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Itatiaia: com a palavra os juristas

Qual a melhor solução para as áreas particulares do Parque Nacional de Itatiaia? Onde estão os limites da lei? É preciso desapropriação? Há controvérsias.

20 de março de 2006 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Eduardo Pegurier Esta coluna começou num bate-bola com o colega de O Eco, Paulo Bessa. Precisava de um balizamento do contexto legal sobre o polêmico plano do Ibama de desapropriar casas e hotéis particulares, encravados no Parque Nacional de Itatiaia. Em seguida, conversei com os procuradores Guilherme Raposo e Luiz Cláudio Leivas. Colhi opiniões muito ricas. E bastante controversas.

Os argumentos da equipe do Ibama para defender as desapropriações são de dois tipos. O primeiro é legalista. Elas devem ser levadas a cabo porque a legislação vigente, a lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), assim o exige. É obrigação do Ibama cumprir a lei. O segundo ponto é administrativo. Para que o Parque Nacional de Itatiaia (ou qualquer outro) atinja todos os seus objetivos preservacionistas e de bem público, sua gerência deve ter controle total sobre o seu território. Aliás, esse seria o espírito por trás da lei do SNUC.

Não é tão simples assim. Segundo Bessa, o Ibama não tem essa obrigação legal. Ou, pelo menos, ela é duvidosa. Correndo o risco de simplificar as minúcias da análise jurídica, a argumentação é a seguinte. O Parque foi criado em 1937 e ampliado em 1982. O decreto de criação diz que as áreas privadas devem ser desapropriadas e incorporadas ao mesmo. Mas a lei 3.365, de 1941, que rege qualquer tipo de desapropriação, diz que a compra deve ser feita em até cinco anos após ser decretada. Passado esse prazo, o assunto caduca.

O Parque de Itatiaia tem 30 mil hectares. As terras privadas em questão têm cerca de 300 hectares. Estão localizadas principalmente na parte baixa do parque e ficam dentro dos seus limites. Mesmo assim, segundo essa interpretação, não fazem parte do parque. A oportunidade de incorporá-las foi perdida nos cinco anos seguintes à sua criação. E, se estão fora do mesmo, a lei do SNUC não se aplica. Afinal, ela só manda que as áreas do parque sejam públicas.

Bessa acrescenta que existem mecanismos legais que o governo pode usar para ressuscitar o processo. Um deles seria relançar o parque, incluindo novamente os lotes privados. Dessa forma, ganharia novo prazo para comprá-los. Mas isso seria feito por desejo do Ibama e não por obrigação legal.

Área desaparecida

Guilherme Raposo, procurador federal locado em Resende, discorda. Ele apóia o Ibama. A intenção da lei do SNUC é muito clara quando diz que toda a área do parque deve ser pública. Como as áreas privadas ficam dentro dos limites do parque e são importantes para a preservação, devem ser incorporadas. Acrescenta que o Ministério Público, caso o Ibama não se mexa, tem obrigação de pressionar o órgão a cumprir a lei. Com relação aos procedimentos de desapropriação, ressalta que, passado o prazo legal de cinco anos, o processo pode ser reiniciado com outro decreto. O prazo legal de carência é de apenas um ano.

Mas foi a conversa com Luiz Cláudio Leivas que deu um rumo inesperado a discussão. Ligado à preservação desde os ensinamentos do avô, Leivas acompanha há décadas o desenrolar fundiário do Parque Nacional do Itatiaia. Segundo ele, existe um problema muito mais premente que o atual plano de desapropriações. A maior parte das terras onde está o parque foi comprada pelo governo federal em 1908. A área total seria de 48 mil hectares. O parque tem 30 mil hectares. Os terrenos privados cerca de 300. Onde estão os 17.700 hectares de diferença?

Para Leivas, a lista de prioridades está invertida. O primeiro passo do Ibama deveria ser a contratação do Serviço Geográfico do Exército para fazer o levantamento fundiário, reconstruindo a história iniciada em 1908. Usando o Exército, esse levantamento sairia, inclusive, barato. Em seguida, seria feita a chamada Ação Discriminatória, um processo judicial que estabeleceria o que, de fato, é do governo federal.

Descobrindo os limites externos do parque, boa parte dos milhares de hectares sumidos poderiam ser reincorporados. O segundo passo seria caracterizar todas as invasões, construções e loteamentos irregulares existentes. Esses podem ser reintegrados ao parque na Justiça, sem merecer indenizações. Cumpridas essas etapas, sobrarão poucas áreas particulares a serem examinadas. E a solução, ao invés da desapropriação, pode ser através da regulamentação de uso.

“Onde foram parar os arquivos do parque?”, pergunta Leivas. “Os mapas e documentos da época que o governo fez as aquisições eram muito detalhados. Desenhados cuidadosamente, com nanquim, em papel à prova de rasuras. Cadê essa memória? Esse país trata com o maior descaso sua memória. A primeira tarefa é recuperá-la”.

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