Análises

Sobre Pequenas Grandes Vidas: Dia Internacional do Krill Antártico

O Oceano que circunda a Antártida não só contribui significativamente para os ciclos biológicos dos mares do mundo, mas também é essencial para regular o clima do nosso planeta

Rodolfo Werner ·
11 de agosto de 2022 · 2 anos atrás

Hoje é um dia importante para a Antártida, pois pela primeira vez é comemorado o Dia Internacional do Krill. Krill (Euphasia superba), um diminuto crustáceo semelhante ao camarão que se multiplica aos bilhões durante o verão austral, é um organismo fundamental na cadeia alimentar da Antártida. Todas as espécies que habitam este ambiente específico em nosso planeta se alimentam de krill, ou de outras espécies que comem krill. Ou seja, toda a fauna encontrada na água, na costa ou no ar, incluindo todas as baleias e peixes, as focas e pinguins, os albatrozes e petréis, depende do mar, e deste pequeno crustáceo. É por isso que proteger a Antártida significa proteger seu mar e, muito particularmente, o krill que habita o mar.

O Oceano que circunda a Antártida não só contribui significativamente para os ciclos biológicos dos mares do mundo, mas também é essencial para regular o clima do nosso planeta. Esta região está aquecendo a um ritmo sem precedentes, a falha em reduzir as emissões imediatamente fará com que nosso planeta chegue a um ponto de inflexão com consequências desastrosas não apenas para a Antártida e sua vida marinha, mas também para o resto da Terra. As projeções do sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas são particularmente preocupantes, uma vez que o krill está concentrado em uma das áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas, a Península Antártica. A diminuição do gelo marinho nesta área tem efeitos negativos importantes sobre as populações de krill.

Além disso, desde a década de 1960, embora com intensidade renovada na última década, as populações de krill foram submetidas a uma pesca crescente, concentrada nas águas da Península Antártica, Ilhas Órcadas do Sul e Ilhas Geórgia do Sul. A Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos da Antártida (CCAMLR), que faz parte do Sistema do Tratado da Antártida e da qual o Brasil é membro, é responsável pela gestão dessa pescaria. Esta convenção inclui dois elementos básicos em seu texto fundador: a gestão ecossistêmica da pesca e o princípio da precaução. No primeiro caso, traduz-se em decisões que permitem viver e deixar viver, ou seja, extrair recursos tendo em conta as necessidades de outras espécies que necessitam do krill para a sua sobrevivência. Estamos falando, vale repetir, de todas as espécies antárticas.

Agregação de krill. Foto: Antarctic Wildlife Research Fund.

É importante notar que a Península Antártica, onde se concentra a pesca do krill, abriga inúmeras populações de pinguins, focas e baleias. A boa notícia é o recente aumento sustentado das populações de baleias jubarte e fin, bem como a presença de baleias azuis nesta área. Todas essas espécies de cetáceos foram quase exterminadas pela caça excessiva que operou até o século passado. É por isso que é mais importante do que nunca garantir a disponibilidade de krill para essas espécies, grandes consumidoras desses minúsculos crustáceos. Portanto, é mais crítico do que nunca que a CCAMLR gerencie a pesca de krill de uma maneira que não coloque em risco as populações de baleias recém-recuperadas, competindo com suas necessidades alimentares.

Para mitigar as ameaças decorrentes das mudanças climáticas e da pesca de krill na área da Península Antártica, Argentina e Chile (também membros da CCAMLR) vêm trabalhando há anos em uma proposta para estabelecer uma área marinha protegida nessas águas administradas por esta Convenção.

O objetivo final da CCAMLR é estabelecer um sistema que inclua uma grande área marinha protegida e ao mesmo tempo que as atividades de pesca de krill sejam realizadas de acordo com um novo sistema de gestão que contemple as necessidades alimentares da fauna residente nesta área. Este é um dos grandes desafios da CCAMLR e uma das questões mais importantes que irá discutir na sua reunião anual em Hobart, Tasmânia, no próximo mês de Outubro.

Por tudo isso, hoje é um dia importante, é o dia em que o krill, uma espécie que passou despercebida pela maior parte da sociedade humana, é reconhecido. O Dia Internacional do Krill é uma data que celebra um ícone da natureza antártica – e cuja proteção interessa diretamente à saúde do mar brasileiro e sua fauna migratória. Cuidar das populações de krill é a única maneira de proteger o mar dos icebergs azuis e do continente branco.

Se for do seu interesse, no link a seguir você pode visitar a palestra sobre a proteção da Antártica e do krill que o autor deu em dezembro de 2021 no evento TEDxBariloche.

  • Rodolfo Werner

    Conselheiro do Pew Charitable Trusts e da Antarctic and Southern Ocean Coalition (www.asoc.org)

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