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Referendo e participação

A participação popular em questões ambientais ainda é precária e precisa ser ampliada. A área é fértil em temas que poderiam ser decididos por referendos.

31 de outubro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Passado o referendo sobre a compra e venda de armas, vimos que a consulta popular sobre assuntos polêmicos é uma importante experiência democrática. Para o meio ambiente o referendo pode ser um bom termômetro para as chamadas questões polêmicas.

Recentemente, o decano dos estudiosos do direito ambiental, professor Paulo Affonso Leme Machado, sugeriu que se fizesse um referendo sobre a transposição do rio São Francisco. A sugestão é importante e adequada, pois permitiria que a sociedade tomasse uma posição fundamentada sobre a matéria. Aliás, é necessário que se observe que o direito ambiental tem entre os seus princípios basilares o chamado princípio democrático ou da participação, que se materializa em diversos procedimentos, tais como as audiências públicas, a publicidade dos estudos de impacto ambiental, a publicação dos requerimentos de licenças ambientais, etc.

Os mecanismos de participação nos processos de licenciamento ambiental ainda são muito precários no Brasil, muito embora sejam, de longe, os mais desenvolvidos quando comparados com outros setores da administração pública. As audiências públicas estão previstas para a parte final do processo de licenciamento ambiental. Isto é muito ruim, pois impede que tanto o empreendedor quanto a população interessada tenham conhecimento real das demandas envolvidas no empreendimento antes da elaboração do estudo de impacto ambiental. Na verdade, todas as demandas reprimidas irão desaguar na audiência pública, fazendo com que ela se transforme em uma verdadeira praça de guerra, com torcidas, grupos e pouca discussão efetiva sobre os problemas que poderão advir da implantação do empreendimento.

Pessoalmente, sou de opinião que a audiência pública deveria ser prevista para o início do procedimento de licenciamento ambiental, com a análise do termo de referência para o estudo prévio de impacto ambiental. Aqui a comunidade teria o direito de indicar os aspectos que julga relevantes para a análise do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima). Com isto, evitamos que na última hora surja uma liminar paralisando a audiência pública, visto que o Eia/Rima não contemplou os impactos sobre o sono dos morcegos ou os ninhos de aves de arribação. Todas as legítimas tensões se carreariam para os estudos que deveriam ser realizados pelo Eia e não para aqueles que já foram realizados. Quando da apresentação do Eia/Rima, este seria submetido a uma nova audiência que examinaria se o Termo de Referência foi seguido pela equipe técnica que realizou os estudos. Com este sistema, a economia de tempo, recursos e paciência seria muito grande. É importante também que as próprias audiências públicas possam ser dimensionadas adequadamente e que, principalmente, as consultas às comunidades mais amplas não impliquem na subtração do direito de participação dos legítimos proprietários das áreas afetadas pelo empreendimento.

A própria participação comunitária no processo de licenciamento ambiental é algo que precisa ser mais bem discutido. Ora, se existe a publicação dos requerimentos de licença e a publicação da concessão da licença, isto somente se justifica pela possibilidade aberta para que qualquer um do povo possa impugnar tal procedimento. Entretanto, a legislação não prevê qualquer forma efetiva de participação no licenciamento. Este é um assunto que precisa ser enfrentado pela legislação de forma bastante clara e urgente. Os riscos dos empreendimentos são diretamente proporcionais ao baixo nível de conhecimento das comunidades por eles afetadas. Quanto maior o conhecimento, maior a segurança do empreendedor com relação à sua realização. Infelizmente, todo o populismo ambiental que vivemos no Brasil não moveu uma palha para enfrentar as questões suscitadas neste artigo, pelo menos até onde sabemos. De fato, manter as questões trancadas em gabinetes e acessíveis a um pequeno grupo de pessoas é o caminho mais conveniente para que apenas poucos possam ter poder real em questões de meio ambiente.

Aqui no Rio de Janeiro estamos vivendo uma enorme polêmica sobre favelas, meio ambiente, áreas de proteção do ambiente cultural e outras questões gravíssimas para a nossa cidade. Um referendo sobre o tema cairia bem. No dia 8 de novembro, a cidade de Nova York convidará a sua população a se manifestar em um referendo sobre a Proposition 2. Trata-se de matéria do transporte público. Indaga-se à população se ela concorda que a Prefeitura capte no mercado os recursos necessários para a construção de uma nova linha de metrô, o conserto de pontes e estradas e para uma reorganização do sistema de ônibus. Os valores estão sendo informados ao público que decidirá sobre o assunto. Todos nós sabemos que o Rio de Janeiro não possui um sistema de transporte de massas e, o que é pior, nós nem discutimos o assunto. A matéria é tratada como se fosse um fato absolutamente normal que uma cidade com milhões de habitantes não possua transporte coletivo. A população fica sendo empulhada com bobagens tipo via seletiva, mão invertida e outras embromações, como se isto fosse resolver o problema.

Não é necessário desenvolver muito o tema para que, facilmente, se perceba que as questões ambientais são extremamente “referendáveis” e que nós devemos avançar no sentido de criarmos consultas populares, sobretudo em assuntos de interesse local, de forma a fazer com que a população participe, efetivamente, da construção do seu destino.

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