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Deque de quê?

Madeira utilizada pela Prefeitura do Rio em obra na Lagoa era ilegal, mas foi certificada pelo Ibama.

Lorenzo Aldé ·
23 de julho de 2004 · 20 anos atrás

A imprensa deu o alarme e a Prefeitura do Rio apressou-se em dizer que não era culpa dela. O fato é que a madeira utilizada na construção dos novos deques da Lagoa Rodrigo de Freitas tem origem pra lá de suspeita, e a obra, que era a menina-dos-olhos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, virou sinônimo de crime ambiental.

Com a sugestiva alcunha de Urubu, a madeireira paraense que forneceu 9 metros cúbicos de maçaranduba para a empresa responsável pela obra conseguiu descumprir praticamente todos os requisitos técnicos para a exploração legal de madeira: suas fazendas não tinham cadastro do Incra, o cronograma de exploração estava desatualizado, não havia um mapa georreferenciado dos terrenos, não houve averbação da Reserva Legal, faltavam relatórios técnicos para a exploração da madeira, inexistia uma listagem com as espécies exploradas e não houve vistoria prévia. Sequer os comprovantes de propriedade foram apresentados, o que gerou uma ação no Ministério Público do Pará para apurar a possibilidade de serem terras griladas.

O problema é que todas essas irregularidades tornaram-se públicas ainda em 2003, e em abril daquele ano o Ibama suspendeu os Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) da Madeireira Urubu. Sem Plano de Manejo, não se vende madeira legal no Brasil. Como pôde a Secretaria de Meio Ambiente do Rio deixar passar a utilização, pela Prefeitura, de madeira com rastro tão nefasto? “Todos os pisos (tabuados) são em madeira de lei da árvore maçaranduba certificada pelo Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, órgão do Ministério do Meio Ambiente”, informou em nota a Secretaria, tão logo a acusação foi publicada, com foto e chamada de capa, nas páginas do jornal O Globo.

A explicação da Secretaria responsabiliza o Ibama, que veio a público dizer que vai cobrar explicações da Secretaria. Ao que parece, quem precisa se justificar é o próprio Ibama: “O Ibama apresentou um documento ilegal. Eles fecharam a madeireira Urubu no ano passado, cancelaram o Plano de Manejo, e um ano depois dão autorização para venderem pelo Plano de Manejo que foi extinto! Você tem idéia do que é isso?”, questiona Gustavo Vieira, do Greenpeace, que liderou uma manifestação na Lagoa condenando a utilização criminosa da madeira.

Talvez o caso sirva de castigo para uma Secretaria de Meio Ambiente cuja principal realização nos últimos tempos foi a restauração de deques à beira da Lagoa. Pelo menos é o que se depreende da página da Secretaria na Internet, que até hoje apresenta como notícia em destaque a agora controvertida obra. Os benefícios ambientais? Além do conforto na visitação a um dos cartões postais da cidade, foram utilizadas 65 mil garrafas pet e 652 barris de 250 litros reciclados na construção dos flutuadores que sustentam as plataformas. Uma vez revelado o prejuízo ambiental que os novos deques causaram, a conta fica praticamente zerada.

Se é para tirar uma lição realmente edificante do episódio, a solução já está ao alcance da Prefeitura. Entre utilizar madeira ilegal e utilizar madeira legal com certificado ilegal, é possível abrir mão de ambas. Basta optar, em suas próximas licitações, pela “madeira plástica”. Obtida pela reciclagem de vidro e plástico, tem a aparência da madeira e a resistência do aço inoxidável. Ao contrário da madeira comum, já vem pintada de fábrica e não precisa de limpeza, raspagem, descupinização ou qualquer outra forma de manutenção. O custo, pouco maior que o das madeiras nobres, compensa justamente pela resistência e pela economia em manutenção. Sem falar nos benefícios ambientais da reciclagem de lixo e da preservação da Amazônia (na foto, uma ponte feita com o material em Itatiaia).

A madeira plástica não é novidade para a Prefeitura. Já foi testada, com sucesso, na construção do Píer de Guaratiba. A Cogumelo, única empresa a operar essa tecnologia no Brasil, só espera o cadastramento de seus produtos junto ao órgão responsável para começar a participar de licitações.

Se for o caso de substituir os deques da Lagoa, Sérgio Paes, representante da empresa, manda avisar que eles têm boa quantidade de madeira plástica para pronta entrega. À prova de intempéries climáticas e constrangimentos políticos.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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