidade pioneira no gênero e que reúne quase duas centenas de professores de todo o país, escolheu este conturbado ano de 2016, em que os danos à democracia concorrem em gravidade com os danos ao meio ambiente, para debater os aspectos jurídicos mais importantes relacionados a mega-acidentes ambientais. Até o mês de setembro, quando ocorrerá o Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental na cidade de Vitória – ES, estarão ocorrendo em diversas capitais do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Porto Alegre) workshops e palestras sobre o tema.

 

 

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Comentários 1

  1. Carlos L B Neto diz:

    O senhor está coberto de razão.Sou pós-graduado em Direito Ambiental e verifico estarrecido como as decisões dos tribunais e a própria legislação ambiental são brandas. Mesmo pessoas com bastante cultura jurídica e geral não se deram conta que caso continue cotidianamente as agressões ao meio ambiente(não só as grandes como evidenciado por Vossa Excelência, mas as pequenas como os dos cidadãos que insistem em captura animais silvestres para vendê-los e outros que dizimam populações inteiras de animais selvagens pelo prazer da caça) caminharemos a médio ou longo prazo para a materialização da obra NÃO VERÁS PAÍS NENHUM de Ignácio de Loyola Brandão.