Análises

O ambiente do impeachment

Qualquer que seja o resultado do processo de impeachment, perderá o patrimônio natural e ganharão os agentes que nos deram o maior escândalo de corrupção da história da humanidade.

Claudio Angelo ·
5 de abril de 2016 · 8 anos atrás

*Publicado originalmente no blog O Curupira.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

UM AMIGO MEU, paulistano de família italiana, costumava usar uma frase singela toda vez que tinha um chefe novo no trabalho: “Cambiano i cazzi, ma il culo è sempre lo mio”. O ditado vale para o meio ambiente nesta crise política. Qualquer que seja o resultado do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, perderá o patrimônio natural e ganharão os agentes políticos e econômicos que nos deram o maior escândalo de corrupção da história da humanidade.

A gestão ambiental de Dilma decerto entrou nos anais. Por ação ou omissão, a governanta promoveu o maior desmonte de leis e salvaguardas ambientais de qualquer mandato presidencial. Fez uma espécie de “50 anos em 5” do retrocesso: da mudança no Código Florestal ao Parecer 303 da Advocacia-Geral da União; da menor taxa de criação de áreas protegidas e demarcação de terras indígenas do regime democrático ao infame processo de redução dessas áreas para acomodar as hidrelétricas do Tapajós; do virtual abandono dos biocombustíveis em favor do petróleo à entrega do Mapitoba a Kátia Abreu ao licenciamento criminoso de Belo Monte, que incluiu demissões no Ibama e ruptura com a Comissão de Direitos Humanos da OEA. Qualquer que seja o indicador, parece difícil superar os recordes negativos da Mulher Sapiens nessa área. Mas só parece, como veremos.

Graças ao juiz Sérgio Moro e aos outros “fascistas” de Curitiba, nós hoje podemos dizer com segurança o que moveu boa parte dos assaltos do governo Dilma ao meio ambiente: os assaltos aos cofres públicos por verbas de campanha. É algo de que sempre se suspeitou desde a ditadura, mas que só começou a vir à tona em detalhes com a prisão dos empreiteiros por Moro em novembro de 2014 e as sucessivas confissões de alguns deles. Se o seu caixa de campanha dependesse dos R$ 45 milhões que se estima serem o piso da propina paga por Belo Monte — segundo Delacídio do Amaral –, você também teria pressa no licenciamento.

Tão assustador quanto a propina foi o esquema de favorecimento das empreiteiras armado dentro da máquina do Estado, com injeção de recursos do Tesouro via BNDES para bancar projetos que qualquer calouro de faculdade de administração podia ver que não paravam de pé. O melhor exemplo disso novamente é Belo Monte, cujo consórcio foi formado na marra pelo governo. Talvez nesse sentido a administração Dilma seja realmente socialista: os ônus econômicos e ambientais da loucura desenvolvimentista foram socializados para todos nós, enquanto partidos captavam dinheiro e uma numerosa meia-dúzia de intermediários enriquecia no caminho.

Quem diz que “sempre foi assim” e “todos os partidos fazem” (como se isso fosse argumento) ignora um detalhe histórico crucial: da crise da dívida de 1982 até o começo do segundo governo Lula, o Estado brasileiro simplesmente não tinha caixa para bancar grandes obras. A gastança irresponsável feita a partir de 2010 de certa forma nos devolveu a essa situação de penúria que retarda o avanço das máquinas (mas que traz outros óbvios efeitos colaterais nocivos ao país).

Sem dinheiro no caixa, com empreiteiros na tranca e com sua já famosa inépcia para aprovar o que quer que seja no Congresso, Dilma em seu segundo governo acaba praticando um conservacionismo involuntário. Mas seus sucessores estão prontos para virar essa página. O que quer que vire do processo de autogolpe do PT e golpe do PMDB-PSDB, ambos iniciados na semana passada (com a nomeação de Lula e a formação da comissão do impeachment, respectivamente), parece razoável supor que resultará em menos controle ambiental e mais facilidades para as empreiteiras, que saberão agradecer a seus beneméritos. Afinal, no topo da lista de prioridades de ambos os lados estão o enfraquecimento da Lava Jato e do licenciamento ambiental — duas faces da mesma moeda.

Senão vejamos. Ao mesmo tempo em que sagrou Lula ministro, a Mulher Sapiens transferiu o PAC do Planejamento para a Casa Civil. Lula, se um dia chegar a assumir o ministério, será o novo Pai do PAC. Em suas mãos, espera-se que o programa (em grande parte suspenso por Joaquim Levy por falta de dinheiro) seja retomado, possivelmente com dinheiro subtraído às reservas internacionais do Brasil, talvez algum capital chinês e um monte de acenos ao PMDB. Se conseguir alguma das três grandes facções peemedebistas para seu lado com a promessa de aliviar a barra na Lava Jato e de controle sobre cargos e recursos para obras, Lula poderia, em tese, até afastar o impeachment (pelo menos é o que parecem achar os petistas). Aí é só botar os acordos de leniência com as empreiteiras para rodar e “destravar” o licenciamento. Vida que segue.

Do lado do condomínio PMDB-PSDB, a mesma lógica se aplica. Quem prestou atenção ao discurso de Michel Temer na convenção nacional do partido no dia 12, na qual se deu aviso prévio de abandono do governo e o vice-presidente falou como presidente recém-eleito, há de ter notado duas menções importantes: a Agenda Brasil e a Ponte para o Futuro, os dois programas liberalizantes peemedebistas. A Ponte é supostamente uma estratégia de desenvolvimento nacional, mas a única menção que faz ao meio ambiente –indireta — está em sua última página: é quando pede a “racionalização” dos “licenciamentos ambientais”. Ou seja: para o PMDB, partido que antes do São João pode estar ocupando o Palácio do Planalto, meio ambiente não faz parte do debate sobre desenvolvimento. Bem-vindos a 1970.

A Agenda Brasil é aquele conjunto de propostas do probo Renan Calheiros (PMDB-AL) para melhorar o “ambiente de negócios” no país. Ela inclui flexibilizar a proteção ao patrimônio histórico e ambiental, e cria o dispositivo do licenciamento “a jato” para obras “de interesse nacional” — definido, é claro, por quem detiver a caneta na ocasião. Tal dispositivo avança na surdina e a passos largos no Senado, com o Projeto de Lei 654, do também probo Romero Jucá (PMDB-RR). Em regime de urgência, o projeto pode ser votado a qualquer momento no Senado.

Em paralelo, no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), avança a proposta que é o sonho dourado das empreiteiras: o autolicenciamento ambiental. Funciona assim: já que Ibama, ICMBio e Funai não têm estrutura (uma vez que foram desmontados ao longo dos anos e especialmente no primeiro governo da Mulher Sapiens), as empresas cuidariam do licenciamento ambiental, sendo apenas fiscalizadas depois e supostamente punidas com o dobro do rigor (talvez com uma bronca por telefone seguida de um “unfollow” no Face?) caso a fiscalização que já não existe descobrisse que pisaram na bola. Como atesta a Samarco, o risco geralmente compensa.

Enquanto militantes de ambos os polos se engalfinham nas ruas e nas redes sociais, os dois lados supostamente em guerra na política brasileira trabalham por aquilo que os une: livrar os chefes das quadrilhas e seus financiadores privados das garras da turma de Curitiba. O desmanche do licenciamento ambiental é a cenoura na ponta do caniço sacudida pelos políticos encrencados para as construtoras, como se a sinalizar anos de felicidade sem fim após o término do martírio paranaense. Com Lula ou Temer no governo, ambos arrastando consigo os “fodidos” Renan Calheiros e Eduardo Cunha, mais um Romero Jucá e talvez um Aécio Neves de troco, muito índio velho ainda pode sentir saudades de Dilma Rousseff.

 

 

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Comentários 24

  1. F.Raeder diz:

    O Instituto Chico Mendes não foi sendo desmontado ao longo dos anos…pois já nasceu com cara de sinecura. Lembrando sempre que foi criado de forma inconstitucional por Dona Marina, Capobianco e Lula (ADIN 4029). Em tempo, já teve muito comentário aqui n"O Eco censurado por muito menos do que escrever "fod*do", mas o colunista pode…


  2. Marcelo diz:

    continuando…"o Estado não tinha dinheiro para tocar grandes obras". Não é bem assim, a década de 2000 foi extremamente vantajosa para países produtores de commodities que exportavam para a China, cujo crescimento girava em torno de 10%/ano. Isso, juntamente com a maior produção de petróleo e as obras impulsionaram o caixa do governo. Aqui, claramente a conjuntura internacional favoreceu o governo, independentemente da competência ou incompetência deste. Nos últimos anos o preço das commodities caiu 20%. O petróleo passou de 110 para 30 dólares o barril, inviabilizando os investimentos no pré-sal. O dólar passou de menos de 3 reais para quase 4, gerando déficits em muitos setores. A falta de recursos é algo mais complexo do que apenas "empreiteiras".


  3. Marcelo diz:

    Continuando as críticas, o jornalista acha um absurdo o Matopiba e a Kátia Abreu e propõe a substituição do petróleo pelo biocombustível (sabia que isso é cana?). Ou seja, não teríamos apenas um Matopiba, teríamos 50 Matopibas, um mar de cana no Cerrado, se expandindo para a Amazônia, plantada pelo mesmo agronegócio que o jornalista critica no Matopiba. E quem iria ter capital para plantar tanta cana? mais agricultores familiares seriam expulsos do campo para dar espaço a usineiros? Isso seria a solução "verde" do jornalista, acabar com o Cerrado e encher usineiros de dinheiro barato de financiamento público via BNDES?


    1. José Truda diz:

      A patrulha petelha deixa clara a sua preocupação com o "sossiáu", mais do que com o meio ambiente… esse povinho esquerdóide ainda está nos grotões intelectuais do "small is beautiful" num mundo de 9 bilhões de bocas pra alimentar e não se dá conta que fora da economia de escala não há solução para o planeta. Tem, sim de investir em biocombustível, mas em tecnologias e sistemas de alta produtividade, que não impliquem (porque não precisa) em expansão do desmatamento. E por aí vai em todos os setores da produção, mas esse povinho que aplaude o atual regime quer é "minifúndio", "agricultura familiar", mimimi, que não resolvem em nada as questões ambientais no plano macro.


      1. Marcelo diz:

        e você, da patrulha reacionária, que não gosta de gente que não toma banho. Por quê você não assume logo que não gosta de pobre?
        Com essa conversa fiada de sistemas de alta produtividade???? vai ver o que está sobrando do cerrado com seus sistemas de "alta produtividade". Matopiba é apenas mais um exemplo do seu sistema, de sua elite "cheirosa", que toma banho, rouba e passa perfume depois.


        1. Chato de Galocha diz:

          Escutei a voz do Pixuleco ao ler o que vc escreveu. Faltou vc falar da elite branca-golpista-homofóbica-fascista-racista. Complete o texto aí, pô!


          1. Beth Prado diz:

            Realmente deu para ouvir a voz do Pixuleco. Este Marcelo é um pandega. É um gozador. Como pode um ser defender um governo Petista: é cego e surdo ou já esclerosou.
            Não dá mais para mantermos esta quadrilha no governo. Esta mentalidade que está exterminando o Brasil.
            O PT deveria ser cassado e enterrado.


          2. Marcelo diz:

            seu pensamento é que é obtuso, tosco, rasteiro e desonesto.


        2. Ebenezer diz:

          Eu não gosto de gente que não toma banho! Tô errado?


        3. Marcelo diz:

          e, para falar em "economia de escala", do perfumado aí de cima, expandir biocombustíveis, o que representaria isso mesmo em termos de cenário agrícola? hoje, a maior parte da produção agrícola é para alimentação, seja na forma de grãos (soja, milho) para ração animal ou hortaliças, frutas,e etc. Apenas essa demanda já pressiona excessivamente os remanescentes naturais, ver cerrado, amazônia e o que restou de mata atlântica. O que aconteceria em um cenário de expansão de biocombustíveis? seriam necessárias dezenas de milhões de hectares para suprir a demanda para a frota de veículos. Isso impactaria seriamente a produção para alimentos, em um mundo com demanda cada vez maior por comida. Em suma, biocombustíveis é uma aposta fajuta, falsa, sem noção.


      2. Marcelo diz:

        Não tem que investir em biocombustível não. Transporte de massa, trens, ônibus, bicicletas, carros elétricos, esses são os caminhos para gente que pensa e que estão sendo adotados em países sem esse povinho reacionário.


    2. Beth Prado diz:

      Realmente deu para ouvir a voz do Pixuleco. Este Marcelo é um pandega. É um gozador. Como pode um ser defender um governo Petista: é cego e surdo ou já esclerosou.


      1. Marcelo diz:

        aqui não é questão de defender petralhas, você não me conhece. Fiquei satisfeito quando começaram a limpar a corrupção na petrobrás, a prisão do delcídio, etc. Mas, e os outros? o cunha, aécio, temer, renan, serra? a compra da reeleião do FHC? isso não interessa pra vocês, certo? é uma ética seletiva, só vale prisão pra petistas.
        Outra coisa é que a discussão aqui não foi uma defesa do governo, foi uma crítica a alguns pontos falhos do texto. Um ponto falho dizia respeito ao dilema biocombustível/petróleo. Isso é uma discussão técnica e não política. Virou política porque quando as pessoas são cegas e obtusas, não conseguem enxergar mais nada na frente a náo ser um mundo dividido entre petralhas e defensores da moral.


  4. Marcelo diz:

    A análise do jornalista tem falhas importantes, além da ingenuidade de achar que Moro é um agente a serviço da justiça: o Matopiba iria existir, com ou sem Kátia Abreu. O avanço do agronegócio é uma máquina muito auto-controlada, com poderosas forças políticas no congresso, Estados e municípios e muito, muito dinheiro, de dentro e de fora do país. Ingenuidade achar que algum governo vai enfrentar isso. Sobre o "abandono dos biocombustíveis", o PIB depende fortemente do petróleo, o que o jornalista proporia exatamente? Esquecer o petróleo, quebrar a economia ainda mais e começar a plantar cana? biocombustível significa muito canavial e desmatamento. Não é uma solução "verde", vide o que aconteceu com a vegetação nativa em São Paulo. A única vantagem é a absorção de CO2 produzido na queima, a longo prazo. Se nossa matriz de combustível mudar para o uso de etanol não vai sobrar mais nada de Cerrado e talvez ainda avance pela Amazônia.


    1. Michele diz:

      "além de achar que Moro é um agente a serviço da justiça"…. Falou o "isentão" que tenta desqualificar o trabalho do juiz. Resumindo o que ele disse: "o pré-sal é nosso" e "não vai ter golpe".


      1. Marcelo diz:

        e você seria isenta ao defender o Moro? só é isento quem concorda com suas idéias políticas? a discussão é baseada em argumentos. O seu "resumo do eu disse" reflete uma compreensão tosca.


        1. Michele diz:

          Vc não apresentou argumento nenhum sobre ele, só teoria da conspiração. Cadê a prova? Os mais de 80 condenados fazem parte de um plano maior?


        2. Beth Prado diz:

          Marcelo,
          Vc é funcionário público? Ganha algum benefício governamental? Faz parte de um sindicato ou ong sustentado pelos petralhas?


  5. José Truda diz:

    Muito boa análise, mas sigo defendendo que nos livremos da atual corja e depois tratemos de ver o que se pode fazer com a próxima! Ao menos vamos lidar com picaretas que lêem e tomam banho… já vai ser um diferencial. 🙂


  6. João Augusto Madeira diz:

    Excelente análise da situação da área ambiental e de tudo o que ela deveria proteger e gerir. Só faltou, acredito que por falta de espaço, sugerir soluções… parece claro que a "solução" menos ruim para o momento político imediato é a anulação da chapa dilma-temer pelo TSE. No longo prazo, só uma ampla reforma política pode nos tirar desse lodaçal e haja pressão para que os probos deputados e senadores se mexam para resolver o problema do Brasil removendo a eles próprios do caminho…


  7. Gisele diz:

    ICMBio não devia nem existir. Foi criado de forma inconstitucional pelo time Marina-Lula…vide ADI 4029