O antropólogo Marc Augé designou não–lugares os espaços carentes de significados e representações sociais, vazios de valor afetivo, sem relevância para a relação homem-natureza. O Parque Nacional Aparados da Serra e o Parque Nacional Serra Geral (aqui designados PNAS), após longa gestão pela cartilha de Parques-Fortaleza, consolidam-se como nossos primeiros NÃO-PARQUES.
O Parque Nacional Aparados da Serra foi designado por decreto em 1959. O protagonista desta luta foi o Padre e naturalista Balduíno Rambo. Seu trabalho começara muito antes e sua obra maior “A Fisionomia do Rio Grande do Sul” apresentava conceitos importantes dos Parques Estadunidenses, que além de preservar, deveriam servir para o lazer da população e cultivar a relação entre a paisagem e o sentimento de nação. Em 1956, Balduíno Rambo realizou visitas aos Parques Estadunidenses a convite do governo dos EUA.
Em 1961, já auxiliava o PNAS, Giuseppe Gâmbaro, guia do prestigiado Clube Alpino Italiano. Formador dos primeiros montanhistas gaúchos, Gâmbaro viu a importância de buscar uma rota fácil, para que o turista comum desfrutasse da experiência de descer o cânion do, à época, chamado “Taimbézinho”, ou pedra afiada em tradução livre.
A gênese da importância do lazer e do uso público nos Parques poderia ser tributada a indivíduos como Josef Zumstein (posteriormente Joseph Delapierre), pioneiro do Monte Rosa (1778) que, em 1861, no então Reino da Sardenha (hoje Itália), como inspetor florestal contribuiu para a legislação de proteção da Capra Ibex na região onde hoje se localiza o Parque Nacional Gran Paradiso. Porém, a institucionalização da recreação como finalidade e meio de fazer acontecer os Parques Nacionais talvez deva ser creditada a Stephen Mather, que em 1916 se tornou o primeiro diretor do National Park Service, dos EUA. Mather era membro do Sierra Club e realizou excursões na Sierra Nevada com notáveis da época, e assim obteve apoio político para os Parques. Institucionalizava-se o “conhecer para conservar”.
Ainda da experiência estadunidense, depreende-se a importância do acesso dos Parques a todos. Em 1903, discursando em Yellowstone, Theodore Roosevelt disse: “O esquema de sua preservação é notável em sua essencial democracia. O parque foi criado e é agora administrado para o benefício e fruição do povo”.
Germinava o conceito-chave do uso público, que foi e ainda é importante para obter amplo apoio aos Parques nos EUA.
Remando contra a história
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Em algum momento, tivemos uma ruptura destes entendimentos no Brasil, particularmente, mas não somente, no PNAS. Em 1998, quando da inauguração de instalações, o então gestor do PNAS declarava à revista Veja (edição de 20/05/1998) que ele deixava de ser o paraíso dos mochileiros. Os Parques argentinos e chilenos passaram a ser destino de gaúchos e gaúchas atrás do lazer de natureza.
Os tempos passaram, mas o atual gestor não deixou por menos. Veio para pôr o seu nome na história do atraso e do obscurantismo na gestão do “Seu” Parque.
Há longos 10 anos, o mesmo gestor conduz o conselho sob a máxima do Príncipe de Lampedusa, que aparece no filme O Leopardo, de 1963: “É preciso mudar, para que tudo continue como está”. A prova é a ausência de ações de qualificação do conselho gestor, previstas em lei. Há conselheiros intimidados, que receiam perder a autorização para atividade de turismo e/ou serem “esquecidos” no fim da fila de indenização de terras. As arbitrariedades não são recentes nem novidade nesta gestão. Basta assuntar em Cambará do Sul e em Praia Grande.
Recentemente, desperdiçaram-se variadas oportunidades de manejo através de parcerias com instituições como a Federação Gaúcha de Montanhismo (FGM). Boa parte delas visava melhor receber e educar o visitante. Em 2013, após um curso de sinalização na ACADEBIO, o gestor desmarcou um workshop de sinalização. A Federação Gaúcha de Montanhismo declarou interesse em contribuir, pois ainda hoje a sinalização do parque tem ênfase na proibição.
A boca pequena, a piada é que a lanchonete da sede fechou, pois como é “proibido por a vida em risco” (placa que existe no PNAS), não se pode vender alimentos ricos em colesterol.
O gestor recusou oferta de reformarmos um alojamento erguido pelo IBDF em 1974, que hoje encontra-se condenado. Um projeto voluntário para a retirada de pinus exótico proposto também pela Federação Gaúcha de Montanhismo permanece engavetado. Em fins de 2014, tentamos homenagear no PNAS um jovem e brilhante escalador gaúcho que teve uma morte prematura. Apesar da anuência da procuradoria federal, e do dono da fazenda cuja terra não foi regularizada, o gestor apelou no último momento para a necessidade de autorização pelo DAER RS. O evento em homenagem ao Ricardo “Rato” Baltazar acabou cancelado, pois só no fim da tarde de sexta-feira o diretor autorizou o evento marcado para a manhã de sábado.
Não deveria ser novidade. Há dois anos, a Federação Gaúcha de Montanhismo ressente-se de não ser convidada a levar o septuagenário “seu Cony”, pioneiro do Montanhismo Gaúcho, destacado pintor paisagista, a expor seus quadros no aniversário do PNAS. O convite para realizar o evento (e não para a organização) chega com menos de uma semana de antecedência.
Neste cenário, são inviáveis atividades voluntárias que estão aumentando o uso público em outros Parques brasileiros. Durante muito tempo, o gestor teve êxito em promover o antagonismo entre membros do conselho. Entretanto, com o tempo ficou claro que a arbitrariedade desta gestão atingia a todos. Em 2014, até o prefeito de Cambará do Sul se manifestou no Congresso Nacional quanto ao descaso do PNAS.
No sábado da última Páscoa, ultrapassaram-se todos os limites da cidadania. Após um belo documentário do Globo Repórter sobre a região, duas mil pessoas acorreram ao cânion Fortaleza. Note-se que o PNAS tem apenas 6% de sua área aberta à visitação e 100 vezes menos extensão de trilhas do que o Parque Nacional da Serra dos Órgãos ou o Parque Nacional da Tijuca. A equipe de plantão, composta por um analista do ICMbio, um monitor e o segurança privado, revistou 300 dos 574 carros que entraram no setor, retendo isopores com cerveja e carne, churrasqueiras e sacos de carvão. Confunde-se a proibição de churrasquear com a proibição de manter os itens nos veículos. Além de irritado pelo congestionamento, o visitante ao entrar teve sua cidadania roubada, pela completa inobservância ao princípio da boa-fé. A ação ainda demonstra ignorância de dois princípios basilares de gerência de áreas protegidas: a) Aplicar o mínimo de regulamentação, instrumentos e força; b) Envolver o público como chave para o sucesso do gerenciamento (Dawson & Hendee, 2009).
Não, não foi um erro e muito menos um caso isolado no PNAS. É uma política de gestão dissimulada, feita para produzir Parques-Fortaleza.
Montanhistas e gestores sérios sabem de longa data: onde não caminha o cidadão de bem, fazem a festa caçadores e palmiteiros. O que esperamos numa Pátria Educadora já defendia o Padre Balduíno Rambo: Um Parque Educador!
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