Muitos afirmam que a língua portuguesa é um continente tal a imensidão de suas dimensões. De fato, a língua portuguesa é uma das mais faladas no mundo. O problema é que a maior parte dos lusófonos estão no Brasil. Portanto, a dimensão do Português não corresponde a uma penetração internacional significativa. Assim, embora “continente”, o Português acaba se transformando em “ilha” e propiciando um certo grau de isolamento cultural do Brasil e de outras nações que falam o Português.
No mundo do Direito tal isolamento é bastante sentido e, se não fosse o excelente trabalho realizado pela Editora Martins Fontes com as suas ótimas traduções de obras jurídicas modernas, o acesso dos profissionais do direito às obras estrangeiras seria praticamente nenhum e estaria restrito àqueles que são capazes de falar uma segunda ou terceira língua. Decorre daí que as idéias sempre chegam aqui de segunda mão, com atraso e o debate, portanto, fica muito prejudicado. Existe uma idéia preconcebida e preconceituosa que não vale a pena estudar o direito estrangeiro, pois as leis “são diferentes”. Em primeiro lugar, direito não se resume às leis e, em segundo lugar, existe uma interpenetração entre diferentes sistemas jurídicos muito maior do que se poderia pensar. O fenômeno da globalização e a expansão das normas internacionais de proteção ao meio ambiente, com o crescente número de tratados e convenções internacionais e a sua conseqüente incorporação ao direito interno, são indiscutíveis.
Assim, parece-me de fundamental importância que se fique atento ao que se passa alhures, buscando identificar tendências e absorver aquilo que possa nos ser útil. Principalmente para evitarmos que outros leiam por nós o que está se passando lá fora. Para evitar a informação parcial e fragmentada. Assim sendo, eu gostaria de fazer algumas observações sobre obras que julgo relevantes no atual debate sobre meio ambiente, risco e princípio da precaução que, de certa forma, empolgam toda e qualquer discussão sobre meio ambiente aqui no Brasil e no mundo.
Os atentados terroristas de 11 de setembro tiveram um impacto muito relevante nos Estados Unidos e, sem dúvida, repercutiram nos debates acadêmicos e práticos sobre risco e precaução. Imediatamente começou a ser produzida toda uma quantidade de obras voltadas para os temas. É verdade que, tanto lá como cá, muita coisa ruim há. Vamos ver o que de bom tem sido feito.
Avaliação de riscos
Richard A Posner, consagrado professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago e Juiz do Tribunal Federal do 7º Circuito, escreveu Catastrophe – Risk and Response, New York: Oxford University Press. 2004, 322 pp.Trata-se de um trabalho bastante amplo, construído em quatro partes. A primeira cuida de examinar o conceito de catástrofe, dividindo-as em (i) naturais, (ii) acidentes científicos, (iii) outras catástrofes não intencionais produzidas pelo homem, (iv) catástrofes intencionais, (v) sinergias catastróficas.
A segunda parte pergunta por que tão pouco tem sido feito em relação aos riscos de catástrofes. Nessa seção são abordados os fatores (i) culturais, (ii) sociais e (iii) econômicos. Já a terceira parte investiga como avaliar os riscos catastróficos e as possíveis respostas, temas como (i) a diferença que a análise de custo-benefício pode fazer, (ii) uma modesta versão do princípio da precaução, (iii) descontando o valor presente, (iv) impostos, subsídios e opções: o caso do aquecimento global, (v) avaliando vidas humanas, (vi) risco versus incerteza, (vii) lidando com a incerteza, (viii) política, perícia e neutralidade. A quarta seção trata de como reduzir os riscos de catástrofes e é assim composta (i) reformas institucionais, (ii) instrumentos fiscais e (iii) algumas hipotéticas políticas regulatórias.
Posner é um dos principais teóricos da chamada Escola Economia e Direito que busca, sumariamente, analisar as repercussões econômicas das decisões jurídicas e judiciais. Embora muito focada nas questões da racionalidade econômica e das repercussões que a Common Law pode ter no âmbito da economia, não se deve desprezar a importância da corrente para o direito brasileiro visto que, por aqui, não se tem o hábito de fazer qualquer consideração prévia quanto aos custos sociais e econômicos de determinada legislação.
No caso específico da legislação ambiental, tal realidade é gritante. Como sabemos, o papel aceita tudo. Os legisladores não examinam concretamente a repercussão da norma e produzem-na muito mais com o objetivo de “jogar para a platéia” do que, efetivamente, enfrentar problemas. Se analisarmos as principais discussões “jurídicas” que são travadas na área ambiental, veremos que elas não ultrapassam o nível rasteiro de metragens do Código Florestal a serem utilizadas em áreas urbanas, se transgênicos devem ou não ser proibidos e outras bobagens. Infelizmente, ainda não conseguimos discutir o direito ambiental como um dos mais relevantes componentes regulatórios de nossa atividade econômica e qual o papel que a proteção do meio ambiente deve desempenhar em tal contexto. Um trabalho brasileiro que pode nos ajudar a entender a questão é o excelente O Preço do Amanhã de Eduardo Giannetti que, de certa forma, nos alerta para as mesmas questões de Posner.
É legítimo que grupos de pressão busquem fazer com que os seus interesses sejam contemplados pela ação governamental e se transformem em políticas públicas. O papel do governo, por outro lado, é o de tentar dar uma racionalidade às diferentes pressões e optar por medidas que, em termos de custo benefício, sejam as mais adequadas, ou se assim não for, que ele deixe claro para a população qual é o custo da solução adotada. Não se trata de reduzir o governo a um papel subalterno de mero gerente de almoxarifado, controlando a entrada e saída de recursos, mas de desempenhar o inconveniente papel de lembrar que alguém tem que pagar a conta ao final da festa. A matriz energética, por exemplo, é um bom nicho para ser observado. Existem grupos de pressão contra as usinas nucleares, contra as hidroelétricas, contra a utilização intensiva de combustíveis fosseis e, se analisarmos bem, até mesmo contra as energias alternativas.
Princípio da precaução
Quando utilizo o princípio da precaução contra a energia nuclear, não posso utilizá-lo contra os combustíveis fósseis, visto que considero como risco maior o nuclear. Por outro lado, se o utilizo contra os combustíveis fósseis, pois tenho fundados receios quanto ao aquecimento global, não posso me insurgir contra as hidroelétricas. Contudo, julgo necessário que o princípio da precaução seja utilizado para a defesa da diversidade biológica, logo não posso argumentar contra o nuclear ou os combustíveis fósseis. Na verdade, tais dilemas só existem quando não estamos preparados, como sociedade, para enfrentar os custos de nossas decisões. E, principalmente, quando nosso olhar não ultrapassa a árvore.
De Cass R. Sunstein, igualmente professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, merecem ser lidos Laws of Fear – Beyond the Precautionary Principle, Cambridge: Cambridge University Press. 2005, 234 pp e Risk and Reason – Safety, Law, and the Environment, Cambridge: Cambridge University Press. 2004, 342 pp. Ambos os livros seguem a mesma direção e buscam dar racionalidade ao debate e focá-lo nos custos sociais. Merece atenção o tratamento de Sunstein ao chamado worst case scenario. Hoje é uma mania recorrente que os órgãos ambientais trabalhem, em matéria de prevenção de risco, com o chamado cenário do pior caso. Até que ponto isto é racional? O pior cenário é uma probabilidade, não uma fatalidade. Entretanto, a consideração da probabilidade nem sempre é levada em conta e a mera probabilidade de danos, se transforma em dano atual e não meramente potencial. “Probability neglect is especially large when people focus on the worst possible case or otherwise are subject to strong emotion.” (Laws of Fears, pg 68).
Um exemplo interessante que Sunstain traz é o caso da proibição e substituição dos asbestos nas escolas de Nova Iorque. Segundo o autor, a medida era muito popular e, na verdade, foi solicitada pelos pais do alunos. Como informa o autor, o risco de uma criança contrair câncer devido aos asbestos era 1/3 do risco de que ela fosse atingida por um raio. “But when it emerged that the removal would cause schools to be closed for a period of weeks, and when the closing caused parents to become greatly inconvenienced, parental attitudes turned right around, and asbestos removal seemed like a really bad idea. As the costs of the removal came on-screen, parents thought much more like experts, and the risks of asbestos seemed tolerable. Statistically small, and on balance worth incurring.” (pg. 48). Não se tome a afirmativa como verdade absoluta, mas que ela merece reflexão, merece.
Os livros acima mencionados e muitos outros demonstram que a nossa discussão jurídica não pode mais ficar restrita aos elementos puramente formais da norma, como se ela pertencesse a um mundo diferente e no qual, tal como no Monte Parnaso, a discussão existisse por ela própria, em competições intelectuais sem sentido, buscando-se saber que eram capazes de produzir maiores sutilezas.
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