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Os patinhos feios

Pesquisa dá pista que o instinto impera até onde nossa razão não o reconhece. Como os animais, parece que os humanos protegem menos os filhos considerados feios.

12 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Qualquer pai ou mãe negaria tal fato. Mas há pesquisa indicando que tratamos pior dos nossos filhos quando eles são classificados como feios. Para ser sincera, sempre acreditei que acontecesse o inverso. Achei que os mais feios e oprimidos fossem os mais protegidos e mimados. Não, garantem cientistas canadenses. Os pais cuidam mesmo é dos bonitinhos. Será que, inconscientemente, os consideram jóias raras ou cartões de visita? Será que os bonitos fazem com que os pais se sintam mais capazes? Coisa do tipo “fui eu que fiz”?

Não necessariamente. A especulação é que a negligência em relação aos filhos feios pode estar ligada a algum instinto de evolução da espécie. Crianças mais bonitas representam uma melhor herança genética e, portanto, recebem mais cuidados. Como acontece com outros animais, que fazem a seleção de sua prole para garantir que a preservação se dará através dos bons e melhores, os mais fortes, os mais saudáveis e… os mais bonitos.

O estudo foi feito em universo limitado. Pesquisadores da Universidade de Alberta observaram o relacionamento entre pais e filhos em “expedições” familiares ao supermercado. O comportamento paterno e materno foi minuciosamente observado – se os pais colocavam o cinto de segurança nos filhos na cadeira do carrinho de compras, se a criança se envolvia em atividades potencialmente perigosas, do tipo ficar em pé no carrinho e quanto tempo passava circulando pelos corredores, ou seja, longe da vista dos pais. Também classificaram a beleza física de cada criança numa escala de 1 a 10 pontos. Parece coisa de maluco. Provavelmente, é.

O uso de cinto de segurança crescia de acordo com a escala de beleza do bebê e de acordo com o responsável presente. Mãe é mãe. E ela tende a amarrar mais seus filhotes no carrinho. Incluindo os feios. Quando o responsável era o pai, só as mais bonitinhas estavam afiveladas e livres da possibilidade de estragar o narizinho perfeito numa possível queda. Além de não usarem o cinto de segurança dos carrinhos, as crianças feias acompanhadas pelos pais também tinham o direito de se afastar da vista deles mais livremente e permissão para perambular a mais de 3 metros de distância.

Tudo isso me parece tragicômico. Consigo imaginar pais sendo mais negligentes com os filhos, talvez porque não sejam tão neuróticos quanto as mães e liberem as crianças do cintinho. Mas não consigo imaginar pai ou mãe sendo mais ou menos cuidadosos em função da beleza de cada filhote. Apesar de saber que grande parte dos animais faz este tipo de seleção, não posso aceitar os resultados desta pesquisa. Nego. E se nego, talvez parte de mim saiba que isso é perfeitamente possível.

Não tenho qualquer dado científico sobre o assunto. Mas criança feia assusta a maioria dos humanos. Não por medo. Por constrangimento. Ficamos mudos diante de sua feiúra, porque ela nos rouba o mais comum dos comentários: “nossa, que gracinha”. Numa situação dessas, acaba-se sempre caindo no insosso “como ela é esperta ou simpática”. Basta isso para os pais se verem diante do fato de que a criança é feia. Além do mais, fazemos seleção de atributos físicos o tempo todo. E aqui, não me refiro aos bebês. Quem nunca olhou torto para um gordo, por exemplo, que atire a primeira pedra.

Duro é imaginar que possamos fazer isto com crianças. Não como exceção, mas como regra. É mais um indicador de que não estamos tão distantes assim dos animais na cadeia evolutiva. E que destratar um filho ou considerá-lo “da pior espécie”, em vez de ser uma aberração ou crime, pode ser genético.

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