Muitos me perguntam o que acho da Lei 9.985 de 2000, ou seja, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Acho bem melhor do que nada. Embora desde mais de trinta anos antes dessa Lei já existisse legislação que amparava as áreas protegidas e já existisse o conceito de sistema. O primeiro Plano do Sistema Nacional de Unidades de Conservação data de 1979 e o segundo foi de 1982, embora não houvesse um diploma legal completo, integrador e exclusivo para eles. Havia também um decreto de 1979 que aprovava o regulamento geral dos Parques Nacionais. Assim, ter uma lei sobre o assunto foi um avanço enorme, não obstante equívocos, sob o meu ponto de vista, que não canso de enfatizar.
Mas estamos no mês da comemoração do aniversário da dita lei. Sejamos otimistas. Antes do advento da Lei do SNUC, nós possuíamos as seguintes categorias de manejo previstas pelo antigo e saudoso Código Florestal (Lei 4.771 de 1965), pela Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/67) e, posteriormente, pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: Parque Nacional, Reserva Biológica, Floresta Nacional, Parque de Caça, Estação Ecológica e Área de Proteção Ambiental.
Os resultados hoje
“No nível federal, protegemos 74 milhões de hectares, ou 8,7 % de nossa extensão territorial”
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Já a Lei do SNUC de 2000 previu várias outras categorias: Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica, Refúgio de Vida Silvestre, Monumento Natural, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Reserva de Fauna, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Reserva Particular do Patrimônio Natural e reconheceu as Reservas da Biosfera. Em outras palavras dobrou o número de categorias de manejo, e ampliou o leque com ênfase nas categorias que permitem o uso direto dos recursos naturais. Fato curioso é que até hoje, como antes aconteceu com os Parques de Caça, nenhuma Reserva de Fauna foi instituída. Há categorias que nunca pegaram.
Usando e abusando dos excelentes dados do ISA, constata-se que nosso país possui hoje 0,7% do seu território coberto por Estações Ecológicas; 0,005% por Monumentos Naturais; 3% por Parques Nacionais; 0,5% por Reservas Biológicas e; 0,02% por Refúgios de Vida Silvestre somando, portanto 4, 2% de nossa extensão territorial em unidades de conservação federais de proteção integral.
A extensão territorial ocupada por unidades de conservação de uso sustentável é de: 1,1 % com Áreas de Proteção Ambiental; 0,004% com Áreas de Relevante Interesse Ecológico; 1,8% com Florestas Nacionais; 0,008% com Reservas de Desenvolvimento Sustentável e 1,4% com Reservas Extrativistas, ou seja, 4,4% do território nacional.
No nível federal, traduzido em extensão, isso significa que temos 36 milhões de hectares em unidades de conservação de uso indireto e 38 milhões de hectares de uso direto, perfazendo 74 milhões de hectares, ou seja, 8,7 % de nossa extensão territorial no nível federal.
O país também possui áreas protegidas estaduais, que somam mais de 7% de nossa extensão territorial, esfera em que predominam as de uso direto. Por exemplo, na Amazônia legal há 13 milhões de hectares de unidades de conservação de proteção integral e 49 milhões de hectares de uso sustentável ou direto no nível estadual, novamente segundo os dados do ISA.
O SNUC colou ou não colou?
“o maior número de categorias do SNUC atual pouco beneficiou a preservação da biodiversidade (…)Tudo isso “mostra serviço” embora a realidade seja bem menos impressionante.”
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Resumindo, o esforço nacional de conservação por meio de áreas protegidas se caracteriza por ser relativamente modesto em percentagem, já que muitos países na região e no mundo têm proporções muito mais expressivas sendo protegidas. Mas, quando expressa em área, o Brasil é um dos países na região e no mundo com maior extensão protegida. Diga-se de passagem, que este fato é muito bem explorado pelos inimigos da conservação da biodiversidade que evitam mencionar porcentagem e sempre falam de área para suas campanhas contra a preservação ambiental. Toda verdade pode ser distorcida dependendo da forma em que se expressa.
De outra parte, parece que a simples proliferação de categorias com os mesmos objetivos não teve muito sucesso perante as já existentes antes do advento da Lei do SNUC. É só examinar os dados disponibilizados pelo ISA para constatar que não são muitas as Unidades de Conservação que usam as novas categorias.
Outro tema importante é a relação da Lei do ano 2000 com as categorias internacionais, em especial com as Reservas de Biosfera. Assustadores mesmo são os números reconhecidos pela UNESCO como Reservas da Biosfera no Brasil. Nosso país tem 6 Reservas da Biosfera, cada uma em um de nossos grandes biomas: Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Amazônia Central e o Corredor Verde da Grande São Paulo. Ocupam 15% de nossa extensão territorial. Somente a da Mata Atlântica estende-se por 12 estados com uma área de 35 milhões de hectares.
Na prática, nada muda, absolutamente nada muda no uso da terra nas Reservas da Biosfera. Nelas, como na maior parte das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) não há nenhuma diferença com o que acontece em qualquer outro canto do Brasil. Pior ainda, as Reservas de Biosfera incluem as unidades de conservação pré-existentes, ou seja, suas cifras na realidade duplicam enormes áreas. Assim sendo, elas municiam os ruralistas, bem como os demais inimigos das unidades de conservação que matreiramente somam às nossas unidades, além das de uso direto dos recursos naturais, como, por exemplo, as APAs, as Reservas da Biosfera.
Como se depreende dos fatos destacados, o maior número de categorias do SNUC atual pouco beneficiou a preservação da biodiversidade e, ao contrário, facultou um aumento exagerado das cifras de unidades de conservação de uso direto dos recursos naturais, além de incluir erradamente nestas as Reservas da Biosfera. Tudo isso “mostra serviço” embora a realidade seja bem menos impressionante.
Entretanto, muita coisa boa trouxe o SNUC, entre elas o artigo 36 – embora já adaptado ou modificado – de se usar 0,5% do investimento em grandes empreendimentos para a implantação das unidades de conservação, pois o país necessita desesperadamente de implantar suas Unidades e não passar o grande vexame de criar e logo extinguir, ou alterar os limites, ou dar dupla afetação, ou trocá-las de categoria.
Devemos reconhecer que a Lei do SNUC deu dois passos: um para o lado e outro para frente. Ganhou-se na luta interminável por deixar uma pequena amostra do Brasil natural para as próximas gerações. Mais que tudo, para garantir os serviços ambientais e a reserva de recursos genéticos que elas outorgam para a sociedade, sem receber nada em troca.
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