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O uso abusivo do termo “unidades de conservação” para áreas de exploração e agropecuária esconde os verdadeiros interesses de quem quer receber aplausos às custas da natureza.

21 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Recentes medidas de proteção à natureza nos vários níveis de governo parecem exigir um olhar mais atento para a questão. Penosamente, se constata outra vez que na sua grande maioria são golpes publicitários que, com a ajuda da mídia mais desavisada, estão provocando aplausos mundiais. Os estrangeiros, principalmente, estão admirados com as mesmas e estão provocando uma enxurrada de elogios, embora muitas matérias já publicadas discorram sobre sua dubiedade.

Sobre as medidas tomadas pelo governo do Pará, ou seja, a criação do maior “mosaico de unidades de conservação do mundo” (com 15 milhões de hectares), Paulo Adário deixou muito claro, em seu artigo “O canto do cisne verde”, publicado aqui em O Eco, que a maior parte desse espaço (56%) está formada por “unidades de conservação” criadas para exploração de madeira. Somente 36% do “mosaico” correspondem a verdadeiras unidades de conservação de proteção integral.

Já escrevemos muito aqui em O Eco sobre a categoria de manejo denominada Floresta Nacional ou Estadual, dizendo que só nós, no Brasil, temos a desfaçatez de considerá-las “unidades de conservação”. Estas áreas são estabelecidas para exploração de madeira e demais produtos florestais e não são desenhadas nem manejadas para preservação da natureza. Ponto final. Além do mais, elas podem e, de fato, abrigam também populações humanas dedicadas à agricultura e pecuária. As florestas nacionais beneficiam o setor madeireiro. Não que não sejam necessárias no país, mas chamá-las de áreas protegidas ou unidades de conservação é demais. E as manchetes pipocam em todo o mundo. Até a Comissão Mundial de Áreas Protegidas da União Mundial para a Conservação da Natureza e a sempre crítica revista VEJA elogiam extravagantemente a medida, como se os 15 milhões de hectares fossem realmente para a proteção da biodiversidade da região. Pior é que o setor produtivo, principalmente o agrícola, já vem reclamando que há muitas áreas protegidas no estado do Pará. Enquanto isso, os ambientalistas de meia tigela se dão por muito satisfeitos.

Outra medida recente, agora da Ministra do Meio Ambiente, que declara através de portarias novos mosaicos de conservação eminentemente na Mata Atlântica, em 900 mil hectares, vem provocando rasgados elogios adicionais. Marc Dourojeanni demonstra a pouca importância das mesmas no seu artigo “Superfluidade e unidades de conservação”. Com efeito, oficializar mosaicos de unidades de conservação que já existem na prática não beneficia em nada a conservação. Mas a publicidade sobre a medida impressiona e passa a falsa idéia de um grande acontecimento. Também, como é óbvio, faz acreditar que a ministra foi a responsável ou o será pela proteção de mais 900 mil hectares de Mata Atlântica em unidades de conservação que foram estabelecidas, de há muito, por outros governos, nos seus diferentes níveis.

Fábio Olmos também aqui em O Eco, vem publicando o que está acontecendo no campo com as Reservas Extrativistas especialmente na Amazônia, que são as unidades de conservação prediletas deste governo, que já criou mais de quatro milhões de hectares delas. Novamente as Reservas Extrativistas são para uso direto dos recursos naturais e também admitem agricultura, pecuária e exploração madeireira. Parece que ninguém se preocupa com o crescimento demográfico das populações das mesmas e tampouco com o fato que muitos extrativistas querem e precisam melhorar de vida, e por isso expandem suas atividades pecuárias, as mais destrutivas, para o entorno. Mas, aqui no Brasil são chamadas de “unidades de conservação” ou pior, de “áreas protegidas”, enquanto não passam de ordenamento territorial ou de uma reforma agrária de baixo custo.

A última grande bomba nesta semana mostra o quão absurdamente se usa do poder legal referente às unidades de conservação para destruí-las. Trata-se da diminuição do Parque Estadual do Cristalino em Mato Grosso, em plena Amazônia, que ocorreu através de Projeto de Lei da Assembléia Legislativa, cortado em 26 mil hectares, apesar do veto do Governador, que dizem as más línguas, foi planejado para que este veto fosse derrubado pelo Legislativo e o foi. Como que para compensar o dano, mas na realidade para retaliar, a Assembléia Legislativa aumentou em pouco mais de sete mil hectares o mesmo Parque que havia diminuído em 26 mil hectares, pegando duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural muito bem manejadas e reconhecidas oficialmente como unidades de conservação. Acontece que a proprietária se posicionou valentemente contra a redução do Parque Estadual do Cristalino feita pela mesma Assembléia Legislativa, que agora resolveu acabar com as RPPNs mais bem implantadas e manejadas na região. De acordo com matéria publicada em O Eco, parece que o Ministério Público de Mato Grosso está atento ao absurdo abuso ocorrido e talvez o próprio Ibama, que reconheceu as RPPNs, possa intervir no processo.

As medidas governamentais acima citadas podem parecer, à primeira vista, como muito importantes para o meio ambiente nos dois grandes biomas brasileiros: Amazônia e Mata Atlântica. Mas, se esmiuçadas quanto à sua realidade escondem verdades importantes. Há que se colocar no seu devido lugar o uso abusivo do instrumento de unidades de conservação para ou atender interesses de outros segmentos da sociedade, no caso do Mato Grosso, ou para aparecer na mídia como grandes líderes ambientais do país, nos outros casos citados.

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