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A Educação que nos sufoca

Caíram o desempenho e a freqüência nas escolas brasileiras, campeãs de baixa qualidade. É o retrato da degradação ética de nossas elites. Isso tem tudo a ver com meio ambiente.

9 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

“Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém…”
(Chico Buarque – Pedro Pedreiro)

O Brasil já sabia que a crise da educação havia se agravado. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar) divulgada no ano passado mostrou que o número de crianças e jovens fora da escola havia aumentado em 2005. O número de jovens de 15 a 17 anos sem escola chegou a 18%. Aumentou, também, pela primeira vez em 14 anos, em 10%, o trabalho infantil. É reflexo direto de mudanças pouco criteriosas no bolsa-escola, ao ampliá-lo no contexto do bolsa-família. Agora o SAEB e o ENEM confirmam: caíram o desempenho e a freqüência nas escolas brasileiras.

As ilhas – rasas – de qualidade que persistem estão no setor privado e em escolas federais – tipo colégio aplicação – que são de classe média e alta. Conclusão aumentamos os privilégios, as desigualdades e condenamos milhões de crianças e jovens à pobreza de seus pais.

Chega a ser patético que um país que faz tanto escarcéu com sem-terras – muitos apenas pessoas sem emprego urbano – aceite com tanta tranqüilidade a existência de sem-escolas, na idade de estudar. O historiador Warren Dean diz em seu livro A Ferro e Fogo, que um povo que pratica a escravidão como o Brasil praticou jamais cuidará de suas matas. O que dizer de uma sociedade que não se importa com a educação de suas crianças e seus jovens? Vai deixar fritar a Amazônia, apodrecer os pulmões dos moradores das grandes cidades, sempre em nome do direito ao desenvolvimento.

Puro álibi. De fato, hipocrisia coberta de irresponsabilidade. Não existe desenvolvimento sem educação. Não existe crescimento sustentado e de qualidade, sem educação. Portanto, é conversa fiada das elites econômicas brasileiras, quando dizem que querem ver eliminados os entraves ao crescimento, porque estamos prontos para crescer e o governo não deixa. E é um blefe o pacote de aceleração do crescimento do governo, que chamou de PAC, tanto quanto o ajuntamento de projetos de cultivares, álcool e biodiesel, que chamou de “biotecnologia”.

Nada disso existe sem educação e com a educação piorando, é o vôo de galinha mais caro da história do Brasil.

O que isso tem a ver com meio ambiente? Tudo a ver. Educação perpassa todos os assuntos. Meio ambiente também. E os dois estão indissoluvelmente ligados. Não existe um escaninho para educação, como não pode haver para meio ambiente. Todas as escolhas que fazemos, todas as nossas ações constituem uma pegada ecológica. E todas as nossas escolhas e ações, dependem primariamente de nosso grau de educação e qualificação. Educação e meio ambiente estão presentes em qualquer pauta. Podemos não ver, descartar, desprezar. Mas isso não muda a realidade. Estão lá e farão seus efeitos.

Quais as conseqüências diretas desse processo de degradação continuada da educação no Brasil? A primeira é geral e imediata: se a escola não consegue ensinar sequer a ler e fazer contas direito, ela certamente não está preparada para ensinar cidadania. E cidadania não é só conhecer seus direitos, é entender suas obrigações coletivas e com a sua própria pessoa. Com essa educação miserável, temos um processo de evolução negativa da sociedade. Uma série de círculos viciosos. A pobreza se reproduz. Não há como aumentar a produtividade ou fazer programas de qualidade. Não se consegue reduzir os acidentes de trabalho, nem os acidentes de trânsito, nem os acidentes ambientais. A baixa qualificação determina um nivelamento por baixo de nossos padrões de exigência, em todas as áreas. A enganação, a manipulação, o populismo, a demagogia e o clientelismo se tornam a norma no processo eleitoral e na vida política do país. Imaginem se vingasse essa tolice parafascista da democracia plebiscitária, comandada por um presidente em relação direta com a massa. Tudo isso tem custo, econômico, ambiental, social e pessoal que, se contabilizados, nos transformaria numa sociedade miseravelmente subdesenvolvida. E na mentalidade somos, sem dúvida, muito subdesenvolvidos mesmo.

Quando se pronuncia a palavra desenvolvimento ou crescimento no Brasil, o que se está dizendo é enriquecimento, subsídio, privilégio, para os de sempre: os com-empresa, com-carteira, com-lobby, com-sindicato, com-ONG, com-máquina partidária, com-grupo, com-pistolão, com-igreja, com-reserva extrativista, com-movimento social. Aos despossuídos, o de sempre, também: mais despossessão.

O desenvolvimento só chegará aos despossuídos, quando perder a referência material e a base de subsídios aos capitalistas e aos “com-tudo” e investir na educação e qualificação dos filhos dos despossuídos. Esse era o truque embutido nas condicionalidades do bolsa-escola, onde deu certo: seja na administração tucana de Campinas, com José Roberto Magalhães Teixeira; seja na administração petista de Brasília, com Cristovam Buarque; seja na administração socialista de Belo Horizonte, com Célio de Castro. Desenvolver não é enriquecer os ricos e dar bolsa-família aos pobres. É desenvolver pessoas, para criar cidadãos responsáveis, qualificados para debater e deliberar sobre as escolhas coletivas, para trabalhar em empregos de qualidade. Esse investimento tem que começar pelos despossuídos, pelos elos mais fracos da cadeia social. Primeiro cuidar das crianças e dos jovens e, em primeiro lugar, não em último, daquelas mais pobres, para que possam tomar seus destinos em suas próprias mãos e forjar com elas a sua história futura, como protagonistas, inventoras, proprietárias de sua própria vida. Depois cuidar de marmanjo, se der. Aqui, se cuida dos marmanjos e nunca dá para cuidar das crianças despossuídas.

Essa má educação nada produz se não uma população de baixa qualificação e a baixa qualificação está associada a atividades econômicas de péssima qualidade, degradantes muitas vezes, de baixo rendimento e que são negativas para o meio ambiente.

As atividades que agregam valor, que fazem uma empresa e uma economia competitivas, que produzem produtos de qualidade e geram uma dinâmica sustentada e sustentável, exigem, todas, qualificação e qualificação continuada.

Para entendermos a vida, o planeta, a interação positiva e negativa entre o ser humano e a terra, precisamos ter informação científica e, para isso, precisamos aprender a ler e entender o que lemos, fazer contas e resolver problemas, no tempo certo, na idade correta. É o mesmo requisito que as ocupações da nova economia do conhecimento, da era da comunicação exigem. Para termos ciência, tecnologia, biotecnologia, desenvolvimento, precisamos ter jovens qualificados para serem bons cientistas, tecnólogos e técnicos. Portanto, qualquer programa que não comece por uma reestruturação integral da infra-estrutura, qualidade e prioridades da educação, em todos os níveis, não passa de enganação, queimando o meu, o seu, o nosso dinheiro e a fumaça dessa queimada enriquece os de sempre, instalados nas pirâmides das federações empresariais construídas com dinheiro do sistema “S”, que deveria ser gasto exclusivamente em educação, nos sindicatos, nos partidos e em outras organizações que mobilizam suas “bases”, para inalar essa fumaça monetária para benefício próprio.

Para não dizerem que não vi. Houve uma pequena melhora no desempenho da 4a série do Primeiro Grau. Foi pífia e ainda cumprirá o papel negativo de servir de justificativa para essa complacência criminosa e para promessas vãs sobre o futuro imediato. O futuro imediato será mais medíocre que o presente, até que mudemos, no presente, para garantir melhores resultados no futuro. A justificativa de que falta renda e para isso precisamos crescer mais é falsa, tosca e desprezível.

Com essa educação não diminuiremos a pobreza e não seremos uma Nação qualificada para enfrentar os desafios do século XXI. Um deles será a mudança climática global. Os pobres e as nações que têm muitos pobres são os que mais sofrerão com suas conseqüências.

A impressão que me dá, acompanhando a discussão sobre desenvolvimento, hoje, no Brasil – e as bobagens que se diz sobre emissões e desenvolvimento – é que estamos nos preparando para jogar de novo a copa do mundo de 1950 e ganhar. Mas vamos perder todas as copas do século XXI. Estamos treinando para o returno que já vem, que já vem, que não vem.

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