Colunas

O dilema vegetariano

Se um dia acordássemos e descobríssemos que o mundo estava proibido de comer carne e obrigado a aderir à dieta vegetal, o que faríamos com os nossos bois?

5 de maio de 2006 · 19 anos atrás

A turma mais radical do movimento vegetariano não costuma concordar comigo. Eles têm lá suas razões. Como carne, acho que a caça, dependendo das circunstâncias, pode fazer parte de um plano de manejo de fauna, e já escrevi em defesa dos rodeios. Tudo indica que jamais farei parte desse grupo que transformou hábitos alimentares em seita.

Ultimamente, voltei a pensar nos vegetarianos, que se acham moralmente acima de seus pares humanos porque não só não comem carne, como são intransigentes defensores do direito de um animal à vida. Não gosto muito de discutir o ranking da moralidade na face da Terra. O tema é subjetivo demais para gerar um mínimo de consenso. Mas há algo que me intriga nessa luta dos vegetarianos para fazer a humanidade comer só planta: se eles vencessem, o que o mundo faria com os animais que a população não mais comeria?

Não é um problema trivial. Não estamos falando apenas de algumas centenas de bois aqui e algumas dezenas de galinhas acolá. Só para se ter uma idéia, o último censo agrícola contabilizou que pastam nos campos do Brasil cerca de 180 milhões de cabeças de gado. Há mais bois por aqui do que seres humanos. E olha que esse número oficial está sensivelmente defasado. Por falta de dinheiro, o último censo agrícola do país foi feito há 11 anos.

De lá para cá, o IBGE fez pesquisas apenas pontuais para calçar suas estimativas sobre o crescimento do rebanho bovino nacional. A última, de 2005, diz que touros, vacas e bezerros já ultrapassavam os 200 milhões de cabeças. É gado às pampas que, no caso de vitória dos vegetarianos, ficariam de uma hora para outra sem qualquer função que justificasse mantê-los onde estão.

Se ninguém aqui no Brasil for consumir carne, não haverá incentivo para os pecuaristas deixarem toda essa boiada confinada em seus currais e piquetes. Não havendo, pode acreditar que todos esses bois serão soltos para adequar a produção das fazendas à nova ordem vegetariana. Sem a cerca, mas impedido de ficar nos pastos, esse gado vai parar no meio do mato, coisa que do ponto de vista do meio ambiente seria quase que certamente um desastre de proporções bíblicas. Adeus mato!

Não podendo deixar mais a boiada com os fazendeiros, os vegetarianos se veriam diante de um dilema moral grave. Soltá-los significaria acabar com as matas e os bichos que vivem nelas. Matar toda a boiada seria a próxima melhor solução. Mas nessa hipótese, nem pensar. Afinal, vegetariano que é vegetariano prefere virar brócolis a descer um cutelo no pescoço de um boi. Além disso, a matança certamente os faria despencar do pedestal da moralidade onde imaginam que estão. Tudo isso permite formular uma hipótese sobre o vegetarianismo. Como movimento cultural e político, fazem parte daquele tipo de grupo que só viceja enquanto estiver na oposição. Se um dia ganharem, provavelmente acabarão destruídos.

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.