Colunas

Desmatamento na Amazônia: o governo perdeu a disciplina

Novo aumento sugere que obras de infraestrutura, redução de áreas protegidas sem salvaguardas e anistia criaram incentivos perversos.

21 de novembro de 2013 · 11 anos atrás
  • Paulo Barreto

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

Área desmatada no município de Paragominas
Área desmatada no município de Paragominas

Recentemente, o governo federal anunciou que o desmatamento em 2012-2013 aumentou 28% em relação ao período anterior. Apesar de a taxa ter sido a segunda menor desde que o monitoramento por satélite começou em 1988, a perda de 5.843 km2 de cobertura florestal é inaceitável. Primeiro, porque grande parte do desmatamento foi ilegal; e segundo, porque o desmatamento é irrelevante para aumentar a produção agropecuária.

O aumento, que quebrou a tendência de queda ocorrida entre 2008 e 2011, já era esperado por causa de fatores econômicos e das ações e omissões do poder público. Para que o desmatamento seja definitivamente controlado é essencial entender tais fatores e aplicar as lições aprendidas.

O índice de preços de alimentos da FAO subiu 22% entre 2011-2010 e favoreceu o aumento do desmatamento. Até 2007, o aumento dos preços estimulava o desmatamento no ano seguinte. Entretanto, os preços favoráveis não levariam necessariamente ao aumento do desmatamento. A produção poderia aumentar nas áreas desmatadas mal usadas. Nos anos em que o governo foi mais duro contra o desmatamento – 2008 a 2011 – a produção e o valor da produção agropecuária continuaram subindo, em parte, pelo aumento de produtividade (Figura 1).

Figura 1. Valor da produção agropecuária e a taxa de desmatamento no bioma Amazônia entre 1999 e 2010. Valor deflacionado pelo IGP-DI com ano base 2010. Fonte dos dados: Inpe, IBGE e FGV.
Figura 1. Valor da produção agropecuária e a taxa de desmatamento no bioma Amazônia entre 1999 e 2010. Valor deflacionado pelo IGP-DI com ano base 2010. Fonte dos dados: Inpe, IBGE e FGV.

Esta tendência poderia continuar, pois o estoque de terras mal usadas ainda é enorme. A Embrapa e o Inpe estimaram que a área de pasto subutilizado (chamados de pastos sujo e pastos com regeneração florestal) na Amazônia somaram  cerca de 12 milhões de hectares em 2010 (ou o equivalente a 5,4 vezes a área do Estado de Sergipe). O bom uso de menos de 25% desta área seria suficiente para abastecer o crescimento da demanda por carne projetada pelo governo até 2022. Enfim, temos terra desmatada de sobra.

O fato de que algumas pessoas desmatam mesmo sobrando áreas desmatadas, indica que existem estímulos ao desmatamento excessivo e improdutivo. Por exemplo, alguns desmatam terras públicas para mostrar que detêm a posse da área e, se no futuro o valor da terra aumentar, eles podem vender a terra com lucro.

É relativamente barato especular ocupando terras públicas. Quem desmata ilegalmente raramente é punido e o governo raramente retoma a posse dessas terras, mesmo quando elas são mal usadas (improdutivas.). Ademais, o governo é ineficaz em cobrar o ITR, o imposto criado para inibir a especulação e o uso improdutivo das terras. Por exemplo, em 2002, o governo arrecadou apenas 6% do valor potencial do ITR segundo um analista da Receita Federal.

Ademais, o poder público estimulou o desmatamento pelos seguintes fatores.

Potencializou as ameaças ao investir e licenciar infraestrutura sem as salvaguardas. Isso ocorreu com o asfaltamento da rodovia BR-163 e com a construção das hidrelétricas em Rondônia e no Pará. A imigração e a facilitação do acesso às novas áreas florestais tende a aumentar o desmatamento. Entretanto, o governo ignorou as recomendações para reduzir o risco do desmatamento. Por exemplo, ele não criou os cerca de 15 mil quilômetros quadrados de Unidades de Conservação recomendadas pelo relatório de impacto ambiental de Belo Monte e não reforçou devidamente a fiscalização em torno das regiões das obras.  Em Belo Monte, as obras continuam mesmo depois que o Ibama apontou que a construtora tem descumprido as condicionantes.

Manteve e aumentou a vulnerabilidade das florestas. O poder público tornou as florestas mais vulneráveis ao reduzir a sua proteção legal e ao não investir adequadamente. Primeiro, o poder público reduziu várias áreas protegidas, na maioria dos casos para facilitar a construção de hidrelétricas em Rondônia e no Pará. O governo de Rondônia também vem reduzindo áreas protegidas para validar ocupações. Em janeiro de 2012, o governo federal reduziu no Pará cinco áreas por meio de Medida Provisória, procedimento considerado ilegal pelo Ministério Público. Na mesma região, o governo continuou negociações para reduzir a Floresta Nacional de Jamanxim, criada em 2006.

Segundo, os governos federal e estaduais não implementaram plenamente as Unidades de Conservação (UCs) já criadas. Tais áreas devem ser destinadas para usos sustentáveis da vegetação nativa (como exploração de madeira), turismo e pesquisa. Em geral, as UCs têm sido altamente eficazes para coibir o desmatamento. Para assegurar a integridade dessas áreas seria necessário reforçar a fiscalização e retirar ocupantes ilegais. Estudo recente revelou que o desmatamento é mais alto nas Unidades de Conservação onde os conflitos fundiários persistem. Apesar de repetidas promessas, os governos não possuem plano robusto para a regularização fundiária. No caso federal, técnicos do ICMBio informaram que produziram um plano que aguarda aprovação do Ministério do Meio Ambiente.  

Terceiro, o Congresso e o Executivo aprovaram um novo Código Florestal que anistia parte do desmatamento praticado até 2008. Ambos os casos são graves pelos prejuízos imediatos e por validarem a crença de que as regras ambientais fazem parte das “leis que não pegam”.  Essa cultura gera a expectativa de que novos desmatamentos ilegais serão perdoados no futuro e que Unidades de Conservação poderão ser reduzidas mediante pressão.

Enquanto o governo potencializou as ameaças e aumentou as fragilidades, os incentivos financeiros à conservação nas terras privadas são escassos. O Congresso autorizou, por meio do novo Código Florestal, que o Executivo crie incentivos, prioritariamente para os agricultores familiares. Porém, o governo federal ainda não sinalizou que os criará.

Enfim, o histórico recente demonstra que o combate ao desmatamento deve ser encarado como uma missão constante de maneira similar ao combate à inflação. O combate à inflação envolve estabelecer uma meta e disciplina fiscal. O combate ao desmatamento precisa de uma meta mais sensata e disciplina ambiental. A meta deveria ser zero enquanto sobrar terra mal utilizada no país. A disciplina ambiental implicaria a aplicação incessante das políticas que funcionaram e o uso de novas, como aumentar a arrecadação do ITR de imóveis improdutivos e criar os incentivos à conservação.

 

 

Para saber mais sobre como desenvolver a economia rural sem desmatar a Amazônia acesse:
Barreto, P., & Silva, D. 2013. Como desenvolver a economia rural sem desmatar a Amazônia? Belém: Imazon

Leia também
Zangada, ministra anuncia aumento de 28% no desmatamento
Mapa: Relação entre estradas e desmatamento na Amazônia
COP19: pulo do desmatamento na Amazônia é banho de água fria

 

 

 

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.