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A chegada dos netos

Fim de ano é época de visitas em família. Hora de ensinar às crianças a observar melhor seu comportamento em relação à natureza e para prepará-los para um futuro mais difícil.

8 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Como toda avó coruja, preparo-me ansiosamente para a chegada dos meus netos para as festas de fim de ano. E começo a fazer elucubrações de como aproveitar da vinda dos pequerruchos para prepará-los para enfrentar um futuro mais difícil, com menos recursos naturais à sua disposição. Por um lado não quero ser uma avó chata, ou melhor dizendo, uma “ecochata”, ao mesmo tempo em que, por outro lado, não quero sonegar informações que eu creio verdadeiras e, muito menos, quero que sejam uns alienados.

Começo sempre tentando explicar à minha neta que os banhos, quando não na piscina ou nos rios, devem ser curtos e que lavar a cabeça todos os dias ou mais de uma vez por dia é um luxo até em país rico. Recomendo a lavagem de cabeça duas vezes por semana. Explico bem que a energia elétrica, muitas vezes também usada para esquentar a água, vem, no nosso país, principalmente de hidroelétricas, ou seja, exatamente da mesma fonte que precisamos preservar para beber, lavar e cozinhar, sem falar de tantos outros usos indispensáveis. Explico, ainda, o enorme desperdício de água tratada nas grandes cidades para: regar jardins, lavar autos semanalmente, lavar calçadas, lavar roupas que poderiam ser usadas mais vezes e assim por diante. Digo que o brasileiro usa e abusa da água, na maior parte do país, pela facilidade de sua obtenção e pelo seu preço muito baixo, mas que quando eles, meus netos, forem adultos, o panorama será muito outro. Pelo menos o preço será muito maior.

Detenho-me a explicar, também, que os sabões no Brasil geralmente têm fósforo, que é um excelente adubo químico e por isso mesmo e pelos dejetos orgânicos, as represas enfrentam uma enorme proliferação de algas, muitas vezes tóxicas, e de outras plantas indesejáveis para a navegação, para a obtenção de energia elétrica e até para a vida aquática, como o aguapé. Furto-me de insistir nos problemas decorrentes para a flora e fauna nativas, pois penso que ainda é cedo. Esta é uma etapa para mais tarde. Mas fico atrás das luzes deixadas acesas, das televisões ligadas sem que ninguém as esteja vendo e outros hábitos de desperdício pelo desperdício.

Ao fazer estas preleções fico ruminando por que nossos governos não fazem o que foi feito no último “apagão”, ou seja, uma enorme campanha para se economizar energia elétrica e que funcionou. Por que as campanhas só chegam com o perigo iminente do apagão? Por que temos de gastar bilhões de dólares em hidroelétricas para atender demandas desenvolvimentistas e ao mesmo tempo deixamos o desperdício à solta? Não seria mais sério e fecundo colocar no mesmo saco as previsões da demanda futura e a conscientização do povo que vai pagar ou penar muito num futuro bem próximo, daqui a três ou quatro décadas, com uma diminuição drástica de recursos naturais disponíveis para o consumo?

Aí passo pela segunda etapa concernente aos desperdícios de comida e bebidas. O que os bonecos colocam nos pratos têm de comer. Os refrigerantes que abrem têm de ser sorvidos até o final e, sempre, preferir os sucos de fruta. Todas as embalagens e restos têm de ser jogados nas lixeiras disponíveis na casa e não nas ruas ou quintais, ou pelas janelas de carros, o que é mais comum. Separam as latas, pois nossa ajudante as vende para reciclagem e para obter um recurso extra. Faço uma preleção que o uso do papel higiênico deve ser o estritamente necessário, pois o papel vem de árvores, que demoram a crescer. Que o som de suas músicas deve ser baixo para não incomodar os meus vizinhos velhinhos, além da própria avó e que há limites legais de altura dos mesmos dada em decibéis.

Daí, como é época do aumento dos caramujos africanos, uma espécie que é invasora, eu aproveito a oportunidade para ensiná-los a coletarem e matarem os bichos e principalmente para dar uma explicação mais ampla sobre o perigo de plantas e animais invasores para as nossas flora e fauna nativas. Também falo sobre o custo ecológico de manter demasiados animais domésticos, como cachorros e gatos, que consomem e não produzem e cuja manutenção, num país onde a pobreza ainda é tão geral, constitui uma afronta social. Além do que manter cachorros de raça presos num canil no fundo do jardim, de onde nem podem ajudar os donos, no caso de uma agressão, é uma custosa crueldade. Também procuro explicar que manter animais silvestres enjaulados nas residências, embora eles sejam bonitinhos ou simpáticos e que isso possa ser legal, é uma ação antinatural.

Felizmente onde vivo, além de ser “a ecochata”, posso mostrar para meus netos micos nativos da região, tucanos, papagaios, emas, pererecas, cobras, morcegos e outros animais bonitos e até raros, cachoeiras, nascentes, veredas, o Cerrado com todas as suas flores. Enfim, muita coisa bela que não se encontra em grandes centros urbanos, ou tão somente na internet, e fazê-los apreciar o que a natureza não virtual nos presenteia.

No entanto, mais além, eu quero ter minha parcela de contribuição para que meus netos aprendam a viver no futuro, no mesmo futuro que os aguarda e não sejam, desde agora, consumistas ferozes, desperdiçadores e alheios aos bens naturais ao seu entorno e cidadãos pouco participativos com a sociedade em geral. Posso passar a idéia da avó que aborrece muito, mas vou tentar compensá-los com meu irrestrito amor e com passeios e caminhadas interessantes, onde não faltarão banhos de cachoeiras e algazarra de bonitos pássaros. Com pôr-do-sol maravilhoso, quando não chove, e um céu coberto de estrelas visíveis à noite no campo, onde também se pode seguir a trajetória de satélites artificiais, que nos presenteiam com tecnologias variáveis e com muitas delas que também nos ajudam a monitorar e conservar os nossos recursos naturais.

Assim, no meu papel de avó, pretendo complementar a muito boa educação que meus filhos e noras estão dando a seus filhos. Não se trata de suplantá-los e sim apenas de complementá-los, aproveitando das vantagens que os avós têm sobre os pais em relação aos netos.

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