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Regularização de reserva legal: que lei aplicar?

Adquirente de imóvel assume automaticamente as obrigações do antigo proprietário, mesmo que não saiba de sua existência.

24 de fevereiro de 2014 · 11 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

 

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O novo Código Florestal permite o cômputo de Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal. A aplicação dessa nova regra interessa a um grande número de proprietários de imóveis rurais que firmaram ajustes com o Ministério Público ou com órgãos ambientais para fins de recomposição e registro da área de reserva legal e que ainda não cumpriram integralmente os termos do ajuste.

Deve o proprietário de imóvel que tenha sido objeto de termo de compromisso para regularização de reserva legal à época em que estava vigente o Código Florestal de 1965 obedecer às regras da época da celebração do ajuste ou às da Lei n. 12.651/2012?

De acordo com o art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, reputa-se perfeito o ato jurídico consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Ato jurídico perfeito não é o ato definitivamente exercido. Ensina Rubens Limongi França que o ato jurídico de que fala o art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, é “aquele que sob o regime da lei antiga se tornou apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. É perfeito ainda que possa estar sujeito a termo ou condição”.

Portanto, uma vez celebrado, o termo de compromisso constitui ato jurídico perfeito, mesmo que a recomposição ou o registro da reserva legal ainda não tenha se efetivado. Sob esse aspecto, não há como rediscutir as cláusulas do termo.

Ademais, o titular de qualquer direito difuso não é o Ministério Público nem a Administração, é a coletividade.

Dispõe o art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

O tomador do termo de compromisso, mero representante da coletividade, não pode transigir a esse respeito. Com a celebração do termo de compromisso (ato negocial) para a recomposição de reserva legal nos termos do antigo Código Florestal, é a coletividade que passa a ter o direito de exigir o cumprimento do título executivo.

O termo é exigível em face de quem se encontrar na condição de proprietário do imóvel e o órgão público ou o Ministério Público será o portador do interesse da coletividade. Por isso, a eficácia do ato jurídico perfeito se estende para todos.

De quem é exigível o cumprimento da obrigação?

A reserva legal constitui obrigação “propter rem”, isto é, uma obrigação que incide sobre a coisa e não sobre a vontade das partes. Ensina Silvio Rodrigues (Direito Civil. Vol.2. São Paulo: Saraiva, 2007. p.81) que essa espécie de obrigação transmite-se ao sucessor, mesmo que ele não saiba da sua existência:

“É regra geral do Direito das Obrigações que os sucessores a título particular não substituem o sucedido em seu passivo. De fato, enquanto o herdeiro que sucede a título universal assume o ativo e também o passivo do de cujus, o legatário, que sucede a título particular, em tese, não responde pelas dívidas do alienante. Entretanto, as obrigações propter rem constituem exceção, pois o sucessor a título singular assume automaticamente as obrigações do sucedido, ainda que não saiba de sua existência.”

Pouco importa se o imóvel ainda pertence àquele que celebrou o compromisso ou se temos um novo proprietário: o comprador adquire o imóvel com todos os ônus nele incidentes. Se o imóvel rural foi onerado por compromisso de recomposição da reserva legal equivalente a 20% da área total do imóvel, excluídas as áreas de preservação permanente, essa obrigação não desaparece, pois estamos falando de ato jurídico perfeito e de obrigação “propter rem”.

O adquirente do imóvel pode exigir ressarcimento de eventual prejuízo?

Caso venha a se sentir lesado por eventual ocultamento dessa obrigação, ao novo proprietário caberá pleitear do vendedor o abatimento do preço correspondente aos gastos havidos com a execução das cláusulas do compromisso de ajustamento.

Aplica-se, aqui, o artigo 422 do Código Civil, que diz: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O Direito Civil, portanto, protege o direito do adquirente em face do vendedor, sem afetar o direto da coletividade à recomposição do meio ambiente.

A regra, na verdade, é bastante coerente e baseia-se no princípio da boa fé. Se não fosse assim, bastaria que dois proprietários, maliciosamente, permutassem seus imóveis para, num passe de mágica, se desobrigarem do cumprimento de obrigações que haviam assumido!

Assim, seja quem for que tenha firmado o termo de compromisso, atual ou antigo proprietário do imóvel, não lhe caberá escolher as regras mais convenientes para a consecução do projeto de regularização de reserva legal. A obrigação aderiu ao imóvel no momento em que se aperfeiçoou o ato jurídico entre o representante da coletividade e o da pessoa autorizada a onerar o imóvel naquele instante.

Compensação do dano ambiental

A obrigação assumida num ajuste é específica. Se fosse apenas de instituição de reserva legal, estaríamos diante de uma obrigação legal, universal. Não há necessidade alguma de se firmar um termo de compromisso para exigir tão somente o que a lei já impõe. Ajustes dessa espécie constituem uma aberração jurídica.

Quando celebra um termo de compromisso, o proprietário se acautela das sanções imediatas que adviriam do descumprimento da lei. Firma o ajuste e adquire fôlego para corrigir a ilegalidade sem ser multado. Esse benefício lhe é oferecido mediante contrapartida e esta, de acordo com o que for negociado, que pode ser até mesmo mais rigorosa do que a lei antiga ou a nova. Por exemplo, averbação e recuperação de reserva legal em área equivalente a 25% do imóvel, excetuada a APP. E isto porque o art. 16 da Lei 4771/65 obrigava a manutenção de um percentual mínimo (e não máximo). Se levarmos em conta que os termos de compromisso devem prever compensações para um dano ambiental que persistiu no tempo, isso nada tem de absurdo. Portanto, as condições específicas do ato jurídico perfeito (termo de compromisso) integram a obrigação, e esta obrigação acompanha o imóvel, seja quem for seu proprietário.

*Editado às 13h30 de 25/02

 

 

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