Análises

Questão de pele, mesmo se for casca-grossa

Crocodilomorfos como o jacaré-de-papo-amarelo estão aqui há 250 milhões de anos. Sobreviveram às extinções em massa e resistem às humanas.

Fabio Olmos ·
9 de outubro de 2012 · 12 anos atrás
Foto à curta distância de um jacaré-de-papo-amarelo. Crédito: Fábio Olmos
Foto à curta distância de um jacaré-de-papo-amarelo. Crédito: Fábio Olmos

Adoro texturas e a pele animal é um universo delas. Aqui temos um jacaré-de-papo-amarelo, o Caiman latirostris. Além de ser inspiração para tatuagens (fica aqui a sugestão), a pele dos crocodilomorfos é um exemplo de órgão multi-tarefa, sendo ao mesmo tempo armadura, trocador de calor e âncora biomecânica. Órgão sofisticado em termos de estrutura e fisiologia, é uma das chaves para o sucesso do grupo, cascas-grossa que estão por aqui há cerca de 250 milhões de anos e, desde então, sobreviveram a todas as extinções em massa.

Há 90 milhões de anos, um deserto cobriu o sudeste do Brasil (o deserto da Namíbia é o seu contraparte). Nele havia  crocodilomorfos que cavavam tocas como tatus,  eram predadores terrestres como tigres ou generalistas como gambás. Neste deserto mesozoico os crocodilomorfos eram reis, e não os dinossauros, e havia espécies com nomes excelentes como Mariliasuchus amarali, Baurusuchus pachecoi, Sphagesaurus montealtensis, Adamantinasuchus navae, Armadilloscuhus arrudai, Uberabasuchus terrificus e Morrinhoschus luziae. É uma pena que os Uberabasuchus não existam mais, provavelmente seriam pets bem interessantes.

Muito mais recentemente, quando os primeiros humanos chegaram às ilhas de Nova Caledônia e Vanuatu encontraram os pequenos crocodilos terrestres do gênero Mekosuchus. Estes acabaram na panela e foram extintos pelos Polinésios. O grande Voay, um crocodilo com chifres, desapareceu de Madagascar após a chegada dos humanos, e o mesmo pode ter acontecido com um “gavial” das ilhas Salomão.

Bos parte dos crocodilomorfos atuais estão seriamente ameaçados de extinção e podemos estar vendo o fim de linhagens como os veneráveis gaviais. Por isso fico sempre feliz quando, contra as probabilidades, encontro jacarés-de-papo-amarelo em lugares como o rio Tietê, os manguezais de Cubatão ou as lagoas da Barra da Tijuca. Casca grossa mesmo.


Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas.

 

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Leia também

Reportagens
14 de fevereiro de 2025

Valor de multas ambientais está desatualizado, diz superintendente do Ibama no RJ

Discussão retoma após repercussão do caso de mulher que matou onça-parda no Piauí. Pena por maus-tratos de gatos e cachorros é mais que o dobro da de animais silvestres

Salada Verde
14 de fevereiro de 2025

Cientista da Embrapa Pantanal é premiado pela defesa da vida mundial

Pesquisador publicou mais de 200 artigos, capítulos e livros sobre temas como conservação e gestão da biodiversidade

Análises
14 de fevereiro de 2025

A sede do capitalismo de vigilância

Inteligência Artificial e Estresse Hídrico: o alto, oculto e custoso consumo de água por gigantes da comunicação e a promessa de novas IAs

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.