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De dar água na boca

Vem aí um grande programa para quem aposta na fotografia para a conservação da natureza e não sabe como explicar isso ao chefe . Pena que seja no Alasca.

11 de março de 2005 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Há sessões plenárias, mesas redondas e até passeios organizados para todos os gostos. Mas programa bom, mesmo, é o que espera em setembro no Alasca os fotógrafos que tiverem fôlego, dinheiro e pretexto para viajar até Anchorage, durante o 8th WWC – ou seja, o 8º Congresso Mundial de Vida Selvagem. Para eles, enquanto o resto da platéia quebra a cabeça com as grandes charadas ecológicas do planeta, a agenda promete seis dias de pura festa. Ou melhor, de palestras sobre o prontuário da fotografia como instrumento de conservação da natureza.

aos ouvidos de quem ainda procurava um argumento para pegar a câmera e botar o pé no mundo, o roteiro de “Imagens com Paixão e Resultado” soa como uma convocação irrecusável. Ele parece feito por gente disposta a não deixar dúvida sem resposta. Não só abre discussões sobre o uso da fotografia para convocar a opinião pública a brigar pela criação de reservas, como ataca as incertezas por todos os lados. Quem deve pagar por tal serviço? As imagens de natureza, para funcionar, têm que ser bonitas? Qual o seu papel na pesquisa científica? E daí por diante. Para cada ponto de interrogação, há um horário previsto no ciclo de debates.

As novidades começam por onde mesmo se espera. Ou seja, pelas conferências sobre “os mestres” do ofício, que já cavaram seu lugar na história da fotografia. Elas não tratam só do americano Ansel Adams, cujas fotos são provavelmente a primeira coisa que vêm à cabeça de quem ouve a palavra Yosemite. Abrem alas também para George Masa – aliás, o japonês Masahara Izuka, que emigrou para os Estados Unidos em 1915 e persuadiu seu país adotivo, com a pura verve de suas lentes, a criar nas montanhas Apalaches o parque nacional de Great Smokies. E apresenta uma dupla de pioneiros importantes que a distância eclipsou: Olegas Truchanas e Peter Dombrowskis, dois europeus do Leste que levaram a Austrália a preservar a Tasmânia.

Com Truchanas, diga-se de passagam, a intimidade do resto do mundo é tão rala que no programa oficial do encontro seu nome consta como “Turchanas”. Mas sua obscuridade tem, pelo visto, dia e hora para acabar. Será às 11h45m da manhã de 29 de setembro, quando começa a apresentação do documentarista australiano Scott Millwood, que fez um filme sobre a saga completa que é a biografia desses dois ambientalistas. O lituano Truchanas, desenraizado pela Segunda Guerra, chegou à Tasmânia em 1945 e se meteu sozinho, com seu caiaque e sua máquina reflex, num território áspero e inóspito que parecia condenado a sair sem escalas do isolamento milenar para os estágios terminais do desenvolvimento selvagem.

Foi um dos primeiros homens civilizados e ao mesmo tempo um dos últimos a ver, por exemplo, o lago Pedder, engolido por uma usina hidrelétrica em 1972. Convencido de que esse tipo de progresso é produto da ignorância, passou a combater barragens com fotografia, exibidas ao som da música do compositor filandês Jean Sibelius, que também deu voz à água. Ele perdeu a batalha do Pedder. Mas ajudou a salvar as florestas do rio Denison, que hoje têm seu nome.

Truchanas morreu há 33 anos. Afogou-se num rio da Tasmânia. Seu discípulo Dombroivski, em 1996. Teve um ataque cardíaco, cruzando o Western Arthur Range, um lugar tão agreste que só foi atravessado pela primeira vez em 1960. A militância ambientalista da fotografia tem, como se vê pelo programa, mais história do que supõe a vã filosofia dos colecionadores de cartões-postais. Ao programa do 8th WWC, que vem a ser o mais antigo fórum mundial sobre conservação da natureza, com 25 anos de estrada, o Brasil comparece duas vezes.

Com o Pantanal, na tarde de 3 de outubro, com uma exposição do fotógrafo canadense Theo Allofs. E com a Mata Atlântica, através do brasileiro Luciano Candisani, que lançou há meses um livro sobre os muriquis de Minas Gerais. O maior e mais coreográfico dos macacos brasileiros abriu espaço num auditório ocupado pelas imagens submarinas de David Doubilet, o meio oeste de Joel Sartore, os caçadores de cabeças de Michelle Westmoreland e as últimas paisagens primevas de Art Wolf, estrelas de primeira grandeza da fotografia ambiental.

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