Especialistas de 120 organizações ao redor do mundo, vários deles equatorianos, fornecem novas respostas para duas das questões discutidas longamente sobre a biodiversidade amazônica: quantas árvores existem em toda a Amazônia e quantas espécies coexistem nesta região. O estudo foi publicado no último dia 17 de outubro, na revista Science.
Este artigo inédito estuda dados a partir da grande bacia amazônica, que inclui a própria Amazônia (incluindo partes do Equador, Peru, Colômbia e Brasil) e o escudo chamado Guianense (Guiana, Suriname e Guiana Francesa), que juntos cobrem uma superfície que corresponde ao total do território continental dos Estados Unidos. A vastidão da área havia sido o principal impedimento para a realização de estudos para entender os processos ecológicos e, assim, realizar esforços para conservar a região.
Nigel Pitman, pesquisador associado do Field Museum de Chicago e coautor do artigo, destaca a importância do estudo. “Em essência, isto significa que a maior fonte de carbono nos trópicos tem sido uma caixa-preta tanto para os ecólogos e para ambientalistas que não têm ideia de quantas espécies de árvores estão realmente em extinção”.
O estudo analisou dados coletados a partir de 1.430 inventários florestais nos principais tipos de habitats que são encontrados na Amazônia, com o objetivo de obter, pela primeira vez, estimativas sobre a abundância, frequência e distribuição espacial de milhares de espécies de árvores amazônicas.
Hans ter Steege, pesquisador do Centro de Biodiversidade “Naturalis” e principal autor do estudo, estima que existem 16.000 espécies de árvores na Amazônia, mas 227 destas espécies são tão abundantes que representam 50% de todas as árvores no território. “Este número é bem menor do que antes havíamos antecipado, e realmente ajuda a simplificar nosso trabalho”, explica o pesquisador.
“Nós denominamos este pequeno grupo de espécies como hiperdominantes”, diz Ken Feeley, professor de biologia na Universidade Internacional da Flórida e pesquisador do Jardim Botânico Fairchild, especializado em plantas tropicais. Ele argumenta que “devido à presença das espécies hiperdominantes, algum dia poderemos ter uma melhor compreensão dos processos ecológicos que ocorrem na Amazônia e como eles serão afetados ou não, no futuro, em função das mudanças climáticas”. Feeley também acredita que os posteriores esforços de investigação na Amazônia poderiam estar focados neste grupo de espécies. “Uma vez compreendidos os processos ecológicos destas espécies teremos a metade das peças do quebra-cabeça”, diz.
Hans ter Steege.
O estudo contou com a participação de vários pesquisadores equatorianos. Um deles, Juan Guevara, ecólogo evolutivo da Universidade de Berkeley, considera que os resultados abrem novas questões. “Desde a perspectiva evolutiva os resultados de nosso estudo levantam novas perguntas sobre as relações filogenéticas (relações evolutivas) das espécies hiperdominantes. Dentro deste grupo, as palmeiras aparecem como o que mais número de espécies tem. O porquê, é uma dúvida que nos chama para fazer mais estudos no futuro”, explica.
Os especialistas destacam que os dados não necessariamente revelam as causas pelas que este grupo de 227 espécies domina em larga escala a floresta amazônica. Entre as possíveis explicações, os autores sugerem que as árvores hiperdominantes talvez sejam comuns porque os povos indígenas que habitavam a região antes da chegada dos espanhóis as cultivavam extensivamente. Porém, esta hipótese é motivo de intenso debate.
Em contraste com a presença das espécies hiperdominantes, quase 6.000 espécies têm populações de menos de 1.000 indivíduos em toda a região. Esta baixa densidade serviria para que as espécies fossem catalogadas sob algum tipo de ameaça ou em perigo de extinção, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Lamentavelmente, muitas destas espécies são tão raras que os científicos quase nunca as encontram. “Se levamos em conta que o número estimado de árvores em toda a Amazônia é de 400 bilhões, a probabilidade de encontrar uma destas espécies é de 1 em 400 milhões, infinitamente baixa”, diz Guevara.
Dados contundentes como os que apresenta este estudo são ferramentas úteis para propor estratégias de conservação em toda a Amazônia. O elevado número de espécies de árvores ameaçadas que é mostrado deve ser seriamente considerado na tomada de decisões dos governos dos países amazônicos como o Equador, mais ainda levando em conta que grande parte dos dados usados no estudo vem de áreas sensíveis da Amazônia equatoriana, incluindo o Parque Nacional Yasuní, amplamente ameaçado por projetos de infraestrutura.
Apesar da descoberta deste grupo de espécies hiperdominantes fornecer pistas e maior informação para entender os padrões de diversidade na Amazônia, é possível que o papel que tem os outros 98% das espécies de árvores, até mesmo as extremamente raras, seja essencial e que sem elas as interações em nível ecossistêmico da floresta mais diversificada do mundo entrariam em colapso.
Visualização da parcela representada pelas 227 espécies de árvores no total de espécies e no total de área. Infográfico: Daniel Santini |
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